Sabe-se que n ´umeros racionais podem ser representados como n´umeros fracion´arios, isto ´e, quo- cientes de um n´umero inteiro por outro n´umero inteiro, tal que o denominador n˜ao ´e o inteiro nulo. Os n´umeros racionais tamb´em podem ser escritos em sua forma decimal. Prova-se que ao serem es- critos desta maneira, eles s˜ao n´umeros decimais finitos, ou n´umeros decimais infinitos que s˜ao d´ızimas peri´odicas ([de Figueiredo, 2002]).
Por exemplo, 2 3,
−8 4 ,
9
−54, 3, −12; 1, 345679; −9, 876876876876 . . . s˜ao n´umeros racionais. Como acabamos de mencionar, o conjunto dos n´umeros racionais pode ser simbolicamente represen- tado como: Q = ½ p q; p, q ∈ Z, q 6= 0 ¾ .
Para nossos objetivos, esta ser´a a melhor maneira de escrever esse conjunto. Agora, como vocˆe responderia a seguinte pergunta?
8.3. Demonstrac¸˜oes usando ‘artif´ıcios’
A maioria das pessoas, pelo que j´a estudou e pela experiˆencia ao lidar com frac¸˜oes, ´e levada a responder afirmativamente a pergunta. Entretanto, muitas vezes, quando pede-se para justificar matema- ticamente a resposta, recebe-se uma justificativa do tipo:
“Justificativa”: 3 5 ∈ Q e 8 5 ∈ Q ⇒ 3 5+ 8 5 = 11 5 ∈ Q.
Vamos analisar essa resposta:
Uma olhada cr´ıtica, indica que o esforc¸o de quem a forneceu, mesmo tendo toda boa intenc¸˜ao, ficou resumido apenas em mostrar a resposta para um exemplo particular de soma entre dois n´umeros racionais espec´ıficos que escolheu: 3
5 e 8
5. E os demais casos?
Ora, quando fizemos a pergunta “A soma de dois n´umeros racionais ´e um n´umero racional?”, n˜ao estamos especificando para quais racionais nossa pergunta ´e v´alida, queremos saber se ela ´e v´alida para quaisquer dois deles. Matematicamente, ´e desta forma que deve ser encarada uma pergunta desse tipo. Assim, a justificativa anterior n˜ao assegura, por exemplo, que 1
3+ 4 5 ou −2 5 + 6
7 ou qualquer outra soma de n´umeros racionais s˜ao, de fato, n´umeros racionais.
A seguir vamos dar uma justificativa correta. Justificativa (demonstrac¸˜ao):
A resposta `a pergunta acima ´e “sim”. Vamos justificar. Sejam p
q ∈ Q e r
s ∈ Q, com q, s 6= 0 (Aqui est´a sendo usada a definic¸˜ao de n´umeros racionais). Ora, p
q + r s =
ps + qr
qs (Aqui se fez uma manipulac¸˜ao alg´ebrica, comec¸ando a argumentac¸˜ao. O Exerc´ıcio 4(viii) da Sec¸˜ao 6) garante que essa igualdade ´e v´alida), como ps + qr e qs s˜ao n´umeros inteiros, por serem soma e produto de n´umeros inteiros e, como qs 6= 0, j´a que q, s 6= 0 (Aqui se est´a fazendo a argumentac¸˜ao necess´aria para garantir que o n´umero no lado direito da igualdade ´e racional. Estamos usando um fato muito conhecido: ‘q, s 6= 0 ⇒ qs 6= 0’, que ´e o Exerc´ıcio 1 (b) da Sec¸˜ao 11.1 ), temos da igualdade anterior, que p
q + r
s ∈ Q (Aqui, conclui-se a argumentac¸˜ao). Logo, se p q ∈ Q e r s ∈ Q, ent˜ao p q + r
s ∈ Q (Neste ponto estamos finalizando a demonstrac¸˜ao, ressaltando o resultado provado ) C.Q.D.
Observe que a demonstrac¸˜ao foi baseada na maneira de como representar um n´umero racional qual- quer.
EXERC´ICIOS:
1. 0 ´e um n´umero racional?
2. Treine um pouco com demonstrac¸˜oes cujo racioc´ınio ´e semelhante ao que utilizamos nesta sec¸˜ao. Mostre que:
(b) Se β ∈ Q, β 6= 0, ent˜ao β4− 2β β + 1
β3
e βn ∈ Q, para todo inteiro positivo n.
