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Altitude, exposição

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 O clima urbano

Um dos principais argumentos apresentados enquanto justificativa no desenvolvimento dos estudos de clima urbano é o crescimento das cidades, concomitante ao da própria população urbana. A cidade como “morada” do homem. Do antigo “habitat” de pequenas dimensões, polinucleado e disperso pelo espaço rural, a cidade passa a polarizar não só a população, mas toda a sorte de funções e, conseqüentemente, de problemas ambientais.

Oke (1986), apoiado em Peterson (1984), estima que em 2025 a população da Terra seja de 8,2 bilhões. Desse total, 60% viverão nas cidades. Outro dado interessante a esse respeito, apresentado por Roth (2002) sobre o crescimento das cidades, menciona o enorme volume de pessoas mobilizadas nesse processo na Ásia. Segundo algumas projeções apontadas pelo autor, a população urbana desse continente somava 2,7 bilhões em 1999 (47%). Para 2030, a perspectiva é de que esse número seja substituído por 4,9 bilhões (60%). Em 2015, 16 das 24 maiores cidades do mundo com mais de 10 milhões de habitantes, estarão localizadas na Ásia. O que, de certa forma, também se repete no Brasil. De acordo com dados do IBGE para o ano de 2000 (MARICATO e TANAKA, 2006), 78% da população brasileira vive em núcleos urbanos, embora 72% dos municípios brasileiros tenham menos de 20 mil habitantes (o Brasil não é tão urbano quanto parece?). Desse percentual, 32% (aprox. 55 milhões de pessoas) vivem em 11 metrópoles do país (que englobam um total de 209 municípios dentre os mais de cinco mil existentes).

Evidentemente, a aglomeração de pessoas nos núcleos urbanos traz benefícios. A ampliação na difusão de serviços de saúde e educação são dois exemplos disso. Conforme Maricato e Tanaka (2006, p.18)

[...] as cidades brasileiras, em especial as metrópoles, ganharam cerca de 120 milhões de novos habitantes. Alguns dos impactos desse rápido processo de urbanização sobre a sociedade brasileira são positivos. Vários indicadores sociais apresentam uma evolução favorável e muito dessa evolução se deve à integração das pessoas e famílias nas cidades. Os principais exemplos são a queda da mortalidade infantil (que passou de 150 mortes por mil nascidos vivos em 1940 para 26,6 por mil em 2000), o aumento da expectativa de vida (média de 40,7 anos em 1940 e de 70,5 em 2000), a queda na fertilidade (6,16 filhos por mulher em idade fértil em 1940 e 2,38 em 2000) e a melhora do nível de escolaridade (55,9% de analfabetos em 1940 e 13,6% em 2000). Foi notável também a ampliação do saneamento e da coleta de lixo domiciliar.

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Só que essas vantagens, traduzidas numa melhoria da qualidade de vida são, muitas vezes, acompanhadas do declínio da qualidade ambiental24. Os benefícios apontados pelas autoras, anteriormente, não acompanharam o crescimento e a multiplicação das cidades pelo país, quando as 11 das metrópoles brasileiras apontadas abrigam [...] “82% da população moradora em habitações subnormais (majoritariamente favelas) e 33% do déficit habitacional (2.192.296 unidades) [...] 45 milhões de pessoas, em todo o país, ainda vivem sem água potável, 83 milhões não tem esgoto e 14 milhões não tem o lixo coletado” (Idem, p.18-19). E o clima, enquanto variável ambiental tende a refletir muito desses aspectos.

As mudanças impostas ao comportamento dos elementos atmosféricos, comandadas pelas modificações na natureza das superfícies ocupadas pelas cidades, interferem no balanço de radiação, estoque de calor, umidade, circulação do ar e emissão de poluentes. Entre outros fatores, tais características devem-se às mudanças nas propriedades de albedo, condução e emissividade dos materiais empregados na construção civil, ou até mesmo obstrução de certa porcentagem da radiação solar (“sky view factor”) pelos altos edifícios. Este, também, relacionado ao incremento da “rugosidade” da superfície e o aumento da turbulência do ar. A diminuição da umidade do ar dever-se-ia à supressão de áreas verdes e superfícies líquidas, com a drenagem de pântanos e a canalização de rios e córregos. A emissão de poluentes atmosféricos relaciona-se à queima de combustíveis fósseis, atribuída principalmente a imensas frotas de veículos e concentração de atividades industriais.

