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Alguns problemas em aberto de f´acil entendimento para os n˜ao-especialistas

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 113-119)

Conjecturas, problemas em aberto e contra-exemplos

7.3 Alguns problemas em aberto de f´acil entendimento para os n˜ao-especialistas

Chama-se problema em aberto a um problema matem´atico que ainda n˜ao foi resolvido. Em geral, esses tipos de problemas pertencem a ´areas bastante espec´ıficas e especializadas, o que dificulta seu

entendimento para os n˜ao-especialistas. Mas a Teoria dos N´umeros ´e uma ´area repleta de problemas em aberto de f´acil entendimento para qualquer pessoa que tenha apenas noc¸˜oes b´asicas sobre n´umeros. Mais uma vez, isso n˜ao significa que esses problemas tamb´em possam ser resolvidos usando somente conhecimentos matem´aticos b´asicos. Adiantamos que, a princ´ıpio, tudo leva a crer que as resoluc¸˜oes desses problemas usar˜ao, com certeza, t´ecnicas e teorias bem avanc¸adas. Mas n˜ao se desestimule em dar qualquer tentativa sua para resolvˆe-los.

Vejamos a seguir alguns dos mais conhecidos problemas em aberto de f´acil entendimento, e que podem se tornar de dom´ınio p´ublico, pois n˜ao requerem terminologias especializadas para serem enun- ciados:

7.3.1 A Conjectura de Goldbach

A conjectura de Goldbach:‘Todo n´umero par maior que dois ´e soma de dois n´umeros primos’ ´e um dos mais famosos problemas em aberto da Teoria dos N´umeros. Em 1742, uma vers˜ao dessa conjec- tura foi enunciada pelo matem´atico alem˜ao Christian Goldbach (1690-1764) numa correspondˆencia a Euler. A partir daquele ano os matem´aticos comec¸aram a tentar prov´a-la ou encontrar um contra- exemplo para ela! At´e o presente momento, mesmo com os mais avanc¸ados recursos computacionais modernos, n˜ao se conseguiu provar ou encontrar um contra-exemplo para a sentenc¸a. J´a se verificou que ´e v´alida para os maiores n´umeros pares que os computadores modernos conseguem trabalhar. J´a foi checado que a conjectura ´e v´alida para todos os n´umeros pares menores do que 4 × 1014(1998). (Vide

http://www.informatik.uni-giessen.de/staff/richstein /ca/Goldbach.html ou [Ribenboim, 2001], p.178.)

7.3.2 Os primos gˆemeos

Existem infinitos pares de primos da forma (p, p + 2), como

(3, 5), (5, 7), (11, 13), (1000000000061, 1000000000063)? ([Sierpinski, 1994], pp. 30-31).

Eles s˜ao chamados primos gˆemeos. Quantos pares de primos gˆemeos vocˆe conhece? Com o advento dos computadores, intensificou-se a busca por esses tipos de primos.

7.3.3 N ´umeros perfeitos

Um n´umero ´e dito perfeito, segundo definic¸˜ao dos pr´oprios pitag´oricos que os classificaram, se for igual `a soma de seus divisores pr´oprios, excluindo o pr´oprio n´umero. Ex10: 6 = 1+2+3, 28 = 1+2+4+7+14,

496 e 8128. Existe ou n˜ao uma infinidade deles? Ainda n˜ao se sabe.

Euclides no Livro IX dos Elementos, provou que se 2n − 1 for um n´umero primo, ent˜ao 2n−1(2n− 1) ´e um n´umero perfeito. Esse ´e o caso de 6 = 22−1× (22 − 1), de 28 = 23−1× (23− 1), de

496 = 25−1× (25− 1), e de todos os outros n´umeros perfeitos que se conhecem at´e o presente.

10Estes s˜ao os ´unicos n´umeros perfeitos menores que 10.000. “O menor n´umero perfeito, 6, era ligado, pelos escribas

m´ısticos e religiosos `a perfeic¸˜ao; isso justifica porque a Criac¸˜ao de um mundo t˜ao perfeito tenha necessitado apenas de 6 dias” ([Ribenboim, 2001], p.74 e p. 75 ).

