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A construção de uma abordagem a partir de três momentos: idealização,

concepção e implantação

A parir da discussão e aprofundamento das questões até aqui explicitadas, tornou-se possível pensar a abordagem do objeto de análise, as Escolas Práicas de Agricultura, a parir de duas questões centrais. Por um lado, sem ignorar os aspectos de coninuidade de linguagens, de propostas de inovação e de relexões no campo da arquitetura; era necessário considerar as peculiaridades que sua linguagem formal e concepções espaciais assumiram enquanto projetos estatais no contexto estado-novista. Por outro lado, e de forma complementar, era igualmente necessário analisar o objeto inserido nesse contexto ditatorial, a parir da compreensão desse cenário como um espaço de contradições inerentes, de processos de negociação e ariculação, e, sobretudo, de acomodação - mais do que eliminação - de pluralidades para a construção de uma unidade. Tratava-se, portanto, de analisar as Escolas Práicas de Agricultura procurando entender as intricadas relações entre a arquitetura e as estruturas de poder, não como hegemonias e processos de manipulação, mas como circuitos de negociação, inluência e disputa. Tais relações, conforme já mencionado sugeriam a possibilidade de análise em escalas diversas que, inter-relacionadas, variavam da inserção das escolas nas prerrogaivas estado-novistas de formação do trabalhador aos projetos políicos pessoais; dos signiicados que linguagens formais assumiriam enquanto representaivas de uma idenidade nacional às disputas pela construção e legiimação do campo proissional da arquitetura; da capacidade dos espaços de propiciarem uma nova organização do trabalho à sua apidão de agirem também sobre os indivíduos de forma a incuir preceitos morais e cívicos.

Dessa forma, optou-se por propor a divisão da estrutura da presente dissertação a parir dos três momentos consecuivos, embora com sobreposições, que inham orientado a análise através da qual se pôde, ao longo da pesquisa, perceber tais variações de escala na conexão entre arquitetura e estruturas de poder: a idealização, concepção do projeto e implantação das Escolas Práicas de Agricultura. A presente dissertação encontra-se assim composta por três capítulos que seguem tal divisão, além dessa introdução e das breves considerações inais. Cabe destacar desde logo que, embora tratando-se de processos consecuivos, essa divisão que conforma os três capítulos, não pretende colocar-se como uma análise linear do objeto, quer seja do ponto de vista temporal, quer seja do ponto de vista do aprofundamento progressivo da análise. Tal divisão procura apresentar três entradas possíveis - não excludentes de outras possibilidades - vislumbradas como possibilidades para a análise de aspectos diversos das relações entre arquitetura, Estado e idenidade nacional no âmbito do Estado Novo.

O primeiro capítulo, mais relacionado à idealização das Escolas Práicas de Agricultura, concentra-se em suas relações mais diretas com o campo especíico dos embates políicos do período. Procura assim inserir o projeto dessas escolas como objeto de seu tempo, localizando-o no âmbito dos planos e propostas bem como estratégias de coerção e convencimento empreendidas pelo Estado Novo, principalmente no que diz respeito aos rearranjos políicos do período e aos projetos de formação de um novo trabalhador. Destaca também alguns traços pariculares da concepção das escolas que permitem entendê-las, por outro lado, como iniciaiva idealizada, defendida e implantada pela igura pouco estudada de Fernando Costa, interventor de São Paulo no período estado-novista. Recuperar em parte a trajetória dessa igura em um momento onde o cenário políico nacional e paricularmente paulista passa por intensas mudanças, permite ideniicar as Escolas Práicas de Agricultura, e seus projetos arquitetônicos, como mecanismos para a ariculação e geração de capital políico. Cabe assinalar que as questões mais diretamente relacionadas à dimensão arquitetônica da concepção das escolas certamente não se ausentam dessa discussão, quer seja porque consituem, desde o princípio, a idealização de um espaço pedagógico em seus múliplos aspectos, quer seja por que a arquitetura inserida em um contexto das políicas de massa certamente opera como meio icônico na formação de símbolos idenitários.