Barry e Chorley (1985, p.405) traduziram de forma quantitativa algumas dessas modificações na atmosfera das cidades: duas vezes mais dióxido de carbono; 200 vezes mais dióxido de enxofre; 10 vezes mais monóxido de carbono; 10 vezes mais dióxido de nitrogênio;

24 Há setores nas cidades que congregam tanto baixos níveis de qualidade de vida e de qualidade

ambiental. Foi possível averiguar que bairros localizados em meio aos distritos de São Mateus, Pq. S. Rafael e Jd. Iguatemi, a partir de mapeamento com base em fotografias aéreas coloridas (BASE S.A., 2000) na escala 1: 5000, uma quase-total ausência de vegetação. O próprio Atlas Ambiental do Município de São Paulo (PMSP/SMMA/SEMPLA, 2005) traz dados a respeito. De acordo com a referida obra,

nessas localidades há uma quantia que varia de zero a 1,0 m2 de vegetação por habitante, em

contraposição ao Morumbi, com valores entre 100 a 500 m2 de vegetação por habitante. As diferenças

não param por aí: a cor cinza claro das telhas de amianto e das lajes de concreto, desprovidas de telhado, que recobrem quase todo o lote, sem quintais, em meio ao padrão caótico de ruas e quarteirões,

associados à índices como baixo nível de escolaridade (4 a 5 anos em média, contra 8-9 em Pinheiros, V. Mariana e Saúde), renda média domiciliar entre zero e 999 reais contra 3 a 4 mil reais na V. Mariana etc. A gênese dessas condições, no discurso político, configura como fatalidade e nunca enquanto produto social e historicamente produzido.

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20 vezes mais hidrocarbonetos; 3 a 7 vezes mais material particulado; 15 a 20% menos radiação solar global; 30% menos de infiltração do ultravioleta no inverno; 5 a 15% menos na duração da luz solar; temperatura mínima invernal (média) em 1,0o C a 2,0o C mais elevadas; redução de 20% a 30% nos valores médios anuais de velocidade do vento; 5% a 20% mais no número de dias com calmarias; 100% mais névoa no inverno e 30% a mais no verão; aumento de 5% a 10% de nebulosidade; aumento de 5% a 10% na precipitação total (aumento de 10% dos dias com menos de 5 mm).

Essas mudanças, percebidas pela sua repercussão junto à cidade, no balanço de energia, nos níveis de poluição e nos impactos hidrometeóricos, conforme traduzem os dados acima, derivam de modificações no próprio comportamento dos elementos atmosféricos. Modificações, estas, motivadas pela própria cidade que passaram a atuar, de forma mais efetiva, enquanto controle ou fator climático. As cidades não ampliaram apenas em área: ganharam novos contornos e funções. E isso abriu caminho para uma série de trabalhos em climatologia urbana, preocupada com a relação entre os controles de superfície e os elementos climáticos.

Num desses trabalhos, Parry (1967) relaciona vários fatores à formação de “ilhas de calor”. Segundo o autor, a estrutura urbana, formada por superfícies verticais e horizontais de tijolo, pedra e concreto, possuiria baixo albedo, elevada capacidade térmica, além de absorver muita radiação solar. O calor armazenado é liberado lentamente durante a noite. Nas áreas rurais, a vegetação absorve menos energia solar e gasta boa parte dessa energia na evaporação da umidade e fotossíntese. Admite, também, o papel da fumaça e material particulado em suspensão no ar no sentido de diminuir a entrada de radiação solar e diminuir as temperaturas diurnas, ao mesmo tempo em que inibe as perdas de calor durante a noite proveniente da radiação terrestre25.

O autor centra os estudos na cidade de Reading (Inglaterra), àquela época com 120 mil habitantes, instalada num vale, ao longo dos baixos terraços e platôs (altitude 150-300 metros). A cidade conta com 10 estações climatológicas, presentes em sítios urbanos e rurais. A comparação dos dados, a partir desses sítios com características diferenciadas e com altitudes similares, ao

25 Em atenção às considerações do autor, deve-se ter claro que a capacidade térmica dos materiais

utilizados na construção civil possui baixa capacidade térmica (e não elevada como coloca o autor), o que faz com que a cidade se aqueça e resfrie rapidamente, ao contrário das áreas rurais onde a porcentagem de radiação absorvida é elevada, embora os valores de capacidade térmica sejam baixos dado ao elevado calor específico do povoamento vegetal (próximo ao da água). Considerar, também, que embora a evaporação da água assuma um importante papel na manutenção de valores de temperatura mais baixos nessas áreas, a participação da fotossíntese é praticamente nula.