7.3. Alguns problemas em aberto de f´acil entendimento para os n˜ao-especialistas

Euler em 1749, mais de 2000 anos ap´os Euclides, demonstrou a rec´ıproca desse resultado:

“Todo n´umero perfeito par ´e da forma 2n−1(2n− 1), com 2n− 1 primo11

(Vide como demonstrar este fato em [Collier, 2003], p.50).

J´a que n˜ao ´e uma tarefa simples verificar se um n´umero com v´arios d´ıgitos ´e perfeito, o resultado de Euclides fornece uma indicac¸˜ao para encontrar n´umeros desse tipo: devemos encontrar primos da forma 2n− 1 (o que, convenhamos, n˜ao torna o problema mais simples!). Mas a descoberta de Euclides s´o fornece n´umeros perfeitos pares, da´ı surge outra pergunta: existe algum n´umero perfeito ´ımpar? ([Shanks, 1985],p.2). At´e hoje n˜ao se encontrou qualquer deles.

Esse talvez seja um dos mais antigos problemas em aberto da teoria dos n´umeros e talvez de toda Matem´atica, que resiste `a qualquer demonstrac¸˜ao h´a 24 s´eculos!

Outra propriedade interessante dos n´umeros perfeitos ´e que todo ele ´e a soma de uma seq¨uˆencia con- secutiva de n´umeros inteiros (6 = 1 + 2 + 3, 28 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7, 496 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + . . . + 15, etc. Vide o Exerc´ıcio 5 desta sec¸˜ao)

7.3.4 Os n ´umeros de Mersenne

Vimos na subsec¸˜ao anterior que os primos da forma Mn = 2n− 1 se tornaram importantes na busca de n´umeros perfeitos, e pelo resultado de Euler, h´a tantos desses n´umeros quantos n´umeros perfeitos pares. Devido `a importˆancia que os n´umeros Mn= 2n− 1 tˆem no estudo da primalidade de outros n´umeros, e devido ao padre e matem´atico francˆes Marin Mersenne (1588-1648) que estudou essas (e v´arias outras quest˜oes sobre n´umeros), eles se passaram a chamar primos de Mersenne12.

Figura 7.4: O Frade Marin Mersenne

11Essa demonstrac¸˜ao, que requer um pouco de Algebra Abstrata,´ pode ser vista, por exemplo, em

[de Oliveira Santos, 2000], p.82.

12Outra propriedade interessante dos n´umeros de Mersenne: ´e poss´ıvel provar que para M

n = 2n − 1 seja um n´umero

primo, ´e necess´ario que n seja primo (este resultado est´a proposto como o Exerc´ıcio 3(d) da Sec¸˜ao 12.1.) Sua rec´ıproca n˜ao ´e verdade: M11= 211−1= 23 × 89

Se n ´e primo, 2n− 1 ´e chamado n ´umero de Mersenne, e pode ser um n´umero primo ou n˜ao. Existem infinitos primos de Mersenne? Acredita-se que sim, mas at´e o presente momento se conhecem apenas 39 primos de Mersenne, e eles v˜ao ficando cada vez mais raros e cada vez maiores.

O procedimento de encontrar esses e outros n´umeros primos envolve avanc¸ados programas computa- cionais, aliados a sofisticados computadores. Hoje em dia, a disputa entre quem primeiro encontra esses n´umeros e consegue quebrar o ´ultimo recorde, criou alguns grupos apenas para essa finalidade.

