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O que ´e um teorema? (Hip´otese e tese)

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 61-65)

Desvendando os teoremas-Parte

4.1 O que ´e um teorema? (Hip´otese e tese)

Na escola vocˆe j´a estudou v´arios teoremas e, apesar de n˜ao termos entrado em detalhes, eles j´a apare- ceram na sec¸˜ao anterior. Acreditamos que a palavra ‘teorema’ n˜ao seja estranha para qualquer pessoa que tenha formac¸˜ao b´asica em Matem´atica. Os nomes de certos teoremas chegam a ser de conhecimento do p´ublico em geral, como o de Pit´agoras1 e o de Tales.

A princ´ıpio, um teorema ´e uma sentenc¸a matem´atica condicional ‘Se P , ent˜ao Q’ ou implicativa ‘P ⇒ Q’, da qual existe uma demonstrac¸˜ao que garanta sua validade. Nesse caso, chama-se hip´otese a sentenc¸a P e tese a sentenc¸a Q.

Como j´a dissemos, a partir do Cap´ıtulo 8 iremos nos dedicar totalmente `as demonstrac¸˜oes e a alguns m´etodos especiais para provar resultados matem´aticos. Por enquanto, nos concentraremos nos teoremas e nos elementos que os comp˜oem.

1Pit´agoras de Samos (S´eculo VI a.C.), apontado como o ‘Pai da Matem´atica’, foi o fundador da Escola Pitag´orica, escola

filos´ofica que tinha os moldes e o rigor de uma “seita religiosa” e pregava que os n´umeros eram o princ´ıpio de todas as coisas. Para os pitag´oricos, adeptos dessa filosofia, ‘n´umeros’ eram os n´umeros naturais. Eles criam que o universo, com suas leis e fenˆomenos, podia ser explicado pela relac¸˜ao entre os n´umeros e pelo simbolismo que lhes creditavam. O lema deles era: ‘Tudo ´e n´umero’.

Nosso mundo moderno, cercado de n´umeros por todos as partes, chega-nos dar a impress˜ao que os pitag´oricos teriam na verdade predito o mundo do futuro.

H´a registros de que no Egito e Babilˆonia (1000 anos antes de Pit´agoras), bem como na ´India e na China (antes da era crist˜a) ([Stillwell, 1989], p.3) se conheciam casos particulares do Teorema de Pit´agoras, mas foi na Escola Pitag´orica, provavelmente com Pit´agoras ou um de seus disc´ıpulos, que teria surgido a primeira demonstrac¸˜ao do teorema que leva seu nome.

´E importante registrar que, se Pit´agoras foi um “m´ıstico”, Tales de Mileto foi um bem sucedido homem de neg´ocios. Entretanto n˜ao se conservou nenhum documento escrito sobre eles, o que torna suas biografias - `as vezes, at´e mesmo a certeza de suas existˆencias - um misto de lenda e realidade.

Os exemplos que seguem s˜ao apresentados diretamente como teoremas, pois sabemos de antem˜ao que s˜ao verdadeiros e podem ser demonstrados com o conhecimento dos Ensinos Fundamental e M´edio. Os teoremas que apresentaremos est˜ao na forma condicional, todavia, caso estivessem na forma implica- tiva, as mesmas id´eias que iremos expor continuariam valendo.

TEOREMA 1: Se as diagonais de um retˆangulo se intersectam em ˆangulo reto, ent˜ao o retˆangulo ´e um quadrado.

Chamemos P a proposic¸˜ao (a condic¸˜ao) ‘as diagonais (do retˆangulo) se intersectam em ˆangulo reto’, e Q a proposic¸˜ao (a conclus˜ao) ‘o retˆangulo ´e um quadrado’. Para que nosso primeiro exemplo seja considerado de fato como um teorema, ´e necess´ario provar que todo retˆangulo que goza da propriedade P , i.e., todo retˆangulo cujas diagonais se intersectam em ˆangulo reto, satisfaz a condic¸˜ao Q, i.e., o retˆangulo ´e um quadrado. A sentenc¸a ‘As diagonais (do retˆangulo) se intersectam em ˆangulo reto’ ´e a hip´otese e a sentenc¸a ‘O retˆangulo ´e um quadrado’ ´e a tese do Teorema 1.

