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A contrapositiva de uma sentenc¸a

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 151-157)

Mais t´ecnicas de demonstrac¸˜ao

12.1 A contrapositiva de uma sentenc¸a

Vamos olhar com mais cuidado na demonstrac¸˜ao do Lema que provamos na Sec¸˜ao 11.1. Se prestar atenc¸˜ao, naquela demonstrac¸˜ao provamos que “Se n ´e ´ımpar, ent˜ao n2 ´e ´ımpar” e, com argumentos

da t´ecnica da demonstrac¸˜ao por reduc¸˜ao a um absurdo, utilizamos esse resultado para provar o que quer´ıamos: “Se n2 ´e par, ent˜ao n ´e par”.

Portanto, na verdade, inserido naquela demonstrac¸˜ao, o que fizemos foi provar a seguinte implicac¸˜ao entre duas sentenc¸as implicativas:

(*) (n ´e ´ımpar ⇒ n2 ´e ´ımpar) ⇒ (n2 ´e par ⇒ n ´e par).

Se chamarmos as proposic¸˜oes

P : n2 ´e par e Q: n ´e par,

as negac¸˜oes dessas sentenc¸as s˜ao, respectivamente,

˜P : n2 ´e ´ımpar e ˜Q: n ´e ´ımpar.

Dessa forma, a implicac¸˜ao (*) torna-se

(∗∗)(˜Q ⇒ ˜P ) ⇒ (P ⇒ Q).

´E simples provar que, tanto a implicac¸˜ao (**), como sua rec´ıproca, tamb´em s˜ao v´alidas, e que esse fato ´e verdadeiro em geral, para quaisquer sentenc¸as P e Q (Exerc´ıcio 7). Ou seja, vale o

PRINC´IPIO DA CONTRAPOSITIVIDADE: (P ⇒ Q) ⇔ (˜Q ⇒ ˜P ).

A sentenc¸a ˜Q ⇒ ˜P ´e chamada contrapositiva1da sentenc¸a P ⇒ Q. Pelo Princ´ıpio da Contrapo-

sitividade, como uma sentenc¸a implicativa ´e equivalente `a sua contrapositiva, a implicac¸˜ao P ⇒ Q ser´a verdadeira se, e somente se, sua contrapositiva ˜Q ⇒ ˜P for verdadeira .

Semelhantemente, definimos “Se ˜T , ent˜ao ˜H” como a contrapositiva da sentenc¸a condicional “Se H, ent˜ao T ”, e seque-se a equivalˆencia

(Se H ent˜ao T )⇔( Se ˜T , ent˜ao ˜H).

Conv´em observar que, `as vezes, ´e mais f´acil provar que a contrapositiva de uma sentenc¸a ´e ver- dadeira, do que provar que a pr´opria sentenc¸a ´e verdadeira (vamos dar um exemplo desses a seguir). Ao demonstrar uma sentenc¸a provando sua contrapositiva, estamos utilizando o que chamaremos m´etodo de demonstrac¸˜ao usando a contrapositiva. Este ´e um outro m´etodo de demonstrac¸˜ao indireta, j´a que provar P ⇒ Q, reduz-se a provar a implicac¸˜ao ˜Q ⇒ ˜P .

EXEMPLO 1: Um caso no qual provar a contrapositiva ´e mais conveniente do que provar a pr´opria sentenc¸a

Provemos o seguinte resultado sobre n´umeros reais, bastante usado na An´alise Real: “Se a ≥ 0 e a < ε, ∀ε > 0, ent˜ao a = 0.”

Ora, a contrapositiva dessa proposic¸˜ao ´e

“Se a 6= 0, ent˜ao a < 0 ou existe um n´umero ε0 tal que a ≥ ε0

e prov´a-la ´e muito simples:

De fato, como a 6= 0, temos a < 0 ou a > 0. Caso a < 0, chegamos `a tese, e portanto, a demonstrac¸˜ao est´a encerrada. Caso a > 0, basta considerar ε0 =

a

2, que temos a ≥ ε0, como quer´ıamos demonstrar.

Pertinentemente, algu´em poderia perguntar: “Por que em vez de apresentar a sentenc¸a, n˜ao se apre- senta sua contrapositiva, j´a que ´e ela que vai ser demonstrada?” Nesse caso, a apresentac¸˜ao da sentenc¸a da maneira em que est´a formulada ´e mais ´util e, muitas vezes, tem uma forma mais “agrad´avel” de ser apresentada do que a da sua contrapositiva.

OBSERVAC¸ ˜AO: Note que o m´etodo de demonstrac¸˜ao de uma sentenc¸a implicativa H ⇒ T , usando a contrapositiva, ´e um m´etodo de reduc¸˜ao a um absurdo, onde o absurdo que se chega ´e H ∧ ˜H.

Com o m´etodo de demonstrac¸˜ao utilizando a contrapositiva, encerra-se o estudo das t´ecnicas de demonstrac¸˜ao.

A seguir apresentaremos um quadro resumo muito importante.

