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O ALUNO COMO O OUTRO DO PROFESSOR: A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR

1.4.1 A identidade docente

A constituição da identidade é entendida por Jodelet (2006, apud Seidmann et al, 2011) a partir do reconhecimento de um outro diferente, a partir da alteridade considerada ponto de partida para uma reflexão da diversidade entre as pessoas e como um gradiente que permitirá aproximar-se do diferente ou excluí-lo, pois frente a presença de outros não passivos reage-se ativamente transformando-se. Para a autora, alteridade convoca a noção de identidade, pois é objeto de diversos modelos de ligação social úteis para explicar a construção da diferença.

É nessa multiplicidade de ligações sociais que se produzem tanto o eu como a vida social, onde são expressos saberes que lhe conferem uma identidade social, uma forma de enfrentar o cotidiano e uma forma de se relacionar com os objetos que o rodeiam. Desta forma, Jovchelovitch (1998) expressa que para entender o sistema de diferenças é preciso dar conta dos significados diferentes na vida social, pois o reconhecimento da alteridade tem consequências no que fazemos e como fazemos o que fazemos.

Sobre a construção da identidade Pardal et al (2006), anunciam que as identidades sociais não se constituem como inerentes ao indivíduo, mas associadas a um contexto social e a uma história que não se constitui por atributos imutáveis, mas como entidade dinâmica, em processo contínuo de reconstrução, que não equivale a instabilidade, mas que apenas exprime uma dinâmica que envolve o próprio indivíduo como ator das contradições. Portanto, ao citar Mendes (2002, apud PARDAL et al, 2006), os autores sinalizam que a identidade é ativada por contingências e que são descobertas e reconstruídas na ação.

Estudos em representações sociais e subjetividade têm contribuído na compreensão de conhecimentos interiorizados por professores, assim como o da subjetividade coletivamente construída. Os resultados têm sido evidenciados por meio dos estudos de Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011) que tem permitido o entendimento dos processos de construção da subjetividade do professor. As autoras sinalizam que é entre os saberes tais como o da experiência, pedagógicos, ideológicos, curriculares e disciplinares anunciados por Tardif (2002), realizados por sujeitos concretos, que se definirá uma prática efetiva, e que descontextualizar essa perspectiva, não será analisada a subjetividade do professor, sendo parcial qualquer avaliação de suas ações.

Do mesmo modo, Dechamps e Moliner (2009) são citados por Thomé (2011) por definirem representações identitárias como a que as pessoas constroem por meio de conhecimentos e crenças que possuem sobre elas mesmas e sobre certos grupos. A autora anuncia os estudos de Seidmann (2008) como revelador de uma tensão entre a vocação e a profissão como eixos organizadores da identidade social docente. A autora destaca que a ideia transmitida por ser professor é um “dom” de características “inatas” e quanto à profissionalização, há a ideia de “esforço pessoal” como resultado adquirido. Dicotomia apresentada pela autora como discurso de auto-legitimação em que a projeção de expectativas sobre o que se quer chegar a ser está de acordo com uma realidade intersubjetiva.

Para Tardif (2005) existem diferentes maneiras de descrever e compreender o trabalho docente, dentre elas os aspectos relacionados à burocracia, rotina e obrigações formais, e também aqueles invisíveis e mais informais da atividade. A esses componentes o autor chamou de polo do trabalho codificado e polo do trabalho não-codificado, respectivamente.

No que diz respeito aos aspectos codificados, a docência para Tardif (2005) é um trabalho reconhecido socialmente e executado dentro de um quadro organizacional apoiado em rotinas, tradições e inúmeros aspectos formais com mandato prescrito por autoridades que os levam a uma rede de obrigações e exigências coletivas. O autor sinaliza que isso confere

uma fisionomia particular ao trabalho do professor, pois está sempre submetido a um conjunto de regras.

Quanto ao aspecto não-codificado, Tardif (2005) discorre sobre os elementos “informais”, incertos e imprevistos chamados de aspectos “variáveis” e que permitem manobras ao professor para interpretar e executar sua tarefa. A esta margem de manobra o autor anuncia como um efeito perverso, devido à falta de codificação ou formalismo e que parece fazer parte do trabalho do professor, pois de certa forma, ensinar torna-se fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelas regras. Devido a isso, Tardif (2005) conclui que o professor age em um ambiente complexo, impossível de ser controlado em sua totalidade devido aos diferentes níveis de realidade que surgem nessa atividade com o aluno, e que se confrontam muitas vezes com a irredutibilidade dos mesmos em relação às regras e rotinas coletivas.