Como veremos no Cap´ıtulo 6, numa demonstrac¸˜ao ´e preciso utilizar a hip´otese para, atrav´es de um processo l´ogico-dedutivo, obter a conclus˜ao do teorema, que ´e sua tese.

RESUMO:

Como uma primeira id´eia, um teorema ´e uma sentenc¸a condicional

Se ‘hip´otese’, ent˜ao ‘tese’,

ou uma sentenc¸a implicativa

‘hip´otese’⇒‘tese’,

da qual se possui uma demonstrac¸˜ao que ela ´e v´alida.

´E importante que vocˆe saiba sempre identificar a hip´otese e a tese de cada teorema. N˜ao ´e demais ressaltar que, tanto a hip´otese quanto a tese de um teorema podem ser constitu´ıdas por um n´umero finito de sentenc¸as. Quando a hip´otese for formada por mais de uma sentenc¸a, chamaremos: ‘as hip´oteses do teorema’. J´a com a tese, mesmo que isso ocorra, continuamos usando a palavra no singular: ‘a tese do teorema’.

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As vezes, os teoremas podem ser apresentados sem que estejam numa forma implicativa ou numa forma condicional expl´ıcitas, como neste exemplo:

TEOREMA 2 (Vers˜ao 1): Todo n´umero inteiro m´ultiplo de 5 termina em 0 ou 5.

Se quisermos apresentar este teorema na forma condicional, ´e preciso reescrevˆe-lo, por exemplo, como:

TEOREMA 2 (Vers˜ao 2): Se um n´umero inteiro ´e m´ultiplo de 5, ent˜ao ele termina em 0 ou 5. Poder´ıamos ainda ter redigido o teorema na forma:

TEOREMA 2 (Vers˜ao 3): Seja n um n´umero inteiro. Se n ´e um m´ultiplo de 5, ent˜ao n termina em 0 ou em 5.

4.1. O que ´e um teorema? (Hip´otese e tese)

Figura 4.1: Antigo desenho representando Pit´agoras

Hip´oteses:

i) n ´e um n´umero inteiro e

ii) n ´e m´ultiplo de 5 Tese:

i) n termina em 0 ou 5.

´E sempre mais f´acil identificar a hip´otese e a tese de um teorema escrevendo-o na forma condicional ou implicativa. Em qualquer dessas formas: ‘Se P , ent˜ao Q’ ou ‘P ⇒ Q’, segue-se que P ´e a hip´otese (ou as hip´oteses, se P for constitu´ıdo por mais de uma sentenc¸a) e Q ´e a tese. Aconselhamos reescrever o teorema em qualquer dessas formas quando a hip´otese ou a tese n˜ao estiverem clara.

Os leitores tamb´em devem perceber que, ao isolarem a hip´otese ou a tese de um teorema, escrevendo- os como sentenc¸as, estas podem ficar escritas de forma diferente daquelas em que originalmente apare- cem no teorema. Confira as vers˜oes que apresentamos do Teorema 2.

Nosso ´ultimo exemplo de um teorema que n˜ao est´a apresentado na forma condicional ´e particular- mente interessante:

TEOREMA 3 (Vers˜ao 1): O conjunto dos n´umeros primos ´e infinito.

Escrito dessa maneira, o Teorema 3 apresenta-se constitu´ıdo apenas por uma conclus˜ao: “O conjunto dos n´umeros primos ´e infinito”. Qual ´e a hip´otese?

Mesmo aparentando ser um pouco artificial, uma maneira de responder essa pergunta ´e: TEOREMA 3 (Vers˜ao 2): Se X ´e o conjunto dos n´umeros primos, ent˜ao X ´e infinito. Agora podemos identificar:

Hip´otese: X ´e o conjunto dos n´umeros primos Tese: X ´e infinito.

Note dos exemplos exibidos, que a maneira de redigir um teorema depende de uma opc¸˜ao pessoal. Entretanto, um teorema sempre deve ter um enunciado claro e preciso, no qual as hip´oteses e a tese estejam claramente distinguidas.

EXERC´ICIOS:

1. Responda as perguntas:

(a) Hip´oteses s˜ao premissas?

(b) Axiomas podem ser premissas?

(c) Numa deduc¸˜ao matem´atica, partindo-se de premissas falsas, qual o valor l´ogico da conclus˜ao que pode-se encontrar?