12.1. A contrapositiva de uma sentenc¸a

RESUMO DOS M ´ETODOS DE DEMONSTRAC¸ ˜AO

Pelo que vimos nos cap´ıtulos anteriores, h´a trˆes maneiras de provar uma sentenc¸a condicional da forma

“Se H, ent˜ao T ,

onde H representa a hip´otese e T a tese: 1. Demonstrac¸˜ao direta:

Considera-se H verdadeira e, por meio de um processo l´ogico-dedutivo, se deduz que T vale; 2. Demonstrac¸˜ao indireta por contradic¸˜ao ou por (reduc¸˜ao a um) absurdo:

Considera-se H verdadeira e, por meio de um processo l´ogico-dedutivo, supondo-se T falsa, se deduz alguma contradic¸˜ao;

3. Demonstrac¸˜ao da Contrapositiva de H ⇒ T (uma maneira indireta, tamb´em por reduc¸˜ao a

um absurdo, de se provar uma implicac¸˜ao):

Considera-se T falsa e, por meio de um processo l´ogico-dedutivo, se deduz que H ´e falsa .

´E poss´ıvel demonstrar um mesmo resultado utilizando-se cada uma dessas t´ecnicas de demonstrac¸˜ao. Recomenda-se que as demonstrac¸˜oes indiretas s´o sejam usadas como ´ultimo recurso.

Como ilustrac¸˜ao, vamos provar o seguinte resultado, bastante simples, usando cada um desses trˆes m´etodos:

Se 2x2+ x − 1 = 0, ent˜ao x < 1.

Demonstrac¸˜ao 1 (Demonstrac¸˜ao direta):

Usando a f´ormula de resoluc¸˜ao de uma equac¸˜ao do segundo grau, encontra-se diretamente que x1 = −1 e x2 =

1

2 s˜ao as duas ra´ızes dessa equac¸˜ao. Portanto, ambas s˜ao menores do que 1. C.Q.D. Demonstrac¸˜ao 2 (Demonstrac¸˜ao indireta usando contradic¸˜ao, onde a contradic¸˜ao n˜ao ´e a ne- gac¸˜ao da hip´otese):

Suponha que 2x2+ x − 1 = 0 e que x ≥ 1. Logo, se x ≥ 1, ent˜ao 1 − x ≤ 0 e 2x2 > 0. Mas dessa

forma, usando novamente a hip´otese, ter´ıamos 0 < 2x2 = 1 − x ≤ 0, o que ´e uma contradic¸˜ao. Portanto,

x < 1. C.Q.D.

Demonstrac¸˜ao 3 (Demonstrac¸˜ao da contrapositiva):

Demonstraremos que se x ≥ 1, ent˜ao 2x2+ x − 1 6= 0. De fato, se x ≥ 1, temos x − 1 ≥ 0 e 2x2 > 0.

Somando essas duas desigualdades, encontramos 2x2 + x − 1 > 0, o que significa 2x2 + x − 1 6= 0.

C.Q.D.

Os exerc´ıcios a seguir garantem material para vocˆe treinar com demonstrac¸˜oes utilizando a contra- positiva.

EXERC´ICIOS:

1. Escreva a contrapositiva das seguintes sentenc¸as:

(a) H1∧ . . . ∧ Hk → T .

(b) H → T1 ∨ T2∨ . . . ∨ Tr.

2. Determine as contrapositivas das seguintes sentenc¸as abaixo. Empregue os mesmos modelos de apresentac¸˜ao para escrever cada contrapositiva.

(a) Se xy = 0, ent˜ao x = 0 ou y = 0.

(b) n ∈ N; −2 > n > −4 ⇒ n = −3.

(c) A condic¸˜ao xy > 0 ´e suficiente para que x > 0 e y > 0 ou x < 0 e y < 0.

(d) Se x < y e z < 0, ent˜ao xz > yz.

(e) Uma condic¸˜ao necess´aria para que a − ε < b, ∀ε > 0, ´e que a ≤ b.

(f) Se cos θ ´e racional ent˜ao cos 3θ ´e racional.

(g) Se n ∈ N e −3 ≤ n ≤ −5, temos {−3, −4, −5}.

3. Provando a contrapositiva, demonstre cada sentenc¸a a seguir:

(a) Se a e b s˜ao n´umeros reais tais que a4+ b6 = 0, ent˜ao a = b = 0.

(b) Uma condic¸˜ao suficiente para que nkseja par (n ∈ N) ´e que n seja par.

(c) Sejam a, b e ε n´umeros reais. Tem-se: a < b + ε, ∀ε > 0 ⇒ a ≤ b.

(d) Se o n´umero de Mersenne Mn= 2n− 1 ´e primo, ent˜ao necessariamente n deve ser primo. Dica: Nos argumentos vocˆe deve usar a decomposic¸˜ao

Ar− 1 = (A − 1)(Ar−1+ Ar−2+ . . . + A + 1)

4. No exerc´ıcio a seguir, apresentaremos um teorema e seis sentenc¸as. Vocˆe deve detectar entre as sentenc¸as apresentadas, aquela que ´e a rec´ıproca, outra que ´e a negac¸˜ao, outra que ´e a contrapos- itiva do teorema, outra que ´e a negac¸˜ao da contrapositiva, como tamb´em aquela que ´e o teorema apresentado de uma forma diferente e, finalmente, aquela que nada tem a ver com o teorema. “Todo n ´umero inteiro positivo pode ser escrito como uma soma de quatro quadrados perfeitos” (O resultado anterior ´e chamado Teorema de Lagrange, cuja demonstrac¸˜ao requer noc¸˜oes da Teo- ria dos N´umeros e pode ser vista em [de Oliveira Santos, 2000] p.131.)

