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A controvérsia de Runamo: as limitações do eruditismo e as mudanças na

O século XIX também foi o palco de uma grande querela acadêmica, batizada de

controvérsia de Runamo, da qual Liljegren fez parte. Quando este erudito publicou sua

coletânea de inscrições rúnicas, Finn Magnusen (c.1781-1847), um arquivista privado, enviou uma carta a Liljegren desapontado pela não inclusão da inscrição de Runamo em Blekinge, na Suécia. O islandês inclusive publicou uma análise do material em 1834

115

(ODELBERG, 1995: 8). Essa inscrição foi registrada por Jonas Skonvig e Ole Worm no

Danicorum Monumentorum.

A importância maior da inscrição era a possível referência à cidade de Lund, na Suécia, presente no final da mensagem (lunq). A partir das mensagens trocadas e da referência de Saxo ao material, alguns eruditos foram até a região de Runamo em busca dos glifos. Olof von Dalin (1703-1763), um historiador real sueco, não conseguiu encontrar os sinais. O professor Sven Lagerbring (1707-1787), porém, atestou a existência da inscrição e sua importância, conquanto tenha mudado de opinião pouco depois (ODELBERG, 1995: 10).

Nils Reinhold Brocman (1731-1770), por sua vez, uma espécie de assessor e

expert científico de Antiguidades, visitou Runamo e, em cartas para Rasmus Nyerup

(1759-1829), afirmou categoricamente que nada havia nesse distrito sueco além de rachaduras causadas pela chuva (ODELBERG, 1995: 10). Apesar disso, a questão não foi solucionada em definitivo.

Para resolver de vez a questão, uma comissão, composta por três cientistas e um artista, foi até Runamo. Entre eles estavam Finn Magnusen (ou Finnur Magnússon), Christian Molbech (1783-1857), chefe da Biblioteca Real Dinamarquesa, historiador e historiador da literatura, e Johan Georg Forchhammer (1794-1865), professor do

Polyteknikum ou Instituto Técnico de Copenhagen, um célebre mineralogista. Eles

chegaram em Runamo em 14 de Julho de 1833 e passaram dois dias na localidade. Christian Ferdinand Christensen (1805-1883), o artista convocado para a empreitada, retratou os ―sinais humanos‖ identificados pelos pesquisadores, posteriormente gravados em cobre, ainda que nenhum significado tenha sido atribuído aos sinais (NORDISK FAMILJEBOK, 1916: col. 1177-1178; RIX, 2006: 599).

Em Maio de 1834, porém, Magnussen teve uma ―iluminação‖: ele leu o possível texto da direita para esquerda e fez uma grande descoberta:

Imediatamente eu pude ler a palavra hiiltekinn (hildekinn ou hyldekinn) e outras palavras puderam então logo ser lidas sem muita dificuldade, de acordo com as regras pelas quais alguém poderia ler na Islândia (e em outros países) dos tempos antigos, e parcialmente para alguém que usualmente tem conhecimento das assim chamadas runas ligadas [cf. subtópico x.x.x.] (MAGNÚSSON, 1841: 47-48)116.

116 ―Strax læste jeg da, uden mindste Hindring, Ordet hiiltekinn (hildekinn eller hyldekinn) og de övrige

Ainda que a gravação invertida dos glifos rúnicos fosse rara, há alguns casos de mensagens criptografadas assim. Ele logo identificou um poema em métrica eddica (fornyrðislag), que seria um registro de um famoso conflito motivado por Haraldr Hildetand chamado Batalha de Brávellir (ou Batalha de Bråvalla, século VIII). Havia até então uma incógnita em relação ao local do conflito. Mas, graças aos esforços do islandês, o problema parecia resolvido (MAGNÚSSON, 1841: 48). Eis o poema, que ele apresentou no texto original e traduzido ao dinamarquês:

Hildekind conquistou [recebeu] as riquezas [os reinos – o governo] | Gard gravou [as runas] | Ole jurou [lealdade] | Odin abençoou [ou consagrou] as runas! | [Espero] que Ring possa cair no chão [na batalha]; | Elfos, deidades do amor: | Ole [ódio, desprezo, abandono]! | Odin e Freyr | e a linhagem dos Æsir: | destrua, destrua | nossos inimigos! | Garanta a Haraldr | uma grande vitória (MAGNÚSSON, 1841: 65-67)117.