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longo de 12 meses, mostrou que as diferenças médias diárias de temperatura ao ar são inferiores a 1ºF (aprox. 0,5ºC). A diferença média das máximas permaneceu ao redor de 0,5ºF. Segundo o autor, as diferenças locais tendem a ser suprimidas pela turbulência do ar. No entanto, em relação às temperaturas mínimas, o contraste urbano-rural apontou diferenças médias da ordem de 1,5ºF (aprox. 0,8ºC).

Foi descartada a concentração de material particulado em suspensão no ar como causa dessas diferenças. As estações que apresentaram baixos valores de concentração, metade em relação àquelas com as mais elevadas concentrações, exibiram diferenças de temperaturas mínimas semelhantes ou até superiores. No entanto, foi assinalada uma relação direta com a densidade de áreas construídas (mais do que a produção artificial de calor), associada à perda de calor pelos edifícios no período noturno. Essa conclusão foi reforçada pelas características de obstrução do céu frente à entrada de radiação solar (técnica de “sky view factor”). Os sítios urbanos caracterizados por elevados índices de obstrução do céu foram também os que revelaram os mais elevados valores de temperatura mínima do ar (essa chegou a acusar uma diferença média de 0,9ºC, aprox., em ordem crescente, do sítio urbano menos obstruído para o sítio urbano mais obstruído).

Um dos trabalhos mais antigos na área de climatologia urbana desenvolvidos no Brasil encontra-se na obra intitulada “Teoria e Clima Urbano” do prof. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (MONTEIRO, 1975). Com o intuito de propor um eixo teórico-conceitual, apoiado na “Teoria Geral dos Sistemas”, e fomentar outros estudos na área de climatologia urbana, tão necessária à compreensão da organização das cidades, o autor define aquilo que ele chamou de “canais de percepção do clima” ou “subsistemas termodinâmico” (conforto térmico), “físico- químico” (qualidade do ar) e “hidrometeórico” (impacto meteórico). A fonte primária de energia do primeiro e do último está na atmosfera. A fonte do subsistema físico-químico encontra-se na atividade urbana, na circulação de veículos e indústrias. Além de fontes diferenciadas, cada um deles possui um mecanismo de ação própria e, conseqüentemente, de “produtos” diferenciados, como é o caso das “ilhas de calor”, a poluição do ar e as enchentes na cidade (isso sem mencionar os impactos sociais e econômicos de cada um). O autor (idem, p.116) também propõe como definição de clima urbano [...] “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização”.

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Abrindo um parêntese, durante uma aula proferida no curso de geografia da universidade Estadual de Goiás, ao discutir o papel do homem na transformação da paisagem no Brasil e a sua relação com o clima, percebeu-se de forma mais nítida o alcance dessa proposição. A repercussão no clima do desmatamento e das queimadas na Amazônia, por exemplo, afeta tanto o sistema hidrológico (hidrometeórico), quanto aquele relativo ao termodinâmico e físico-químico do clima. No primeiro caso, através de análise de isótopos de oxigênio e hidrogênio presentes na água da chuva (SALATI, 1985), concluiu-se que 50% das chuvas têm origem na evapotranspiração da vegetação. Do total de água que entra no sistema, 25% sequer atinge o solo, outros 25% constitui o escoamento superficial e os 50% mencionados infiltram no solo e voltam para a atmosfera através da evapotranspiração das plantas. A porcentagem referente ao escoamento superficial tende a aumentar nas áreas agrícolas e, mais ainda, nas cidades.

A título de constatação, o autor desta tese, juntamente com os alunos do primeiro ano da disciplina de “Impactos ambientais em áreas de cerrado”, ministrada no curso de geografia da Universidade Estadual de Goiás, na unidade de Morrinhos, num experimento em campo realizado com a finalidade de avaliar a velocidade e a quantidade de água infiltrada no solo, verificou-se que para uma área florestal (cerradão), os totais de água infiltrada durante um intervalo de tempo de 30 minutos, remontaram 22,6 litros contra 0,435 litros para uma área de solo exposto numa lavoura de soja adjacente, recém colhida. O mesmo experimento, no mesmo local, realizado tempos depois, em condições análogas, traduziu valores semelhantes. A conclusão foi óbvia: se há uma maior disponibilidade de água para escoar, maior também será a quantidade de solo arrastado para outros lugares. Além de outros impactos, a remoção do solo contribuirá para o aumento da carga sedimentar e assoreamento dos cursos d’água. O que traduz, também, um péssimo exemplo de utilização dos recursos naturais.