Na atualidade uma das tendências da pesquisa sobre docência, na interpretação de Tardif (2005), consiste em privilegiar os aspectos maleáveis e fluidos do ofício e o trabalho docente começa a ser analisado como um trabalho contextualizado e marcado por contingências situacionais em que essa “arte” é aprendida no tato, e o “saber ensinar” aparece como um recurso da vivência, da experiência pessoal. A afetividade para o autor assume lugar de destaque, pois é a partir dela que o “eu-profissional” do professor se constrói e se atualiza.

Para Tardif (2005) diferentes ideias descrevem aspectos importantes do trabalho docente, mas serão incompletas caso se detenha somente uma delas. Para o autor, as análises devem evitar categorias e pressupostos de outros contextos ou reduções a fenômenos globais para explicar práticas. O trabalho com pessoas leva, antes de tudo, a relação entre pessoas, caracterizadas por Goffman (1973, apud TARDIF, 2005) por: negociação, controle, persuasão, sedução, promessa, entre outros, e evoca atividades como instruir, supervisionar, servir, ajudar, entreter, divertir, curar, cuidar, controlar e mais. Portanto, levanta também questões de poder e de conflito de valores em que o objeto do trabalho e a relação do trabalhador com ele podem se tornar nevrálgicos para a compreensão da atividade profissional. Para o autor:

[...] trabalhar com seres humanos, portanto, não é um fenômeno insignificante ou periférico na análise da atividade docente. Trata-se, pelo contrário, do âmago das relações interativas entre trabalhadores e os “trabalhados” que irradia sobre todas as outras funções e dimensões do métier (TARDIF, 2005, p. 35).

Desse modo, estudar a identidade docente é abordar fontes de significados com base na forma como eles são vistos, como se veem eles próprios e olhá-lo na relação com todos os “outros” que o constituem enquanto igualdade e diferença. Neste sentido, estudar as práticas cotidianas dos professores equivale a estudar o seu potencial de alteridade, pois eles são atuantes em seu local de trabalho, uma vez que pensam, dão sentido e significado aos seus atos, constroem conhecimentos e uma cultura própria da profissão. Enfim, é um trabalho de interação com outras pessoas em que identificar e estudar os fatores que interferem no trabalho do futuro professor pode permitir a reflexão das características próprias da profissão e a dinâmica dessa relação professor-aluno.

Para o presente estudo, pensar o trabalho docente abordando aspectos inerentes à identidade profissional e a essa relação contribui na reflexão do fazer cotidiano, nos sentidos atribuídos ao trabalho e possíveis ameaças identitárias objetivadas no aluno bagunceiro.

2 HISTORICIDADE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Sobre a importância da historicidade na compreensão das representações sociais, Marková (2006, apud VILLAS BÔAS, 2010) argumenta que estas são tanto reapropriações de conteúdos advindos de outros períodos como gerados por novos contextos. Desta forma, Villas Bôas (2010) pontua que é necessário discuti-las como fenômenos psico-históricos para a compreensão dos processos de gênese e de estabilidade de conteúdos, pois ao desconsiderar essa dinâmica corre-se o risco de considerar as representações sociais como um fenômeno anistórico.

De Lawe e Feuerhahn (2001) anunciam que se torna necessário levar em conta as variações históricas e culturais das representações da infância, pois a sociedade não vive isolada e confrontos e misturas entre culturas geram sociedades multiculturais. Desta forma, os escritos dos autores se inscrevem na perspectiva interacional, definida como dialética de fenômenos psicossociais que dão estrutura a representação social. Assim, a representação social se situa na junção do psicológico e do sociológico, pois é ao mesmo tempo, um mecanismo psíquico e social que permite a comunicação entre os indivíduos e gerações. Desta forma, a criança é compreendida por meio de sua história pessoal, membro de uma classe social em função de sua família e do meio social no qual está inserida. Para os autores, crianças e adultos encontram-se numa relação de categoria dominada e categoria dominante que imprime poder nas representações das crianças e designa o lugar do sujeito que expressa. A análise dessa representação deve ser concebida para De Lauwe e Feuerhahn relacionada à organização dos valores, pois a forma como uma sociedade fala de uma categoria social, como a percebe, como a define possibilitará compreender seu funcionamento e no processo de transmissão social, o efeito nas crianças corresponde à etapa final.