O segundo capítulo foca-se no momento de elaboração projetual das Escolas Práicas de Agricultura procurando ideniicar, por um lado, arquitetos e engenheiros como agentes mediadores da políica de massa, ao darem concretude projetual e espacial a idealizações ligadas a projetos políicos mais amplos; e, por outro, o cenário de embates pela conformação e criação de estratégias e espaços de legiimação do campo proissional da arquitetura. Nesse cenário, procura-se apontar aspectos como o domínio do ensino, o poder de construção de sua própria história, e, paricularmente, a construção de obras emblemáicas e a consolidação de uma linguagem plásica, como campos de disputa na consolidação de um campo proissional autônomo e erudito na arquitetura 67. Destacam-

se igualmente as ariculações com o Estado e as classes dirigentes como estratégia proícua ideniicável no período não apenas para a arquitetura, mas para outros campos da produção intelectual. Tendo em vista as frequentes oscilações e paricularidades dos personagens, bem como a ausência de deinição de grupos coesos que são construídos posteriormente pela historiograia, essa abordagem não pretende apresentar uma visão totalitária ou explicaiva do cenário, mas, sobretudo ideniicar a importância das linguagens formais em geral, e paricularmente da arquitetura neocolonial, nesses processos. Pretende-se ainda levantar, a parir dos projetos das escolas alguns dados, ainda bastante lacunares, sobre o pouco estudado cenário de produção arquitetônica nos órgãos públicos paulistas nesse período.

O terceiro capítulo mergulha na concretude dos espaços criados pelos projetos das Escolas Práicas de Agricultura, procurando descrevê-los 68 e ideniicar a parir de sua análise

67 Essa perspeci va de análise ui liza como referência, sobretudo, as rel exões desenvolvidas por Pierre Bourdieu acerca Essa perspeciva de análise uiliza como referência, sobretudo, as relexões desenvolvidas por Pierre Bourdieu acerca dos processos de conformação de campos autônomos no universo das artes e da cultura em geral, bem como as disputas e violências simbólicas envolvidas nesses processos, principalmente no senido da deinição de vertentes eruditas que permi- iriam a auto-regulação. Cf. Bourdieu (2007a, 2007b), mas também MICELI (2001), HEILBRON (1995) e RINGER (2000). 68 Baxandall argumenta nesse seni do - em relação ao campo da arte - que a descrição e a explicação de um objeto Baxandall argumenta nesse senido - em relação ao campo da arte - que a descrição e a explicação de um objeto de estudo estão inimamente conectadas e se interpenetram; e destaca que quando explicamos uma obra o que de fato

formal uma breve genealogia 69 de usos e senidos. Essa perspeciva de análise procura

apontar alguns dos signiicados que essa arquitetura assume como capital simbólico, especialmente no que diz respeito à criação de espaços de disciplina e controle que preparam o homem para o trabalho e de sua formação cívica a parir da uilização de uma linguagem plásica dita nacional.

Finalmente nas considerações inais procura-se, brevemente, sinteizar algumas das questões que se acredita relevantes da pesquisa e análise desenvolvida, com vista a construção de novos problemas e abordagens.

explicamos não é tanto o objeto em si, “quanto uma representação que temos dele mediada por uma descrição parcial- mente interpretaiva” (2006, p.43). O autor aponta também - sem, no entanto, abandonar a perspeciva do que denomina como o conjunto das possibilidades culturalmente determinadas - que “lidamos com um objeto que foi produzido de modo intencional, e não como o subproduto documental de uma aividade. Tendemos, portanto, para uma forma de explica- ção que busca compreender o produto inal de um comportamento mediante a reconstrução ou intenção nele conido” (BAXANDALL, 2006, p.47).

69 Genealogia encontra-se aqui abordada no seni do conferido por Foucault de “[…] aprender seu retorno não para Genealogia encontra-se aqui abordada no senido conferido por Foucault de “[…] aprender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde eles desempenharam papéis disin- tos; e até deinir o ponto de sua lacuna, o momento em que eles não aconteceram.” (2004a, p.15). Cabe ainda destacar que, relacionando genealogia à ideia de proveniência, o autor airma que “não se trata de modo algum de reencontrar em um indivíduo, em uma ideia, ou um senimento as caracterísicas gerais que permitem assimilá-los a outros […]; mas de descobrir todas as marcas suis, singulares, sub-individuais que podem se entrecruzar nele e formar uma rede diícil de desembaraçar” (FOUCAULT, 2004a, p.15).