A remoção das matas implicaria, também, numa abrupta mudança do albedo. A vegetação possui um baixo coeficiente de reflexão, ou seja, ela absorve quase toda a energia solar incidente. A sua remoção implicaria num aumento da reflexão de radiação solar pelo solo e, conseqüentemente, em diminuição da temperatura. Sobre uma superfície mais fria, as correntes ascendentes de ar tornar-se-iam mais fracas cedendo lugar à formação de nuvens com pequeno desenvolvimento vertical, associadas a uma condição de maior estabilidade e, conseqüentemente, com menos chuva.

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Do ponto de vista das alterações físico-químicas, apoiado em ARTAXO et al. (2003), as queimadas num domínio como o da Amazônia, disponibilizariam uma imensa quantidade de elementos químicos para a atmosfera, como o fósforo, relativamente raro e fundamental para a manutenção dos ecossistemas florestais, que é lavado para outros lugares pela circulação atmosférica.

Cronologicamente, dentre outros trabalhos que discutiram a influência dos controles de superfície (urbana) na modificação dos elementos climáticos nas cidades, sem, contudo, pretender fazer disso uma completa revisão sobre o assunto (o que certamente renderia outra tese), encontra-se o trabalho de Monteiro e Tarifa (1977), a respeito do clima na cidade de Marabá (PA).

Situada em zona equatorial continental, o comportamento dos elementos climáticos estaria muito mais ligado ao balanço de radiação (convecção do ar) do que aos campos de pressão atmosféricos (advecção do ar), como acontece em São Paulo. O reflexo dessa condição na temperatura do ar, tanto na área urbana quanto nos arredores da cidade, transparecem pelas diferenças de temperatura, tomadas em diferentes locais ao ar livre, quase insignificante (décimos de grau). As maiores discrepâncias foram encontradas nos ambientes microclimáticos: num dado momento, a estação principal da cidade no aeroporto acusou 31,0°C, ao mesmo tempo em que, no interior da mata, era registrado 27,0°C.

Essa condição foi atribuída ao papel da água nesse meio. A forte ascensão da temperatura do ar logo após um temporal e elevadas taxas de umidade do ar, com valores próximos ao ponto de orvalho, no período da manhã, decorrente do (relativo) resfriamento noturno, demonstram isso.

Essas constatações respondem, entre outras, a duas questões colocadas pelos próprios autores logo no início do trabalho: quais as implicações disso em termos de conforto? Que elementos do quadro geoecológico se mostram mais relevantes em relação à atenuação do aquecimento26?

26 Seria, também, o momento de se colocar outra questão: a não ocorrência dessas “diferenças” de

temperatura verificadas não se constituiriam, também, em objeto a ser investigado? O “excesso” de calor é uma experiência cotidiana do habitante dessa região. E aqueles que estudam as modificações

climáticas associadas à urbanização querem encontrar ainda “mais diferenças” de temperatura? É difícil imaginar o que viria muito acima de 30ºC ou 40ºC, em condições de umidade próximas à saturação do ar. O estudo de climatologia urbana nessas áreas deveria orientar-se em outra direção, que é aquela

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O trabalho de Moraes et al. (1977) tem o mérito de trazer para a discussão a relação entre os mecanismos verticais de trocas de energia e os tipos de tempo, a partir de dados colhidos junto à estação do IAG-USP na cidade de São Paulo, para o ano de 1974.

A partir de análises mensais e episódicas, os autores constataram uma grande variação nos totais de radiação global e emissão efetiva terrestre e, conseqüentemente, na disponibilidade de energia líquida armazenada (é essa energia que participa dos processos de evaporação e aquecimento do ar). Sob a ação do Sistema Frontal, por exemplo, em condições de elevada nebulosidade durante o mês de janeiro, o valor de radiação global foi de 203 cal/cm2.dia, a emissão efetiva terrestre foi 19 cal e a energia líquida ficou em 123 cal. Essa energia armazenada traduziu-se num valor de temperatura média do ar de 19,0ºC. Numa outra situação, ainda no mês de janeiro, mas sob as condições de tempo associadas ao Anticiclone Polar Oceânico em Processo de Tropicalização, esses mesmos valores, respectivamente, responderam por 520 cal/cm2.dia, 125 cal e 239 cal. Sob essas condições, a temperatura média do ar foi de 22,0ºC.