A interpretação sugere que um clérigo e mestre das runas de Haraldr foi o responsável pelo registro ao gravar a inscrição. O rei foi exaltado como o verdadeiro rei; Ole, um senhor de guerra e líder de homens, jurou lealdade ao verdadeiro monarca, mas faltou com a promessa. O rei, assim, apelou para os deuses e espíritos para defender-se do rei Ring e de seus inimigos (RIX, 2006: 601).

No entanto, Liljegren não se convenceu e resistia para inserir Runamo em sua coletânea. Ele expôs suas dúvidas perante a Academia de Letras sueca em Janeiro de 1835. Entre os ouvintes estava Jacob Berzelius (1779-1848), um famoso químico compatriota que, vez por outra, analisava materiais arqueológicos e comentava questões sobre as Humanidades (ODELBERG, 1995: 12).

Berzelius visitou a localidade e refutou a inscrição, considerando-a como rachaduras provocadas pela ação do tempo. Ele expôs sua posição em 1837 na mesma academia (RIX, 2006: 603-604). Magnússon, porém, não desistiu. Em 1841 ele publicou sua obra Runamo e as runas, que consistia de um volumoso tomo de 740 páginas preenchidas de digressões e notas de rodapé. Ele apoiou-se num adendum de Forchhammer produzido em 1839 que refutava as dúvidas do químico com bastante

Regler, hvorefter man i Island (og flere Lande) fordum har pleiet, samt tildeels endnu oplöse de saakaldte Binderuner‖.

117 ―Hildeking indtog (modtog) Riget (Rigerne - Regjeringen) | Gard indhuggede (Runerne) | Ole Eed gav

(aflagde Troskabseed) | Odin vie (eller hellige) Runerme! | (Gid) Ring faae | Fald paa Muld! | Alfer, Elskovsguder | Ole (hade, skye, forlade)! | Odin og Frej | og Asers Slægt | ödelaegge, ödelaegge | vora Fjender! | Unde Harald | en stor Seier!‖.

elegância (MAGNÚSSON, 1841). A disputa fomentou um amplo interesse internacional do assunto, vide os registros do debate na Holanda, Rússia e Alemanha (ODELBERG, 1995: 14).

A controvérsia de Runamo só foi resolvida quando Jens Jacob Worsaae (1821- 1885), um jovem e promissor pesquisador da época, visitou a localidade sueca em 1842 e constatou, enfim, que nada havia lá além daquilo que a própria natureza havia produzido. Não obstante, Worsaae dispôs apenas de poucos dias em Runamo por falta de recursos e pretendia solicitar uma espécie de bolsa diretamente do rei Christian VIII, patrono da academia. Contudo, o trabalho de Magnusen tinha sido recém-publicado pela academia e ele temeu ofender o monarca e os trabalhos realizados por dois dos mais memoráveis membros desse grupo. Para suprimir a dúvida, ele leu as considerações daqueles que refutavam a tese do islandês, como Berzelius, e teve ainda mais certeza de suas conclusões (BRATE, 1922: 135).

Após obter as bênçãos do rei, Worsaae pode concluir a pesquisa, que foi publicada em 1844 sob o título Runamo e a Batalha de Bråvalla: uma contribuição

para o criticismo arqueológico. Ao receber os resultados da investigação, Christian VIII

comparou as ilustrações de Worsaae e Magnussen e ficou surpreso que o trabalho estivesse baseado em uma má interpretação (ODELBERG, 1995: 14; cf. img. 9).

Seria Magnússon um falsário deliberado? Para Rix, tudo leva a crer que, por seu histórico de premiações e contribuições ao espírito antiquário, o islandês tenha sido muito influenciado pelas lendas e mitos, observando padrões que não existiam de fato. ―Numa era dominada pelos esforços culturais românticos, Magnússon foi inábil para divorciar suas observações das fontes de lendas e mitologia‖ (RIX, 2006: 606).

