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1.3 ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO

1.3.1 A SIGNIFICAÇÃO DO ALUNO SEGUNDO PROFESSORES E FUTUROS PROFESSORES:

A representação social como expressão da construção do conhecimento teórico-prático sobre um dado objeto, segundo Madeira (2005) no texto: Representações Sociais e Educação: importância Teórico-Metodológica de uma relação, apreende as diversas construções e considera a dinâmica e suas articulações em uma totalidade mais ampla, próximas ao cotidiano das relações. Desta forma, a autora compreende que a reflexão sobre questões da prática no campo da educação pressupõe a aceitação dos interlocutores, a descoberta do seu contexto de vida, de relações e de linguagens como condição para o diálogo. Assim, a teoria das representações sociais, ao estudar questões do campo da educação, permite uma aproximação desse processo, bem como sua descrição para compreender, interpretar e explicar.

O conhecimento do professor é construído em consenso de grupos, elaborado, modificado e transformado historicamente segundo Rouquette & Guimelli (1994 apud SOUSA; VILLAS BÔAS; NOVAES, 2011), e pesquisadores da área de educação viram na teoria das representações sociais suporte para a compreensão do processo de construção e reconstrução de saberes do professor no contexto escolar. Neste sentido, Sousa, Villas Bôas e

Novaes (2011), com base nos estudos de Moscovici (1961, 1978) e de Jodelet (1989, 1998) argumentam que:

A análise das representações sociais dos professores sobre o trabalho docente tem permitido desvelar como esse grupo compreende e explica o sentido de seu trabalho, os fatores que os conduzem a um bom desempenho, os vínculos que mantém com a profissão, como definem sua identidade social e quais as expectativas que tem em relação ao seu futuro profissional. [...] Enquanto instrumento teórico e metodológico, a teoria das representações sociais tem possibilitado o estudo psicossocial da educação permitindo o entendimento dos processos de construção da subjetividade do professor e, sobretudo, das condições de transformação do ensino (SOUSA; VILLAS BÔAS; NOVAES, 2011, p. 628-629).

A teoria proposta por Moscovici abriu possibilidades de compreensão sobre a significação do trabalho docente de modo dinâmico e a área da educação entendeu sua importância. Desta forma, estudos e pesquisas como os do Centro de Internacional de Estudos em representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-ed), eventos de atualização e aperfeiçoamento como o da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED –, entre outros, fortalecem a pesquisa na área da educação e vem ocupando importante lugar no cenário nacional e internacional em virtude da relevante produção científica de seus membros em defesa dos objetivos da educação no Brasil e com a intenção de desvelar como o professor articula em seu cotidiano o seu saber e como constrói suas representações.

No intuito de compreender como se dá as expectativas dos professores em relação aos alunos no Brasil, Barreto (1981) anuncia em seu estudo intitulado Bons e maus alunos e suas famílias, vistos pelas professoras do 1° grau, que elas estão condicionadas, tanto pela condição de classe e de sexo dos professores, quanto por essas mesmas condições dos alunos, pois dessa interação resultam atitudes diversas. Seu estudo culminou em diferentes constatações a respeito das características individuais do bom e do mau aluno. Em síntese, a autora afirma que a presença masculina é mais marcada do ponto de vista da percepção dos professores, uma vez que estes são grupos majoritários, e que a socialização de meninos e meninas se processa de modo diverso, o que demonstra uma tendência a levar as crianças a aceitarem uma diferenciação de papéis sociais. Características físicas, boa aparência, condições de saúde e participação efetiva em sala de aula, foram apontadas por servirem, provavelmente, para orientar uma expectativa em relação ao desempenho, desde o primeiro contato.

O aluno ideal é descrito nos estudos da autora como aquele que participa ativamente em sala de aula e de modo disciplinado, dentro de regras de comportamento que tornam mais

fácil o trabalho do professor. Entretanto, esse aluno ideal ganha mais força à medida que características pessoais como: alegria, expansividade e facilidade de comunicação estão associadas, ou seja, quando ele é acima de tudo uma criança simpática.

O mau aluno em contrapartida possui os atributos que dificultam o trabalho do professor em classe e a dificuldade mais apontada para o manejo em sala de aula foi a indisciplina. Um aluno indisciplinado é visto como desobediente, que não sabe acatar as regras, faz o que quer, é irrequieto e quer chamar a atenção, desta forma atrapalha o andamento da aula. Mas também é, e principalmente, agressivo e afronta a autoridade dos professores em sala de aula.

Sobre o comportamento indisciplinado dos alunos, Belém (2008) evidencia em seus estudos em Representações sociais sobre a indisciplina no ensino médio, apenas aspectos negativos relacionados ao próprio aluno, a família, a idade e ao descompromisso do professor. O autor anuncia que o campo comum da representação social do grupo estudado retrata a indisciplina como um comportamento desnecessário, uma falta de submissão, causada principalmente por uma falta de educação e entendida como a não observância às regras visualizada por meio: da bagunça, conversa, desatenção e especialmente pela falta de respeito.