***
PAUSA PARA UM ALERTA DE COMO REPRESENTAR UM N ´UMERO: A experiˆencia nos induz a aceitar que a seguinte proposic¸˜ao ´e v´alida:
Proposic¸˜ao: A soma de um n´umero par com um n´umero ´ımpar resulta em um n´umero ´ımpar. Considere a seguinte “demonstrac¸˜ao” deste fato.
“Demonstrac¸˜ao”: Dados um n´umero par e outro ´ımpar, eles s˜ao, respectivamente, da forma 2k e 2k + 1, para algum k ∈ Z. Logo, 2k + (2k + 1) = 4k + 1 = 2(2k) + 1 = 2m + 1, onde m = 2k ∈ Z. Conclu´ımos das ´ultimas igualdades, que a soma de um n´umero par com um n´umero ´ımpar ´e um n´umero ´ımpar, como quer´ıamos demonstrar.
Analise a “demonstrac¸˜ao” anterior e responda:
i. Ela mostra, por exemplo, que 4+7 ´e um n´umero ´ımpar? Por quˆe?
ii. Onde est´a o erro na demonstrac¸˜ao??
(c) Agora, dˆe uma “demonstrac¸˜ao de verdade”, que a soma de um n´umero par com um n´umero ´ımpar ´e um n´umero ´ımpar.
(d) A soma e o produto de dois n´umeros pares ´e um n´umero par, ou seja, o conjunto dos n ´umeros pares ´e fechado com relac¸˜ao `as operac¸˜oes de adic¸˜ao e multiplicac¸˜ao.
O que vocˆe pode afirmar sobre a soma e o produto de n´umeros ´ımpares? ´E um n´umero par ou ´ımpar? Justifique suas respostas.
(e) Uma condic¸˜ao necess´aria para que o produto de dois n´umeros seja m´ultiplo de 6 ´e que um deles seja m´ultiplo de 2, e o outro, m´ultiplo de 3.
(f) i. O quadrado de um n´umero da forma 3k + 1, k ∈ Z tem essa mesma forma. O mesmo ocorre com um n´umero da forma 3a + 2b, a, b ∈ Z
ii. O produto de dois n´umeros da forma 4k + 1, k ∈ Z tem essa mesma forma.
iii. O produto de dois n´umeros que terminam em 5, cada qual com trˆes algarismos, tamb´em termina em 5.
Dica: Sem perda de generalidade, considere esses n´umeros positivos. Logo, um n´umero da forma acima pode ser escrito como ab5 = a.100 + b.10 + 5, para a, b inteiros n˜ao- negativos.
iv. Esboce um argumento para para concluir que o n´umero 125200006termina em 5.
3. (a) Se m ´e um n´umero par e n ´e um n´umero ´ımpar, o que vocˆe pode afirmar sobre a paridade dos n´umeros m2 + n2 e m2 − n2? E se ambos forem simultaneamente pares? E se forem
simultaneamente ´ımpares?
(b) Depois de fazer o item anterior, responda:
8.3. Demonstrac¸˜oes usando ‘artif´ıcios’
4. Palavras ou frases quando lidas indiferentemente, da esquerda para `a direita ou da direita para `a esquerda e permanecem as mesmas, s˜ao ditas pal´ındromos.
Exemplo: radar, osso, socorram-me subi no ˆonibus em Marrocos. J´a os n´umeros que possuem essa propriedade s˜ao ditos capicuas. Exemplo: 1221, 987789.
Mostre que todo n´umero capicua de quatro algarismos ´e divis´ıvel por 11.
Sugest˜ao: Escreva um n´umero qualquer abcd na forma a1000 + b100 + c10 + d. Use esse fato para checar que todo n´umero capicua abba pode ser escrito como 11(91a + 10b). A mesma id´eia funciona para um n´umero capicua de v´arios algarismos.
Not´ıcias sobre n´umeros capicuas tomaram a M´ıdia e a Internet em Fevereiro de 2002, quando muita gente ficou fascinada com a data capicua que “abrilhantou a entrada no novo milˆenio”:
20h e 02m do dia 20/02/2002.
Algumas not´ıcias afirmavam que a hora e a data acima eram raras, s´o tendo ocorrido apenas uma ´unica vez (10:01 de 10/01/1001) e que n˜ao mais se repetiriam datas desse tipo. Essas not´ıcias eram corretas?