Roley-Conwy, ao comentar o assunto, afirmou que o papel de Worsaae foi muito valorizado por uma crítica que originalmente não era dele, mas de outros autores como Nyerup (1806), Berzelius e Sven Nilson. Este último esteve em Runamo em 1840 para estudar a rocha e, ao bater contra outra porção da prentensa inscrição com um martelo, percebeu que ranhuras similares aos registros de Magnússon se mostravam (ROLEY-CONWY, 2004: 8-9).

Deste modo, Worsaae expôs os argumentos num momento favorável graças ao seu contato próximo com o rei e baseado em experimentos e deduções anteriores. Robert Rix, ao comentar o cenário intelectual da época, concluiu que havia dois

métodos e princípios epistemológicos em vigor: 1) a Arqueologia que dá suporte para lendas pré-concebidas (grosso modo, com base crítica externa), 2) a Arqueologia que enfatiza a ―grande evidência‖, ou seja, que se preocupa com os elementos do próprio monumento (em suma, apoiado na crítica interna) (RIX, 2006: 589-590).

Worsaae estaria, portanto, ligado ao segundo momento, que tentava extrapolar o Romantismo nacionalista e os mitos construídos a partir de leituras que distorciam as evidências, ainda que outros conhecimentos fossem usados para apoiar os argumentos dos ―românticos‖, como a estratigrafia e a geologia (RIX, 2006: 596-597).

Embora a Controvérsia de Runamo seja um caso extremo para a runologia, ela dá indícios de um problema metodológico em vigor nas análises das runestones que representam Sigurðr Fáfnisbani, como será possível notar com maior atenção. Sem o conhecimento mitológico (crítica externa), seria impossível ou improvável traçar qualquer paralelo dos elementos figurativos e qualquer memória registrada em diferentes suportes, i.e., transmitida oralmente em poemas ou redigida em prosa.

***

Como foi possível apresentar, do séc. XVII até aproximadamente a primeira metade do séc. XIX, os estudos rúnicos faziam parte da tradição antiquária. Após esta etapa, a ordenação dos monumentos se tornou uma tarefa de arqueólogos, enquanto filólogos passaram a registrar, interpretar e publicar sobre as runestones (ANDRÉN, 2000: 7)118.

Um personagem que viveu durante essa fase de transição e que fez parte desse esforço para propor um catálogo das runas foi o filólogo e arqueólogo George Stephens (1813-1895). Nascido em Liverpool, Stephens estudou na University College London. Em 1834 ele se mudou para Suécia no intuito de estudar a literatura medieval escandinava e o folclore regional. Em 1851 ele se tornou lecturer na Københavns Universitet (Universidade de Copenhagen), alcançando o posto de professor quatro anos depois (SVENSKT BIOGRAFISKT HANDLEXIKON, 1906: 526).

118 Este movimento seguiu os passos da epigrafia. Para mais informações, ver: BRUNN & EDMONDSON, 2015: 3-20; BUONOCORE, 2015: 21-41; ORLANDI, CALDELLI & GREGORI, 2015: 42-65; BRUNN, 2015: 66-77; ELLIOTT, 2015: 78-85.

Das inscrições, Stephens publicou dois trabalhos: o maior intitulado Os

monumentos rúnicos em antigo nórdico da Escandinávia e Inglaterra em quatro

volumes (The Old-Northern runic monuments of Scandinavia and England, 1866-1901) e As runas: de onde vieram (The runes: whence came they, 1894). Ambos são trabalhos minuciosos de catalogação, ainda que só o primeiro disponha de análise.

Neste ínterim, o inglês em questão defendia seus argumentos acadêmicos a partir de um alto grau de nacionalismo e uma espécie de pan-germanismo. Vale lembrar que, como meio de produzir nações durante a fase do ―nacionalismo cultural‖ (HROCH, 1985: 1-29), a língua servia como elemento homogeneizador, para padronizar a sociedade, além de produzir identidades e fronteiras. Esses elementos foram legitimados principalmente por intermédio da Filologia (GEARY, 2005: 32-47; WOOD, 2014: 154- 173).

