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Altitude, exposição

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.4 Os modelos de representação em geografia

A questão sobre a representação da realidade na forma de um modelo, remonta uma antiga preocupação do autor, embora tenha ganhado contornos mais nítidos a partir do curso “Análise e modelagem de dados espaciais em SIG”, ministrado pelo prof. Marcos César Ferreira em 2003, no programa de pós-graduação do IGE-UNICAMP. O produto dessa disciplina, retomado aqui, foi apresentado na forma de um artigo (JARDIM e FERREIRA, 2005), por sugestão do segundo autor, inclusive, no X Encontro de Geógrafos da América Latina, em março de 2005.

A partir do caminho que percorreram os estudos geográficos em direção à construção de modelos, destacam-se as diferentes concepções de natureza das questões geográficas a partir das visões da escola “corológica”, tendo a frente Hartshorne, e “espacial” com Schaefer. Apoiado em Sack (1974), a primeira enfatiza a natureza e as interrelações entre lugares específicos ou regiões enquanto a segunda enfatiza o arranjo geométrico e a gênese do fenômeno. Nesse sentido, o caráter “nomotético” transparece de forma mais nítida na segunda, apoiado no estabelecimento de leis gerais, enquanto o caráter “idiográfico”, apoiado na explicação de fatos singulares, relacionar-se-ia à primeira.

A escola corológica trataria de regiões específicas, áreas ou lugares enquanto produtos de diferenciação e integração, dentro de um espaço euclidiano. Isso envolveria, segundo Hartshorne [...] “study the distribution of different phenomena, separately and in relation to each other, over the earth” […] (Idem, p.442). Residiria aí, também, a diferença entre a “ciência sistemática”, cujo foco repousa sobre o estudo de um fenômeno particular, e a geografia, preocupada com as relações entre os diversos fenômenos espaciais.

A abordagem da escola espacial privilegia o arranjo geométrico dos fenômenos numa área. As “leis” buscadas para a explicação do fenômeno seriam aquelas que regeriam esse “arranjo” espacial, integrando forma, função e processo: [...] “How can questions and answers vary in their degree of spatialness, and how is it possible scientifically to separate out the effects or significance of the spatial?” […] (Idem, p.444).

Ainda sim, mesmo divergindo em alguns aspectos, as diferenças apontadas em relação às duas escolas, para o referido autor, seriam exageradas: [...] “A balanced synthesis should result when the spatial and the chorological schools are seen as two foci of a scale of nomothetic

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completeness in discourses which concern the geometric connections among facts” […] (Idem, 1974, p.440).

Na estrutura de informação matricial de Berry (1964), adotada aqui como um dos referenciais na construção do modelo gráfico (figura 5.8), cada ponto no espaço, resultado de múltiplas intersecções, assume um valor dentro de uma estrutura “raster”, como preferiria Burrough e Frank (1995), uma vez que os fenômenos tratados desdobram-se num espaço contínuo (e os elementos climáticos, em especial, assumem esse caráter de continuidade pelo espaço, dada pela própria fluidez do ar). A interpolação desses valores, dispostos na forma de “grade” ou “rede”, delimitaria “espaços probabilísticos” de ação de um determinado fenômeno e não limites geometricamente definido a partir de um modelo vetorial (representações corológicas).

A estrutura de representação cartográfica na forma de isolinhas (isotermas, isoietas etc.) é um exemplo disso. A menos que cada milímetro quadrado da superfície terrestre possa ser descrito quanto às suas características, uma das maneiras de saber como se comportam os seus atributos espaciais é através da interpolação de valores observados em diferentes pontos, mais ou menos distantes entre si. O produto desse processo revela “espaços probabilísticos”, ou seja, as chances de se encontrarem determinados valores em determinados espaços. Ninguém foi lá e mediu para avaliar a veracidade ou não daquele dado, apenas determinou-se a sua probabilidade de ocorrência. A partir daí, evidentemente, podem ser averiguados os fatores que condicionam tais padrões de distribuição.

Peuquet (1994) acrescenta que, num dado espaço, podem ser identificadas entidades (objetos), dotadas de atributos (funções) e que relacionam-se entre si e com o meio circunvizinho. Ou seja, mesmo os objetos (a informação relativa aos objetos é guardada na forma de vetor), possuem atributos locacionais ao definirem relações (a informação relativa aos atributos locacionais é guardada na forma de uma estrutura raster).

