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T´ecnicas de demonstrac¸˜ao

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 119-122)

“N˜ao ´e apenas uma ou duas vezes, mas um sem n´umero de vezes que uma mesma id´eia aparece no mundo.” Arist´oteles (c.384-322 a.C.) in Sobre os C´eus. T. L. Heath Manual of Greek Mathematics, Oxford: Oxford University Press, 1931. “Euclides me ensinou que sem hip´oteses n˜ao h´a qualquer demonstrac¸˜ao. Portanto, em qualquer argumento, examine as hip´oteses”. Eric Temple Bell (1883-1960) In H. Eves Return to Mathematical Circles., Boston: Prindle, Weber and Schmidt, 1988. “Repetir repetir - at´e ficar diferente” Manoel de Barros na poesia ‘Uma did´atica da invenc¸˜ao’, in O Livro das Ignoranc¸as, Civilizac¸˜ao Brasileira, 1993

8.1 Introduc¸˜ao

No Cap´ıtulo 6 vimos o que ´e uma demonstrac¸˜ao e sua importˆancia na Matem´atica. Respeitando a definic¸˜ao que demos do que ´e uma demonstrac¸˜ao, adiantamos que h´a uma total liberdade de racioc´ınio e de procedimentos que algu´em pode utilizar para provar qualquer resultado matem´atico. Isso inclui, tamb´em, quando poss´ıvel, o uso de recursos computacionais.

Na verdade, em muitas demonstrac¸˜oes, s˜ao usados argumentos bastante engenhosos e elaborados, o que as tornam admir´aveis. ´E nesse ponto que reside a qualidade de uma boa demonstrac¸˜ao, a efic´acia da teoria empregada para fazˆe-la funcionar, e a habilidade de quem a elaborou.

Vamos aos poucos neste cap´ıtulo, comec¸ar a estudar os tipos mais usuais de t´ecnicas de demonstrac¸˜ao. Com esse intuito, classificamos as demonstrac¸˜oes em:

1. Demonstrac¸˜oes diretas; 2. Demonstrac¸˜oes indiretas:

2.1 Demonstrac¸˜oes por reduc¸˜ao a um absurdo; 2.2 Demonstrac¸˜oes usando a contrapositiva.

Dentre as t´ecnicas que estudaremos e que podem ser ´uteis nessas classes de demonstrac¸˜ao est˜ao as que chamaremos:

1. Demonstrac¸˜oes por verificac¸˜ao;

2. Demonstrac¸˜oes com o aux´ılio de figuras;

3. Demonstrac¸˜oes usando o Princ´ıpio de Induc¸˜ao Finita.

Vocˆe deve ter notado pelos v´arios livros que j´a estudou, e esse fato agora ressaltamos, que, em geral, quando algu´em prova algum resultado, n˜ao cita o tipo de demonstrac¸˜ao que ir´a utilizar, com excec¸˜ao, `as vezes, do M´etodo de demonstrac¸˜ao por reduc¸˜ao a um absurdo que apresentaremos na Sec¸˜ao 11.1.

Ao final deste e dos pr´oximos cap´ıtulos, esperamos que os leitores ao se depararem com alguma demonstrac¸˜ao sejam capaz de distinguir qual m´etodo est´a sendo utilizado e, o mais importante, possam manipul´a-lo com pleno dom´ınio.

“Como saber qual tipo de demonstrac¸˜ao que devo usar para provar um determinado resultado?” N˜ao h´a resposta precisa para essa pergunta. N˜ao existe uma “receita infal´ıvel” que pode sempre ser aplicada para provar qualquer resultado. Como j´a vimos, um dado que comprova ainda mais o que estamos dizendo ´e que h´a ainda muitos problemas em aberto na Matem´atica que tˆem resistido ao longo de centenas de anos `as mais diversas tentativas de demonstr´a-los (Vide Sec¸˜ao 7.3).