Ser bom ou mau aluno para os professores, na análise de Barreto (1981), está associado à organização familiar de onde provem os alunos e que, por sua vez, refletem as condições econômicas sociais e culturais em que vive a criança. A família, do ponto de vista dos professores, deve prover as necessidades básicas da criança e de lhe dar apoio afetivo. Sendo este considerado básico no aluno ideal e entendido como fruto de uma relação familiar equilibrada, em que os pais convivem em harmonia. Ainda que, na prática, os professores reconheçam que esses padrões não são verificados, ainda assim, acabam condenando, como determinante, os padrões de relacionamento familiar, pois consideram o apoio afetivo ausente e fortemente associado às condições sociais, quando se trata do mau aluno. A autora sinaliza que é preciso relativizar esses argumentos uma vez que estes apelam para a desestruturação das famílias de baixa renda e provavelmente estão carregados de uma visão deturpada do modelo de vida dessas famílias.

Descrições centradas basicamente no plano afetivo são apontadas como de repercussão direta no comportamento das crianças. Entretanto, para Barreto (1981) isso é feito de maneira vaga, sem maiores detalhes na medida em que os requisitos socioculturais da família considerados importantes para o bom aluno, também são caracterizados da mesma forma. Para a autora, os requisitos socioculturais comportam duas dimensões: uma genética, que diz respeito ao ambiente cultural e a outra quanto à escolarização propriamente dita. Quanto ao

ambiente, este supõe a existência de abundância ou escassez de oportunidades e experiências para o aprendizado escolar, em que a ambiência é lembrada como um conjunto de condições de vida associadas à origem socioeconômica do aluno e como responsável pela sua maneira peculiar de comportar-se. Quanto à escolarização, o bom aluno tende a ser aquele cujos pais são detentores de uma “certa cultura” e que lhes permita acompanhar o processo de aprendizagem na escola, ou seja, que sirva de apoio ao trabalho dos professores, favorecendo desta forma o aparecimento de comportamentos desejáveis.

A representação de aluno encontrada nos estudos de Luciano (2006), em sua maioria, destaca a meritocracia e atributos físicos, pessoais e familiares como causa principal do sucesso escolar. O aluno de hoje foi descrito com características semelhantes às de um aluno com dificuldade de aprendizagem, em que uma série de adjetivos negativos pareceu à autora uma denúncia de despreparo dos professores para lidar com esse aluno, tendo em vista que suas estratégias são percebidas como ineficazes considerando a imposição do sistema educacional vigente. A predominância da representação para determinado grupo de professoras é de um aluno-problema, difícil, sem apoio familiar, perdido, sem objetivos, indisciplinado, violento, desrespeitoso e vítima do sistema. Diante deste entendimento, a solução apontada parece estar fora das possibilidades práticas dos professores, uma vez que o encaminhamento para profissionais especializados como psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, médicos, etc. torna-se uma prática recorrente com a finalidade de orientar os pais e atender o aluno problema.

Nos estudos de Luciano e Andrade (2005) sobre representações de professores do ensino fundamental sobre o aluno, os autores fizeram um levantamento das representações sociais de professores quanto ao “bom aluno” e “mau aluno” e anunciaram resultados de estudos como os de Castorina e Kaplan (1997), Penin (1989), Mollo (1986), Bardelli (1986) sobre uma tendência dos professores não se reconhecerem no sucesso tampouco no fracasso de seus alunos. Segundo estudos dos autores, ser “bom aluno” está relacionado a atributos pessoais tais como: “limpinho”, “esforçado”, “inteligente”, “estudioso”, “atencioso”, “quietinho”, “que cumpre os seus deveres”, “tem bons relacionamentos”, “interessado”, “bem comportado” e também aquele que tem bom suporte familiar. Ser “mau aluno”, os atributos são os apostos ao “bom aluno”, tais como: “indisciplinado”, “insuportável”, “desatento”, “preguiçoso”, “briguento”, “rebelde”, “desinteressado”, “inquieto” e que não tem suporte familiar. Em suma, o estudo evidenciou que a trama da relação professor-aluno não está imbricada no desempenho dos alunos.

O estudo de Almeida e Dessandre (2008) sobre concepções de professoras sobre criança ideal/fácil/difícil analisa práticas de professoras, bem como as crenças e valores delas sobre a educação infantil e desenvolvimento infantil. A situação apresentada é a de que crianças “problemas” são consideradas difíceis e o encaminhamento delas ao psicólogo pressupõe que há algo de “errado” com elas. As crianças foram descritas naquilo que lhes falta para se tornarem fáceis ou ideais, pois sua agitação atrapalha e perturba a professora. A criança fácil foi apresentada, na fala das professoras, sob o aspecto cognitivo, de negociação das regras e que possuem um bom relacionamento com colegas e com a professora. Por fim, a criança ideal foi descrita como alegre, dócil, calma, tranquila. Características também da criança fácil. Na análise das autoras, torna-se um problema almejar um cotidiano da educação infantil pautado em idealizações e o mesmo se aplica para a realidade das outras modalidades de ensino. O estudo apresentado não está referenciado na Teoria das Representações Sociais, mas contribui no que diz respeito a crenças e valores de professores sobre suas práticas educacionais.