(a) Existe um n´umero inteiro positivo que n˜ao ´e a soma de quatro quadrados perfeitos.

(b) Um n´umero formado pela soma de quatro quadrados perfeitos ´e um n´umero inteiro positivo.

(c) Um n´umero que n˜ao ´e um inteiro positivo n˜ao pode ser escrito como a soma de quatro quadra- dos perfeitos.

(d) Seja r ∈ Z. Ent˜ao r = r12+ r22+ r32+ r42para certos

r1, r2, r3, r4 ∈ Z.

(e) Se um n´umero n˜ao pode ser escrito como a soma de quatro quadrados perfeitos ent˜ao esse n´umero n˜ao ´e um n´umero inteiro positivo.

12.2. Curiosidade: Algumas cˆomicas “demonstrac¸˜oes”

Figura 12.1: Joseph-Louis Lagrange (1736-1813)

(f) Uma condic¸˜ao necess´aria para que um n´umero de quatro quadrados seja uma soma de inteiros ´e que ele seja um n´umero inteiro.

5. No exerc´ıcio abaixo apresentaremos duas sentenc¸as que j´a apareceram no texto. Vocˆe deve escre- ver a rec´ıproca, a negac¸˜ao, a contrapositiva e a negac¸˜ao da contrapositiva de cada sentenc¸a, bem como reescrevˆe-la de uma outra maneira.

(a) “Todo n´umero par ´e a soma de dois n´umeros primos”

(b) “Se n ≥ 3, ent˜ao a equac¸˜ao xn+ yn = znn˜ao tem soluc¸˜oes inteiras x, y e z n˜ao-nulas”

6. Como j´a dissemos, o m´etodo de demonstrac¸˜ao que algu´em pode escolher para provar algum re- sultado, depende de uma poss´ıvel e permiss´ıvel escolha. Ap´os ter falado sobre os m´etodos de demonstrac¸˜ao direta e indireta, quais seriam as maneiras poss´ıveis que pode-se empregar para demonstrar uma proposic¸˜ao da forma “P ⇔ Q”?

7. Usando o M´etodo de Reduc¸˜ao a um absurdo, justifique o Princ´ıpio da Contrapositividade.

12.2 Curiosidade: Algumas cˆomicas “demonstrac¸˜oes”

Como uma rec¸˜ao cˆomica `a falta de demonstrac¸˜oes em alguns livros, h´a uma lista de certas “t´ecnicas de demonstrac¸˜ao” engrac¸as que exibiremos a seguir.

Uma pausa para relaxar que tem seu lado did´atico, mas n˜ao permita que ningu´em as utilize!! 1)Demonstrac¸˜ao por definic¸˜ao:

“Definimos que existe uma demonstrac¸˜ao para o resultado !” 2)Demonstrac¸˜ao do indeciso:

“Portanto, chegamos, assim, ao final da demonstrac¸˜ao. Ser´a? Ou n˜ao? E agora? O que fac¸o?” 3)Demonstac¸˜ao do brig˜ao intimidador mal-educado:

“Qualquer idiota pode ver que isso ´e verdadeiro! Como ´e que vocˆe n˜ao est´a vendo?!” 4)Demonstac¸˜ao do brig˜ao intimidador mal-educado e, ainda por cima, arrogante:

“O resultado vale pois assim o desejo! E pronto!!” 5)Demonstrac¸˜ao do democrata:

“Quem acha que encerramos a demonstrac¸˜ao, por favor, levante a m˜ao para votar!” 6)Demonstrac¸˜ao por falta de tempo:

“J´a que n˜ao temos mais tempo, segue que a demonstrac¸˜ao ´e v´alida, e cabe a vocˆes fazˆe-la!” 7)Demonstrac¸˜ao por obviedade:

“Como ´e ´obvio que o resultado ´e verdadeiro, ele est´a demonstrado!” 8)Demonstrac¸˜ao por conveniˆencia:

“Como seria muito bom e conveninente que isso fosse verdade, ent˜ao ´e verdade!” 9)Demonstrac¸˜ao por escolha do exemplo:

“Consideremos o n´umero x = 4 para o qual a demonstrac¸˜ao a seguir vale ...” 10)Demonstrac¸˜ao do suplicante:

“Por favor, pec¸o-lhes, acreditem que o teorema vale!!! Por favor! Por favor! Por favor!”

(Nos inspiramos no s´ıtio eletrˆonico http://www.themathlab.com/geometry/funnyproofs.htm, acessado em Marc¸o de 2006)

CAP´ITULO 13

Sofismas, o cuidado com os auto-enganos e com

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 151-157)