Com os primos de Mersenne, ´e o caso do GIMPS- Great Internet Mersenne Prime Search (Grande pesquisa pela Internet sobre os n´umeros de Mersenne), vide http://www.mersenne.org. O grupo disponi- biliza programas computacionais gratuitos para milhares de membros, especialistas ou amadores, espa- lhados em todo mundo. Eles encontraram os ´ultimos maiores n´umeros primos de Mersenne conhecidos, que em especial, tamb´em s˜ao os maiores primos, e convida pessoas de todo o mundo para se juntarem ao grupo. Basta ter e saber operar um computador. Eles j´a receberam um prˆemio de 50.000 d´olares pelo ´ultimo maior primo (de Mersenne) encontrado na ´epoca, oferecido pelo Electronic Frontier Foun- dation ( http://www.eff.org/coop-awards/award-prime-rules.html), que ainda disponibiliza mais outros $550.000,00, desafiando quem encontrar certos primos com mais de um bilh˜ao de d´ıgitos. Nada mal, n˜ao acham?

7.3.5 N ´umeros amigos

Dois n´umeros s˜ao ditos amigos, quando um deles for igual a soma dos divisores do outro (excluindo o pr´oprio n´umero). Os pitag´oricos j´a conheciam o menor desses pares de n´umeros: (220 e 284) (soma dos divisores de 220: 1 + 2 + 4 + 5 + 10 + 11 + 20 + 22 + 44 + 55 + 110 = 284; soma dos divisores de 284: 1 + 2 + 4 + 71 + 142 = 220). O segundo exemplo, s´eculos mais tarde, foi dado por Fermat e o terceiro, por Descartes, ambos no S´eculo XV II.

Coube a Euler descobrir outros 60 pares desses n´umeros. Quem vir os pares de n´umeros amigos encontrados por Euler, pode constatar sua capacidade de trabalhar com n´umeros enormes, numa ´epoca em que mesmo uma calculadora manual era apenas um sonho. ´E interessante registrar que apesar da sua arg´ucia e habilidade para lidar com produtos e somas de grandes n´umeros, Euler deixou escapar, de- sapercebidamente, um par de n´umeros amigos relativamente pequeno: (1184,1210), que foi descoberto em 1866, por Nicol`o Paganini, um garoto de apenas 16 anos!

Muitos acreditavam que tal como os quadrados m´agicos, os pares de n´umeros amigos tinham poderes sobrenaturais e os usavam em talism˜as e poc¸˜oes m´agicas.

Com a computac¸˜ao, se conhece mais de dois milh˜oes de pares de n´umeros amigos, e essa quantidade cresce a cada momento.

7.3.6 N ´umeros de Fermat

Existem outros primos de Fermat al´em de F0 = 3, F1 = 5, F2 = 17, F3 = 257 e F4 = 65537?

Os c´alculos computacionais n˜ao s˜ao animadores, j´a que at´e onde se conseguiu verificar, todos outros n´umeros de Fermat s˜ao compostos. Chega-se a acreditar que a resposta a essa pergunta ´e negativa, mas caso exista algum deles, ser´a um n´umero muito grande, com muitos d´ıgitos. S´o para se ter uma id´eia do “tamanho” desses n´umeros, o ´ultimo resultado, de 22 de novembro de 2005, ´e que o n´umero 1207.2410108 + 1 divide o n´umero de Fermat F410105 (Descobridor: Jun Tajima). Com certeza, breve-

mente esta descoberta j´a estar´a superada.

Vide o que se encontrou at´e o momento sobre os fatores de certos n´umeros de Fermat na p´agina: http://www.prothsearch.net/fermat.html

7.3. Alguns problemas em aberto de f´acil entendimento para os n˜ao-especialistas

7.3.7 Outros problemas em abertos

1. Outros problemas envolvendo n´umeros primos:

(a) Existe sempre um n´umero primo entre dois quadrados consecutivos de n´umeros naturais n2

e (n + 1)2? ([Toeplitz, 1957]; p. 204)

(b) H´a infinitos primos da forma n! − 1 ou n! + 1? Esses primos s˜ao chamados primos fatoriais. E primos da forma n2+ 1?

(c) Mesma pergunta anterior, onde n! ´e substitu´ıdo por #n. Define-se #n como o produto de todos os primos menores do que ou iguais a n.