Ao analisar conteúdos da representação social de “bom aluno” construída por professores, Lima (2010) constatou que existe um emaranhado de elementos que concorrem para a construção simbólica do “bom aluno”, e conclui que os discursos foram repletos de contradições evidenciando a hipótese de uma “zona muda”3 nessas representações e recomenda estudos mais aprofundados sobre esses fenômenos representacionais multifacetados.

Nos estudos de Teibel (2010) sobre o brincar e o bagunçar, com a mesma população – acadêmicos do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso – foi ressaltado nos discursos de futuros professores uma tendência a relacionar o brincar e o bagunçar, no contexto escolar, com a aquisição de aprendizagens. Neste ambiente, segundo a autora, existe uma divisão que separa o discurso dessa relação, pois ora está voltado para a ação lúdica, ora especificamente voltado para o papel profissional frente ao comportamento nomeado de bagunça. De modo geral, foi identificado por Teibel que o brincar se caracteriza por ações organizadas, dirigidas pelos professores e com função educativa, sendo que para a representação do bagunçar, esta apareceu como uma ação desorganizada ou que gera desordem e foge do controle do professor, pois extrapola limites, desvia a atenção do objetivo de aprender, impede o desenvolvimento do papel profissional e causa mal-estar. Entretanto,

3

Zona Muda: É uma produção não revelada facilmente nos discursos diários, pois é constituída de elementos contranormativos que, segundo Abric (2005), resulta de pressões normativas que visam conformar um discurso política e socialmente corretos e mantê-las em adequação com seu grupo de pertença.

também foi descrita como atividade que pode gerar conhecimento, porém, a autora sinaliza que a aceitação da bagunça como produtora de conhecimento dependerá da avaliação da ação pelo professor, percebida como favorecedora ou não do seu papel de ensinar. Neste sentido, Teibel (2010) considera que a representação do professor sobre o bagunçar pode estar relacionada com a necessidade de defesa da identidade profissional. Assim, o modo como cada um negociará os significados acerca do brincar e do bagunçar parece depender do modo como o profissional compreende seu ofício.

Do ponto de vista sócio-histórico, Aquino (1996) aborda a questão da indisciplina como o resultado da emergência de um novo sujeito histórico que carrega o manto de autoridades na luta pela democratização da sociedade brasileira. Para o autor, o processo de democratização da escola no Brasil ocorreu juntamente com a deteriorização das condições de ensino, e com ela foram sofisticadas também as estratégias de exclusão, que não eliminaram características elitistas e militaristas das escolas do passado. Desta forma, compreender a indisciplina passa pelo viés de que o novo sujeito que frequenta a escola se depara com velhas formas institucionais cristalizadas, e então o comportamento indisciplinado torna-se uma força legítima de resistência e de produção de novos significados e funções que ainda não são percebidos pela instituição escolar.

Em tempos contemporâneos, essas velhas formas institucionais cristalizadas tem se transformado em impasses vividos no cotidiano escolar brasileiro e vem tomando dimensões que estão emergindo na concepção de “aluno-problema” como atribuição das causas para tal, uma vez que a indisciplina destes alunos tem sido a temática constante no meio escolar. Esta é apontada por Veenman (1984apud ESTEVES, 1999) como o problema prioritário percebido pelos professores na atualidade.

Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011) ao discorrerem sobre a importância da compreensão das representações sociais de professores sobre o seu trabalho afirma que desvelar esse processo possibilita compreender e explicar o sentido da profissão, e que acessar esse processo renova esperanças de educar o futuro professor, pois considera seus conhecimentos e as imagens que trazem consigo.

Dados do estudo de Pardal et al (2006) do grupo de pesquisadores do CIERS - ed (Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - educação) sobre Identidade e trabalho docente: representações sociais de futuros professores, permitiram identificar que as palavras aprendiz, estudante, pessoa e criança foram as mais evocadas pelos futuros professores como representação de “aluno”. A análise dos dados mostrou que é reforçada a importância do espaço de sala de aula como palco da autonomia

individual do professor, pois as palavras que os futuros professores associaram a aluno esclarecem sua representação do trabalho do professor, pois consideram o aluno, acima de tudo, como aprendiz, estudante e, em segundo plano, a dimensão relacional. Sendo assim, os traços estáveis da identidade do futuro professor, segundo os autores, parecem estar centralizados no trabalho em sala de aula.

Desse modo, os estudos sobre o aluno em representações sociais de alunos permitem desvelar rede de significados e auxiliam na compreensão de idealizações desse aluno, das contradições nos discursos dessa representação, das tensões existentes nesse contexto, dos encaminhamentos para profissionais especializados, bem como de questões identitárias presentes nessa interação e que interferem na forma como é construído o conhecimento sobre o outro, o aluno bagunceiro.

1.4 O aluno como o outro do professor: a construção identitária do professor nos