E partindo-se de premissas verdadeiras?

2. Comumente usamos as express˜oes “Teorema v´alido”, “Teorema verdadeiro”, “Teorema n˜ao- v´alido” e “Teorema falso”. H´a nessas express˜oes pleonasmo e abuso de linguagem. Comente o fato.

3. “Se 1 = 0, ent˜ao 3 = 2.” ´e um teorema? Justifique sua resposta.

4. Um teorema pode ser verdadeiro partindo-se de hip´oteses falsas?

5. Dˆe exemplo de uma sentenc¸a condicional que n˜ao ´e um teorema e nem ´e uma definic¸˜ao.

6. Como fizemos com os Teoremas 2 e 3 desta sec¸˜ao, identifique a(s) hip´otese(s) e a tese em cada um dos teoremas a seguir. Caso j´a n˜ao ocorra, reescreva cada sentenc¸a em sua forma condicional.

Observac¸˜ao.: Tanto a(s) hip´otese(s) como a tese devem ser apresentadas como uma sentenc¸a, conforme definimos na Sec¸˜ao 2.1.

(a) Se a soma dos algarismos de um n´umero ´e divis´ıvel por 9, ent˜ao esse n´umero ´e divis´ıvel por 9.

(b) Se uma matriz quadrada possui uma linha ou uma coluna de elementos nulos, ent˜ao seu determinante ´e nulo.

(c) Trˆes pontos num plano que n˜ao s˜ao colineares determinam um c´ırculo.

(d) Por um ponto do espac¸o n˜ao pertencente a um plano, pode-se trac¸ar um, e somente um plano, paralelo ao primeiro.

(e) O comprimento de um lado de um triˆangulo ´e menor do que a soma dos comprimentos dos outros lados.

(f) O volume de um prisma ´e igual ao produto da ´area de sua base pela altura.

(g) sen(a + b) = sena cos b + senb cos a, ∀a, b ∈ R.

(h) Em qualquer triˆangulo, a medida de um lado ´e menor do que a soma e maior do que o valor absoluto da diferenc¸a das medidas dos outros dois lados.

(i) n ∈ Z, n = 5 ⇒ 22n

+ 1 n˜ao ´e primo.

(j) Por duas retas paralelas passa um s´o plano.

(k) Existe um triˆangulo retˆangulo.

(l) π 6∈ Q.

7. Escolha cinco sentenc¸as n˜ao-implicativas do exerc´ıcio anterior e as reescreva em sua forma im- plicativa.

4.1. O que ´e um teorema? (Hip´otese e tese)

8. Fac¸a uma pesquisa e encontre teoremas na forma:

(a) Se ‘P1 ou P2’ ent˜ao ‘Q1 ou Q2’. (Hip´otese e tese disjuntivas)

(b) Se ‘P ent˜ao Q1’ e Q2. (Tese conjuntiva)

9. Considere o seguinte teorema:

PROPRIEDADE FUNDAMENTAL DOS N ´UMEROS PRIMOS:

Se um n´umero primo p divide o produto m.n de dois n´umeros inteiros, ent˜ao p divide m ou p divide n.

(A demonstrac¸˜ao desse resultado pode ser vista em [de Oliveira Santos, 2000], [Collier, 2003], mas agora n˜ao se preocupe com ela.)

(a) Para ficar mais ´ıntimo do teorema, dˆe alguns exemplos checando que ele “funciona”. ATENC¸ ˜AO: Este procedimento n˜ao comprova que o teorema ´e v´alido!!!

(b) Dˆe contra-exemplos para verificar que, sem a hip´otese ‘p ´e primo’, o teorema n˜ao vale.

(c) Usando o teorema esboce uma justificativa para os casos k = 2 e k = 3 do seguinte resultado: “ Sejam m um n´umero inteiro e k ∈ N. Se um n´umero primo p divide mk, ent˜ao p divide m.”

(O caso geral, para um k qualquer, pode ser provado com a teoria do Cap´ıtulo 15.)

(d) Se p, q ∈ N, usando o resultado do item anterior, esboce uma justificativa por que uma igualdade do tipo 3p = 10q n˜ao pode ocorrer. Fac¸a o mesmo, justificando que, se 4.q3 = p3,

ent˜ao p e q s˜ao ambos m´ultiplos de 2.

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 61-65)