A ideia pivotal era formar uma ―língua nacional‖ escrita, mesmo que fosse inicialmente de uso restrito de uma elite intelectual, política e cultural (HOBSBAWM, 2011: 113-120), que adotava oficialmente uma língua entre várias outras possíveis. Tal situação encontrou crédito, por exemplo, na Alemanha, França e Itália. Em seguida, a língua escolhida passava a ser ensinada nas escolas e utilizada na produção da história nacional de determinado ―povo‖, em detrimento das línguas regionais e/ou dialetos. Ademais, tal língua permitia ainda que ideólogos nacionalistas produzissem um saber ―científico‖ que projetava a língua ao passado e ao futuro, conectando indivíduos e sociedades antigas com a realidade do dezenovecentista (GEARY, 2005: 44-45).

Assim, no início de The Old-Northern runic monuments..., Stephens criticou a utilização de termos em latim para descrever elementos da antiga tradição inglesa, germânica e escandinava:

O leitor irá observar que, em minhas traduções, eu tenho frequentemente introduzido palavras inglesas obsoletas, obsolescentes ou provinciais, quando há concordância delas quanto à inscrição, para mostrar como nossos dialetos nórdicos são essencialmente os mesmos [...] nós devemos lembrar, porém, que muitas dessas palavras Rúnicas estão mortas na própria Escandinávia e na Inglaterra, e têm sido suplantadas principalmente por Latinismos, Saxonismos ou Germanismos, ou, em nosso caso, por novas palavras feitas mais ou menos de velhos materiais [...] Nós lavamos o suficiente de nossa língua materna com o Latim bastardo; vamos agora envolver e por em ferros com a ―água da vida‖ de nosso doce, suave, rico, brilhante, claro-límpido,

principal, global e sempre mais querido INGLÊS (STEPHENS, 1867: vi- vii)119.

Nota-se, nas palavras de Stephens, um elemento de superioridade intelectual e, por que não, racial. Tal ideia fez escola, como é possível constatar em trabalhos até da década de 70 (ANDERSON, 1901: 23; THOMPSON, 1975: 19). De fato, é fácil identificar as conexões acadêmicas entre ingleses e germânicos na primeira metade do século XIX por fins políticos. Até 1837 os reis da Inglaterra também eram duques e, posteriormente, reis de Hannover. A maior parte dos eruditos ingleses via a si mesmos como descendentes dos anglo-saxões, que teriam migrado da atual Alemanha para as ilhas britânicas nos séculos V e VI. Nesta ideia, os germânicos seriam heroicos lutadores pela liberdade, pois escaparam das garras dos romanos e empurraram os celtas britânicos para fora da ínsula. O principal defensor desta hipótese foi E.A. Freeman, um famoso Professor Régio de História em Oxford (WOOD, 2014).

A superioridade dos saxões poderia ainda ser demonstrada pelo papel de domínio global que a Inglaterra exercia no período. Como demonstrei em um artigo sobre a reincorporação da palavra e do ideário viking na Inglaterra do século XIX, a identidade britânica precisou ser reformulada neste período para que fosse capaz de abarcar todo império, ou ao menos seus súditos mais caros, i.e., insulares. Para tanto, por exemplo, elementos escandinavos foram reclamados como parte integrante do que deu origem aos ingleses (BIRRO, 2013: 238-239).