Ao comparar essas situações com uma situação de inverno, sob a influência do Anticiclone Polar Oceânico, nota-se a tendência de baixo armazenamento de energia (respectivamente 264 cal/cm2.dia, 127 cal e 55 cal) e, conseqüentemente de valores de temperaturas mais baixos (a média foi de 16,0ºC).

Tarifa (1981), desta vez em São José dos Campos, a partir de tomadas de temperatura do ar, tanto na área urbana quanto na área rural do município, traduzida por uma carta que retrata a “natureza da superfície”, considerando as diferentes exposições das vertentes, sob a ação de determinados sistemas atmosféricos, constatou, para a área urbana, valores médios diários mais elevados de temperatura do ar e mais baixos de umidade relativa (respectivamente de 1,0°C a 3,4°C sob a ação da Frente Polar Atlântica e Sistema Polar Atlântico, e de 2 a 12% na umidade relativa). Os valores mais baixos foram observados na mata (diferenças diárias de temperatura do ar da ordem de 2,9°C em relação às áreas com cobertura de pasto e 1,7°C em relação à área de eucalipto). Quanto ao relevo, as vertentes orientadas para norte se mostraram mais aquecidas do que as vertentes sul. As áreas planas de beira de rio, ventiladas e recobertas por vegetação, mostraram-se mais frias do que as vertentes sul.

Fica claro no artigo que a vegetação não é o único fator atenuador da temperatura do ar. As faces mais sombreadas das vertentes e a condição topográfica atuam, conjuntamente ou não

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com a vegetação, como “escoadouros” e não como fonte de calor. E que, naturalmente, deve ser levado em consideração para a compreensão da organização dos climas e no planejamento das cidades.

Sampaio (1981), em Salvador (BA), discute a relação entre uso do solo e “ilhas de calor” a partir de um uma técnica quantitativa, de cunho estatístico. Esse tipo de estudo, segundo o autor (Idem, p.17), constituiria a [...] “chave para o bom entendimento dos fatores estruturais que afetam o conforto humano” [...]. Os fatores compreenderiam o clima urbano e o ambiente construído. Cita, logo em seguida, a necessidade de se desenvolver critérios e indicadores para detectar “áreas de desconforto” no ambiente urbano.

A base de dados repousa sobre um único episódio, no dia 01/04/1980. Os aparelhos utilizados incluíam 05 psicrômetros de aspiração e termômetros de máxima e mínima, dispostos a 80 cm acima do solo e as leituras ocorreram com intervalos de 01 hora, das 6 h às 18 h. Os índices de correlações obtidos não apontaram para uma relação direta entre o uso do solo (causa) e “ilhas de calor” (efeito): [...] “tudo leva a crer numa impossibilidade de se pretender isolar a variável uso do solo, para efeito de demonstrar a ocorrência de Ilhas de Calor. Embora seja clara a interferência do mesmo no aquecimento das áreas” [...] (Idem, p.82). Essas diferenças de temperatura do ar que o autor aponta, e que mantém válida a hipótese, referem-se a contrastes térmicos obtidos a partir de valores instantâneos que variam de 2,6ºC a 5,0ºC em ambientes edificados e de 1,5ºC a 2,0ºC em ambientes abertos, quando comparados aos valores do posto meteorológico local.

Essa “impossibilidade de isolar a variável uso do solo” refere-se à influência de outros fatores na estruturação do clima de Salvador, notadamente a massa d’água oceânica e os ventos: [...] “quanto maior as distâncias das amostras de uso do solo das grandes massas de água, maiores foram as amplitudes da curva de elevação da temperatura” [...] (Idem, p.60).

Entre 26 e 30 de novembro de 1984, foi realizada na Cidade do México uma conferência técnica sobre climatologia urbana com atenção às áreas tropicais, organizada pela World Meteorological Organization. Vinte trabalhos, na forma de artigos, foram reunidos posteriormente num volume pela própria World Meteorological Organization (1986).

Dentre os artigos, chama a atenção o trabalho de Oke (1986), aonde o autor coloca enquanto desafio a necessidade de intercâmbio e de se fazer uma avaliação do conhecimento até

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então produzido, necessidade da difusão desse conhecimento entre profissionais de áreas diversas e a cooperação entre a climatologia e o planejamento urbano.

A partir de um balanço do que foi produzido na área de climatologia urbana, o autor aponta a enorme diferença do número de trabalhos realizados nas cidades das latitudes médias em relação aos trópicos e defende a validade da transferência e aplicação do conhecimento entre essas duas zonas, a partir das similaridades climáticas e das similaridades quanto à estrutura e