Na dimensão temporal, ainda segundo a autora, os fenômenos desdobram-se numa superfície topológica: um evento maior abriga eventos menores e, ao mesmo tempo, não segue, necessariamente, uma única direção (tempo unidirecional). O dinamismo seria percebido pelas transformações no espaço e no tempo.

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Em climatologia o dinamismo transparece através do ritmo dos elementos climáticos: [...] “Os ritmos, enquanto totalidade, podem ser dissociados na análise, mas, no real concreto, se mesclam, convergem, divergem, produzindo disritmias, “ilhas de calor”, enchentes, poluição, doença, exclusão e mortes.” (TARIFA, 2001, p. 29).

Ainda no âmbito do clima, a gênese de eventos microescalares está relacionada a eventos de natureza de expressão temporal e espacial maiores. A entrada de uma Frente Polar seguida do estabelecimento do Sistema Polar Atlântico, ambos os fenômenos de expressão regional, pode repercutir junto à superfície terrestre, em áreas deprimidas, na forma de pequenos bolsões de ar frio, como os fundos de vales, e levar à estagnação do ar. Se as condições de tempo forem suficientemente estáveis, fria e úmida, pode ocorrer a formação de nevoeiros, orvalho e até mesmo geada. Neste caso, a gênese de um fenômeno microescalar depende da ação de um fenômeno de macroescalar (temporal e espacial). Desse exemplo percebe-se, ainda, a indissociabilidade, defendida pela autora, entre as grandezas tempo e espaço.

Ainda naquilo que diz respeito à relação tempo-espaço, numa bacia como a do rio Aricanduva, podem ser identificadas inúmeras entidades ou objetos, passíveis de serem delimitadas do ponto de vista geométrico, como as unidades de uso da terra (estrutura vetorial). Esse objeto possuiria características e funções diferenciadas (atributos) quando comparado a outros setores da mesma bacia hidrográfica e, ao mesmo tempo, manteria relações com outros objetos (o ar circundante, por exemplo). Tanto o uso da terra quanto o ar possuem atributos e definem relações tanto no âmbito dos objetos quanto locacionais.

Colocado dessa forma, o modelo deve refletir, diante da diversidade de características e funções emergentes, fruto das relações dos controles de superfície com os elementos atmosféricos (impossibilidade de se isolar apenas uma variável do meio e confrontá-la com os controles envolvidos na sua estruturação), uma análise a partir da integração dos dados (espacial, temporal e escalar), mais ou menos nos moldes do “gráfico de análise rítmica” preconizado por Monteiro (1971), sobre o perfil do relevo (na verdade sobre um perfil onde seriam retratados as características do suporte físico ambiental e urbanas).

Segundo Haggett e Chorley (1975, p.1), os fatos só adquirem relevância [...] “dentro de uma estrutura de referência mais geral” [...]. Dessa forma, logo em seguida, definem os modelos enquanto [...] “estruturação simplificada da realidade [...] aproximações altamente subjetivas, por

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não incluírem todas as observações ou medidas associadas, mas valiosos por obscurecerem detalhes acidentais e por permitirem o aparecimento dos aspectos fundamentais da realidade” [...]. Logo, a sua validade repousa justamente no seu caráter sintético tal qual quando se formula uma hipótese de trabalho, já que também é uma tentativa de modelizar e, de certa forma, se antecipar à aquilo que pode acontecer.

De acordo com Christofoletti (1999, p.25), os modelos devem incluir a “implementação em algum tipo de linguagem formal, ao estabelecimento de inferências prevendo as conseqüências do modelo e à avaliação dessas inferências em face da adequabilidade e uso para o qual o modelo foi construído”.

Isso posto, no caso do clima, a relação entre os seus elementos com os controles de superfície, apresenta-se de diferentes formas e em vários lugares dentro da bacia hidrográfica do rio Aricanduva. Os “vários” e “diferentes” lugares podem ocorrer numa mesma escala, no nível da “organização” (estrutura horizontal do modelo) e, ao mesmo tempo, nas diferentes escalas de manifestação dos fenômenos climáticos na área de estudo (hierarquia dos fenômenos, estrutura vertical). O tempo cronológico (“time”) corresponde à projeção dessas relações ao longo das horas, dias, meses, estações do ano, anos etc.

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