Um m´etodo de demonstrac¸˜ao adequado que algu´em pode usar para provar determinado resultado depende do resultado em si, da existˆencia de uma teoria eficaz para atacar o problema e, muitas vezes, de uma escolha poss´ıvel e pessoal do tipo de argumentac¸˜ao que poder´a ser usada naquela demonstrac¸˜ao. Lembremos que na Sec¸˜ao 4.1.1 dissemos existir 370 demonstrac¸˜oes diferentes para o Teorema de Pit´a- goras. Cada uma com suas particularidades, usando argumentos, muitas vezes, bastante distintos.

Em geral, mesmo n˜ao existindo regras para seguir, uma primeira atitude para iniciar uma demonstra- c¸˜ao ´e tentar usar um mesmo argumento para provar resultados semelhantes. Por vezes, quando poss´ıvel, resultados bastante distintos tamb´em podem ser provados usando-se uma mesma id´eia.

Em verdade, um bom comec¸o que ajuda muito, ´e conhecer detalhadamente as demonstrac¸˜oes de diversos resultados e, ao se deparar com algum outro resultado que deseja demonstrar, tentar empregar alguma dessas id´eias e t´ecnicas para este fim. N˜ao tenha medo de imitar uma demonstrac¸˜ao conhecida.

Al´em desses casos, ´e claro que devemos levar em conta e confiar na inventividade de cada um, que n˜ao deve possuir limites.

Por fim, terminado o trabalho de provar algum resultado, ´e necess´ario saber redigir a demonstrac¸˜ao. Este ´e o passo final. N˜ao ´e exagero dizer que expor suas id´eias e saber redigir uma demonstrac¸˜ao ´e t˜ao importante quanto invent´a-las. Dessa forma, estude as regras das Gram´aticas Normativas e as respeite, leia com muita atenc¸˜ao as demonstrac¸˜oes dos bons livros, analisando o estilo de cada escritor, treine redac¸˜ao matem´atica e se esforce para desenvolver seu estilo pessoal de escrever. O ato de escrever melhora as id´eias, fortalece as convicc¸˜oes nos argumentos, apura os pensamentos e deve se tornar uma pr´atica.

8.2 As t´ecnicas mais simples de demonstrac¸˜ao

Seguindo nosso objetivo, comecemos com uma classe de demonstrac¸˜oes chamadas demonstrac¸˜oes diretas. Se quisermos demonstrar uma proposic¸˜ao da forma H ⇒ T usando a demonstrac¸˜ao direta, sup˜oe-se que a hip´otese H ´e v´alida e, usando-se um processo l´ogico-dedutivo, se deduz diretamente a tese T .

8.2. As t´ecnicas mais simples de demonstrac¸˜ao

Relembrando um pouco, note que, quase todas as demonstrac¸˜oes que apareceram no texto at´e este ponto foram utilizando demonstrac¸˜oes diretas.

Partindo para exemplos do processo de demonstrac¸˜ao direta, vamos inicialmente introduzir `as de- monstrac¸˜oes diretas mais simples, que n˜ao requerem argumentos e nem procedimentos muito elaborados. Alertamos com isso, que n˜ao queremos dizer que esse tipo de demonstrac¸˜ao deva ser feito sem o rigor necess´ario ou com argumentos duvidosos.

Essas demonstrac¸˜oes requerem apenas uma simples verificac¸˜ao para que funcionem. Como o nome j´a traduz a id´eia, as chamaremos demonstrac¸˜ao por verificac¸˜ao.

Por exemplo, consideremos o seguinte teorema:

TEOREMA: Existem dois, e apenas dois m´ultiplos simultˆaneos de 2 e de 3 entre os n´umeros de 9 a 19, incluindo estes.

