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No Brasil, Del Priore (2007) anuncia o cotidiano da criança livre entre a Colônia e o Império como um período em que há poucas palavras para definir a criança, pois este,

segundo a autora, é marcado por instabilidade e muita mobilidade populacional devido à colonização. A infância era vista como um tempo sem maior personalidade, um momento de transição. Para Del Priore, aos recém-nascidos a ênfase estava nos cuidados e asseios corporais, assim como à sua alimentação. Já às crianças pequenas a preocupação era de resguardá-las, pois havia o medo de perdê-las por bruxarias ou por doenças reais e imaginárias.

A fragilidade do corpo infantil incentivava o sentido de proteção e a expressão “amor materno”. Na análise de Del Priore (2007) revela corações maternos carregados de apreensão e temor pelo destino dos seus filhos. Foram criadas então linguagens em que se replicaram as sílabas tônicas dando encanto as palavras como: dodói, cacá, pipi, bumbum, dindinho, entre outras. Esses “mimos maternos” em torno da criança eram vistos pelos moralistas, entre eles o baiano Nuno Marques Pereira, como causa de repúdio, pois fazia mal aos filhos. A boa educação implicava em castigos físicos e palmadas.

Na concepção de Del Priore (2007), as imagens da infância brasileira no período colonial à república nos anos 30 eram percebidas pela mentalidade coletiva como um tempo sem maior personalidade. Miúdos, ingênuos, infantes, expressões à vida social das crianças na época e que mereciam grande preocupação dos pais em resguardá-las contra assédios e perda das mesmas, seja por doença ou feitiços. Os mimos em torno da criança eram vistos pelos moralistas como causa de colocar a perder os filhos e uma boa educação implicava em castigos físicos, pois “muito mimo” fazia mal aos filhos. A partir da segunda metade do século XVIII, a palmatória tornou-se o instrumento de correção por excelência como forma de conservar o respeito por quem ensina. O uso da disciplina por meio da palmatória tinha a recomendação expressa de que a preguiça era a responsável pelos erros da criança e não a sua falta de conhecimento. A disciplina era também aplicada em meio às festas, onde os bolos e beliscões revezavam-se.

O castigo físico para Del Priore (2007) não era novidade no cotidiano colonial, pois para os padres jesuítas esse tipo de correção era visto como forma de amor. Assim, vícios e pecados, mesmo cometidos por crianças, deveriam ser combatidos com açoites e castigos como forma de correção e disciplina.

Na formação da criança brasileira estava presente a preocupação pedagógica que, segundo Del Priore (2007) tinha por objetivo transformá-la em um indivíduo responsável. Desde cedo a criança deveria ser valorizada pela aquisição da leitura e escrita que a permitissem ler a Bíblia. Exigência que não era apenas da igreja, mas da sociedade portuguesa que esperava dos jovens bons comportamentos.

Entre os séculos XVI e XVIII, segundo Del Priore (2007), com a percepção da criança como algo diferente do adulto e de que convinha uma formação cristã e um amoldar-se a diferentes tradições culturais e costumes sociais e educativos, surgiu uma preocupação educativa traduzida em cuidados de ordem psicológica e pedagógica que para a autora, na atualidade, mostra-se contraditório tendo em vista que a formação social da criança está mais para a violência explícita ou implícita do que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação.

O Brasil do século XIX segundo Kishimoto (1993), ainda estava distante do que já ocorria na Europa, a descoberta da infância. A autora anuncia que para compreender a imagem da criança deve-se analisar o papel da educação no período imperial.

Todo o período imperial, segundo a autora, foi marcado por uma educação do tipo aristocrática, destinada à preparação da elite. Esse contraste entre ausência e refino na educação estabeleceu o grande abismo entre a massa de analfabetos e a pequena elite que buscava na Europa seu modelo de formação. Dessa forma, para se aproximar desse modelo, o regime educativo passou a eliminar a infância das famílias patriarcais vestindo-as como adultos e obrigando-as a se comportarem como tais. O Brasil, segundo Kishimoto (1993), mesmo com a descoberta da infância no século XVII, demorou incorporar as inovações que já aconteciam em relação à ideia de infância.