2. UM PROBLEMA EM ABERTO DE F ´ACIL ENTENDIMENTO FORA DA TEORIA DOS N ´U- MEROS: Dada uma curva no plano, que seja fechada e n˜ao tenha auto-intersec¸˜ao (curva simples), sempre existem quatro pontos nessa curva que formam os v´ertices de um quadrado?

([Guy, 1991];p.51)

7.3.8 Dinheiro para quem resolver problemas matem´aticos

Quem resolver algum dos problemas anteriores, poder´a ter seu momento de gl´oria e, al´em de obter prest´ıgio, quic¸´a, poder´a receber algum bom retorno financeiro por seu feito. Existia uma p´agina na Internet na qual seu autor prometia prˆemios em dinheiro para quem resolvesse qualquer dos problemas que ele sugeria. O dinheiro n˜ao era muito, mas o fato merece ser registrado.

J´a o bem sucedido banqueiro texano Andrew Beal, um amador que tem a Matem´atica como hobby, na sua tentativa de provar o Teorema de Fermat, chegou na seguinte conjectura:

CONJECTURA DE BEAL: “Sejam A, B, C, x, y e z inteiros positivos com x, y, z > 2. Se Ax+ By = Cz, ent˜ao A, B e C possuem um fator primo em comum.”

O banqueiro oferece um prˆemio, que agora chega a $100.000,00, para quem der um contra-exemplo ou provar sua conjectura.

Vide [Mauldin, 1997] ou http://www.math.unt.edu/ mauldin/beal.html J´a que estamos falando em prˆemios, vale conferir o artigo

“Bons de conta. Brasileiros perdem noites de sono em busca de respostas que valem milh˜oes” da Revista ISTO ´E de 2 de Agosto de 2000.

Finalizamos este cap´ıtulo ressaltando que, em geral, novos problemas surgem na tentativa de demon- strar um problema. E ´e dessa forma que a Matem´atica se mant´em viva e sempre desafiadora.

EXERC´ICIOS:

1. Mostre que o par (1184, 1210), encontrado por Paganini, ´e de n´umeros amigos.

2. Verifique que 496 e 8128 s˜ao n´umeros perfeitos

Dica: N˜ao v´a desprender muito esforc¸o. Prove que eles s˜ao n´umeros perfeitos de Euclides da forma 2n−1(2n− 1) com 2n− 1 primo.

3. Prove o resultado de Euclides para n´umeros perfeitos pares:

“Se 2n− 1 for um n´umero primo, ent˜ao 2n−1(2n− 1) ´e um n´umero perfeito”

Dica: Use a f´ormula 1+2+. . .+2k−1 = 2k−1, que pode ser demonstrada por induc¸˜ao (Sec¸˜ao 15.1).

4. Conforme j´a dissemos, mostre que todo n´umero perfeito par ´e soma de uma seq¨uˆencia de n´umeros inteiros consecutivos.

Dica: Use a f´ormula da soma dos n primeiros n´umeros naturais

1 + 2 + 3 + . . . + (n − 1) + n = n(n + 1)

2 ,

que ´e um exerc´ıcio proposto na Sec¸˜ao 15.1.

7.3.9 Curiosidade: Uma palestra silenciosa

Em 1644, entre os n´umeros da forma 2n− 1 que Mersenne afirmara serem primos, estava 267− 1.

Com referˆencia a este n´umero, em um encontro da American Mathematical Society em 1903, o matem´atico F.N. Cole (1861-1927) deu, o que parece ter sido a ´unica palestra silenciosa de toda hist´oria. Ao ser anunciada sua conferˆencia, o matem´atico dirigiu-se lentamente `a lousa, escreveu silenciosamente quanto valia 267−1 e, sem pronunciar qualquer palavra, escreveu quanto resultava o produto dos n´umeros

193 707 721 e 761 838 257 287,

mostrando que dava o mesmo resultado. Logo depois guardou o giz e retornou em silˆencio `a sua cadeira. Toda plat´eia explodiu em entusi´astica vibrac¸˜ao.

CAP´ITULO 8

No documento Um convite à matemática - Daniel C Filho (páginas 113-119)