Uma maneira simples para provar esse resultado ´e escrever todos os n´umeros entre 9 e 19, e verificar quais deles satisfazem a tese; isto ´e, quais s˜ao m´ultiplos de 2 e de 3 simultaneamente, assegurando-se que nenhum outro tenha a mesma propriedade. Para este fim n˜ao ´e necess´ario usar argumento especial algum, basta um simples racioc´ınio para checar no conjunto {9, 10, . . . , 18, 19} dos elementos que satisfazem a hip´otese, quais cumprem a tese, e pronto! Primeiramente, excluem-se os n´umeros ´ımpares, e dentre os remanescentes, determina-se quais deles s˜ao tamb´em divis´ıveis por 3, restando apenas os n´umeros 12 e 18.

Conv´em observar que, nessa linha, mesmo provar um resultado de enunciado aparentemente in- ocente, como

“H´a pelo menos um n´umero primo no conjunto {224

+ 1, 225

+ 1, 226

+ 1}” j´a seria uma outra hist´oria!!!(Por quˆe?)

EXERC´ICIOS:

A partir deste ponto, al´em de resolver um problema, vocˆe deve primar por escrever sua resoluc¸˜ao, treinando para redigir demonstrac¸˜oes e desenvolver seu estilo pr´oprio de escrever matem´atica.

1. Escreva os detalhes da demonstrac¸˜ao apresentada no final da sec¸˜ao.

2. Treine um pouco com as demonstrac¸˜oes por verificac¸˜ao. Use este m´etodo para provar os seguintes resultados:

(a) Os n´umeros 13, 18, 29, 34 e 125 podem ser escritos como a soma de quadrados de dois n´umeros primos.

(b) O conjunto {1, 31, 7, 15} ´e formado por n´umeros da forma 2n−1, para algum n´umero natural n .

(c) Considere um s´olido formado por um paralelep´ıpedo de cujo interior se retirou um outro paralelep´ıpedo com faces paralelas ao primeiro. Mostre que o s´olido resultante do processo acima n˜ao satisfaz a Relac¸˜ao de Euler: V − A + F = 2.

(d) Na seq¨uˆencia abaixo de cinco n´umeros naturais consecutivos, n˜ao existem n´umeros primos 6! + 2, 6! + 3, 6! + 4, 6! + 5, 6! + 6.

(e) O mesmo resultado anterior para a seq¨uˆencia de cem n´umeros consecutivos 101! + 2, 101! + 3, ..., 101! + 100, 101! + 101.

(f) Mostre que ´e poss´ıvel escrever um mesmo n´umero racional de infinitas maneiras.

3. Seguem abaixo alguns resultados para serem provados, que tamb´em n˜ao necessitam de artif´ıcios especiais ou de alguma argumentac¸˜ao mais elaborada.

Prove que:

(a) Existem trˆes retˆangulos diferentes, com lados de medidas inteiras e ´areas valendo 42 cm2.

(b) Para qualquer natural n, existe uma seq¨uˆencia com n elementos de n´umeros naturais suces- sivos, que n˜ao cont´em n´umeros primos (generalizac¸˜ao dos Exerc´ıcios 2(d) e 2(e)).

Observe que esse exerc´ıcio assegura que ´e poss´ıvel encontrar uma seq¨uˆencia de n´umeros consecutivos, com a quantidade de elementos que quisermos, sem que qualquer deles seja primo! Esse fato reforc¸a que quanto maior for um n´umero n, menor a possibilidade dele ser primo.

Menos formalmente, o resultado significa que, na seq¨uˆencia dos n´umeros naturais, existem verdadeiros desertos de n ´umeros primos do “tamanho” que quisermos. Um fato realmente fant´astico, j´a que o conjunto dos n´umeros primos ´e infinito (Exerc´ıcio 5 da Sec¸˜ao 15.1).

(c) O fatorial n! de qualquer n´umero natural n > 4 termina em 0.

8.3 Demonstrac¸˜oes usando ‘artif´ıcios’

Sem entrar em digress˜oes sobre terminologias, escolhemos a palavra artif´ıcio para chamar um argumento qualquer que seja mais elaborado do que os usados na sec¸˜ao anterior.

Comecemos aprendendo argumentac¸˜oes que requerem apenas certos artif´ıcios simples.

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 119-122)