• Nenhum resultado encontrado

4.5 A QPC e s.ua Natureza Prioritária

4.5.2 A Contenciosidade do Processo de Filtragem

Vencidos os debates em relação às formalidades exigidas quando da propositura de uma QPC, vale ainda destacar algumas peculiaridades do instituto e de uma maneira mais simplificada é possível afirmar que ela seja uma peça autônoma, “um processo dentro de outro processo” 171. Inicialmente a QPC passa a ideia de estar inserida em um mesmo processo, pois se origina de um litígio, mas que após ser apresentada ao Conselho de Estado ou à Corte de Cassação para eventualmente ascender ao Conselho Constitucional, assume um caráter autônomo.

A QPC analisada e julgada pelo Conselho Constitucional retorna ao magistrado a quo e é reconduzida ao processo principal. Todavia, é extremamente importante o particular estar ciente de que a QPC para ser julgada procedente pelo Conselho Constitucional, necessita ter um requerimento distinto do pedido principal, sob pena de não ser aceito, ainda que devidamente motivada. Será necessário apontar quais direitos e liberdades constitucionais estão sendo violadas, bem como evidenciar o dispositivo lesivo a ser combatido.

Salvo os tribunais onde o particular pode fazer uso do jus postulandi, nos tribunais onde a atuação do advogado é necessária, o particular deverá constituir um profissional da advocacia para que apresente a QPC172.

A QPC como instrumento inovador, atua em socorro daqueles que têm seus direitos e garantias constitucionais lesados, sendo assim, ela não está presa aos atos processuais praticados, o que permite que o particular faça seu uso qualquer fase do processo, desde o tribunal de primeira instância até em sede de apelação.

A QPC é um verdadeiro paradoxo quanto a sua própria natureza, pois apesar de gozar de autonomia, posto que seja apresentada como uma peça autônoma, ao mesmo tempo figura como acessório do processo principal. Isso traz algumas consequências, como no caso de incompetência do magistrado de primeiro grau, caso isso ocorra o magistrado incompetente estará impedido de analisar o processo principal e também de analisar a admissibilidade da QPC. Da mesma

171 ROUSSEAU, Dominique. BONNET, Julien. L’essenciel de la QPC. Mode d’emploi de la Question Prioritaire de Constitutionnalité. 2ª ed. Paris: Gualino, 2012, p. 71.

172 GUILLENCHMIDT, Jacqueline. Rapport pour le Seminaire Sur “L'exception D'inconstitutionnalite”

De La Commission Europeenne Pour La Democratie Par Le Droit. Strasbourg, 2012, p. 03.

forma, uma QPC não pode ser usada como recurso para questionar uma decisão proferida em sentença e que contenha um erro material173.

No caso de uma QPC apresentada, que encontrar-se em processo de filtragem no Conselho de Estado ou na Corte de Cassação e sua ação principal acaba sendo extinta, ela terá o mesmo destino pela perda do objeto. Contudo, se nesta situação já estiver ascendido e estiver sendo analisada pelo Conselho Constitucional, deverá manter-se a salvo, pois preencheu todos os requisitos de admissibilidade, além de possuir um objeto específico, qual seja, extirpar do ordenamento jurídico uma disposição inconstitucional174/175.

O particular deve atentar-se quando da propositura de uma QPC, pois os tribunais não estão obrigados a encaminhar o questionamento se a Corte de Cassação, o Conselho de Estado ou mesmo o Conselho Constitucinal, tiverem recebido questionamento semelhante. Caso isso ocorra o processo principal terá sua decisão adiada até o recebimento da resposta dada pelo Conselho Consitucional à questão que questiona a constitucionalidade de uma disposição176. Sendo assim, há que se avaliar o custo benefício dessa propositura, se uma QPC realmente é necessária para o deslinde buscado.

Porém, essa suspensão não é exclusiva do caso supracitado, na verdade a lei que regulamentou a QPC estabeleceu o “Princípio da Suspensão de Instância”, o que faz com que todo questionamento por meio deste instituto, consequentemente, culmine na suspensão do processo principal até que a constitucionalidade da norma atacada seja apreciada pelo Conselho Constitucional e o tribunal original receba tal resposta.

Esta regra, no entanto, possui exceções onde a própria lei estabelece a possibilidade da relativização do princípio citado, a saber, os casos onde fique demonstrado a urgência, o que fará com que o processo não seja suspenso. Ou ainda, situações onde o particular se encontre privado de seu direito ambulatorial.

173 Disponível em:

https://www.legifrance.gouv.fr/affichJuriAdmin.do?idTexte=CETATEXT000022900797

174 ROUSSEAU, Dominique. BONNET, Julien. L’essenciel de la QPC. Mode d’emploi de la Question Prioritaire de Constitutionnalité. 2ª ed. Paris: Gualino, 2012, p. 73.

175 LEAL, Saul Tourinho. Controle de Constitucionalidade Moderno. 2ª ed., Niterói: Impetus, 2012, p.

343

176 ROUSSEAU, Dominique. BONNET, Julien. L’essenciel de la QPC. Mode d’emploi de la Question Prioritaire de Constitutionnalité. 2ª ed. Paris: Gualino, 2012, p. 73.

Existe um debate entre os doutrinadores franceses sobre a possibilidade de conhecimento de ofício do mérito constitucional, no tocante ao questionamento de uma lei. Aqueles que defendem essa possibilidade se apoiam na lógica jurídica, afirmando que não seria razoável ter conhecimento do caráter violador de uma lei e permitir que esta permanecesse no ordenamento. Rousseau e Bonnet se mostram contrários a essa possibilidade e, em sua defesa afirmam que para combater essa possibilidade foi instituída a QPC, visando um caráter mais legalista, não deixando o controle constitucional a mercê de caprichos pessoais177.

Uma QPC pode levar em média seis meses para ser analisada. A Corte de Cassação ou o Conselho de Estado ao recebê-la, possuem três meses para analisar todos os requisitos de admissibilidade e remeter a questão ao Conselho Constitucional. Este por sua vez possui igual período para analisar a questão e proceder ao controle de constitucionalidade.

É possível verificar que uma das preocupações do legislador ao criar o instituto da QPC é evitar que o particular use o instrumento buscando obter simples efeito dilatório. Assim, as várias etapas da filtragem buscam evitar essa prática e não sobrecarregar o Conselho Constitucional178.

O legislador francês se preocupou em afastar o temor que acompanha o povo francês desde o período revolucionário, o chamado gouvernement des juges, assim procurou distribuir a análise da QPC nas mais variadas instâncias, impedindo que apenas um magistrado tivesse o poder de retirar do ordenamento jurídico francês uma norma que em tese, “expressava a vontade popular”. Também foi uma forma encontrada pelo legislador de manter a tradicional supremacia da lei, ausente no direito francês.