Segundo os estudos da Kishimoto (1993), a ideia de infância dotada de natureza má levou o século passado a criar duas representações: menino diabo e menino-homem. A imagem da criança brasileira diabólica no período colonial manifestava-se nas brincadeiras infantis e na brutalidade dessas brincadeiras que ocorriam nos espaços lúdicos oferecidos pela casa-grande como: beliscar, morder, puxar cabelo e orelhas, quebrar vidraças, galhos de árvores. Assis (1994) também retrata o “menino diabo” na índole perversa de Brás Cubas, um menino rico, mimado e endiabrado do século XIX no Rio de Janeiro, pois, ao delinear suas traquinagens revela uma criança travessa, egoísta e inclinada a contemplar injustiças. Chateau (1987), citada por Kishimoto (1993), argumenta que em diversas culturas no mundo as crianças adotaram essas práticas. Porém, na atualidade, novas hipóteses se apresentam, como por exemplo: características do desenvolvimento infantil, egocentrismo, desejos de afirmação, etc.

Já a imagem de menino-homem, era a de que a criança precisava ser disciplinada como forma de ser corrigida a sua natureza inata de desvios. Como consequência, essa representação de menino-homem, foi capaz de prematuramente destruir a expressão lúdica da criança, pois os espaços do brincar foram diminuídos e as crianças foram obrigadas a se

comportarem como cultas a partir dos sete anos de idade, gerando a imagem de um Brasil sem crianças.

Outros aspectos da infância brasileira foram abordados por Gilberto Freyre (1963) como as grandes construções para abrigar a família, hóspedes e agregados. O autor abordou, entre outras coisas, a família brasileira apoiada no regime da escravidão e autoritarismo paterno tanto sobre os filhos, quanto sobre a esposa, agregados e escravos. Para o autor a família não era apenas vivência de autoridade e afetividade, mas ao mesmo tempo uma unidade política, econômica e social com papel fundamental na definição da história do Brasil. Segundo Freyre, o “gosto pelo mando” exercido nas diversas relações privadas estende-se ao domínio público com as características de capricho privado que já possuía, e usualmente se dão nas relações sociais.

Dedicada a resgatar a história da criança no Brasil, Rizzini (2006) se concentrou em ligar passado e presente, focalizando políticas e práticas atuais, e refletiu sobre suas raízes históricas. Deste modo, a autora afirma que na passagem do século XIX para o XX a criança empobrecida foi um instrumento valioso que precisava ser salva para salvar o país. Essa significação circunscrevia-se na perspectiva de moldá-la de acordo com o projeto que conduziria o Brasil a um ideal de nação e que transformaria o país em uma nação culta, moderna e civilizada. Para a autora, esse foco sobre a infância resultou no desenvolvimento de um complexo aparato jurídico-assistencial liderado pelo Estado e materializado nas diversas leis e instituições destinadas à proteção e à assistência a infância que não atenuou desigualdades sociais, ao contrário, vetou-se aos pobres uma educação de qualidade e a cidadania plena.

O movimento de salvar a criança no Brasil é descrito por Rizzini (2006) como originado da crença de que fatores hereditários e um meio prejudicial transformavam em monstros crianças com certas predisposições inatas. Portanto, salvar essa criança ultrapassava os limites da família e da religião e assumia a dimensão política de controle, sob a justificativa de que havia de se defender a sociedade em nome da ordem e da paz social, pois a ideia de infância estava associada à percepção de desordem e ameaça de descontrole. Assim, segundo a autora, era mais importante moldar para manter do que educar, pois a educação era vista como arma perigosa. Educar crianças pobres no Brasil nos primeiros anos da República não era tirá-la da ignorância, mas sim um antídoto à ociosidade e a criminalidade.

Ao abordar as várias categorias e dimensões do conhecimento da infância brasileira, Sayão (2000) propõe um olhar livre de preconceitos e limitações acerca desta categoria, pois muitas dimensões do conhecimento dela permanecem obscuras, e torna-se necessário

compreendê-las tendo em vista a diversidade social e cultural do país. Como questionamento, aborda hipóteses da singularidade definidora da infância pela diferenciação etária e coloca que o que está em questão é se isto basta para compreender e qualificar os trabalhos desenvolvidos no âmbito das instituições educativas voltadas à infância.

Na contemporaneidade a representação da infância é consequência de múltiplas transformações produzidas ao longo dos séculos na relação adulto-criança, na qual a criança passa a ser considerada o centro das atenções. Essa mudança permite o rompimento da ideia de criança como negatividade, em que se torna crucial o reconhecimento da criança em suas características específicas, não como um padrão da cultura adulta.