A defesa de uma ―raça‖120

nórdico-saxã, presente no período, reflete a tendência vitoriana e imperial de incorporar valores vinculados aos ―reis dos mares‖ (escandinavos), mais adequados para o caráter expansionista da política britânica:

119 ―The reader will observe that in my translations I have often introduced obsolete or obsolescent or

provincial English words, where they agree with those in the inscription, to show how all our Northern dialects are essentially the same [...] We must remember however that as many of these Runic words are dead in Scandinavia itself as in England, and have there been chiefly supplanted by Latinisms or Saxonisms or Germanisms, or, as with us, by new words made more or less out of old materials [...] We have watered our mother-tung long enough with bastard Latin; let us now brace and steel it with the life- water of our own sweet and soft and rich and shining and clear-ringing and manly and world-ranging ever dearest ENGLISH!‖

120 Palavras como raça, povo, etnicidade e etnogênese são conceitos mutáveis (GEARY, 2005: 57). De todo modo, entre os séculos XVI e XIX ele significava, de forma fluida, algo como nação ou grupo étnico; somente no século XIX ocorreram tentativas de determinar elementos físicos e psicológicos coletivos que diferenciavam certos grupos humanos de outros (WOOD, 2014: 94-112). Com o desdobramento do nacionalismo cultural para o nacionalismo étnico na segunda metade do século XIX, houve uma transformação do conceito de ―raça‖, que se tornou central nas Ciências Sociais e, deste modo, passou a gozar de um estatuto ―científico‖ (HOBSBAWN, 2011: 131-134).

intrepidez, colonos pioneiros, excelentes navegadores, democratas primitivos, amantes da poesia (PARKER, 2009: 257-275; WAWN, 2002: 4).

Mas o que compelia à ideia de superioridade? Ao analisar a ideologia nórdica na Europa, Horst Junginger e Andreas Åkerlund perceberam que

Muito antes do advento do fascismo, uma abundância de mitos e ilusões conectados com o Norte floresceu sobre toda Europa em vários ramos, da arte ao turismo, passando pelas vendas promocionais, não excedendo aos efeitos adversos. Mas é evidente que depressões econômicas e políticas, sem falar do período caótico subsequente aos conflitos militares, inevitavelmente geravam prejuízos derrogatórios de todos os tipos e reforçando a tendência em direção a encapsulamentos agressivos ou até mesmo odiosos contra outros (ÅKERLUND & JUNGINGER, 2013: 3)121.

Concomitante aos estudos do passado germânico de países europeus e, talvez de maneira recíproca, incentivando e sendo incentivada a tanto por outras matrizes, a erudição europeia ajudou a influenciar o pensamento intelectual global com o darwinismo social. A partir dele, os países com ―origens arianas‖ – neste caso, saxãs –, graças à trajetória histórica bem sucedida, provariam sua superioridade biológica e científica, assim como de suas instituições.

Essa breve análise, fundamental para compreender os trâmites intelectuais da geração de estudiosos do mundo germânico e escandinavo do final do século XIX e início do século XX na esfera anglófona, exige por si só um trabalho meticuloso, mas que somente tangencia a questão das runas. Assim, considerei mais pertinente elencar as questões técnicas propostas por Stephens sobre os glifos escandinavos, mas que exigiu uma curta explicação contextual para serem bem compreendidas.

Impelido pelo mote do ódio ao ―latim bastardo‖ e da depuração da Língua Inglesa, o erudito inglês em questão criou, em sua análise sobre as runas, palavras como

rune-rister, rune-ristings, carver e stone-smiths (runa de cunha, cunhagem de runas, gravador e forjador de rochas, respectivamente; 1867: 199, xl e 194), em oposição a

termos como runographus e runographia, utilizados pelos runólogos especulativos dos séculos XVII e XVIII, sendo estes notadamente derivados do ―latim bastardo‖.

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―Well before the advent of fascism, plenty of myths and illusions connected with the North flourished

all over Europe in various branches of the arts as well as in tourism and sales promotion without exceedingly adverse effects. But it is quite evident that economic and political depressions, not to speak of the chaotic aftermath subsequent to military conflicts, inevitably generate derogatory prejudices of all sorts and reinforce the tendency towards aggressive encapsulations or even hatred against others‖.

Para além dos problemas que tal via de pensamento fomentou e fomenta, é preciso considerar a relevância das ideias de Stephens. Ao ignorar o nacionalismo exagerado e o racismo subreptício ou não do autor, ele foi um dos primeiros a considerar o papel do artista das runas de maneira ostensiva. Se antes a preocupação maior concentrava-se na possível origem das runas e na especulação da ancestralidade ―gótica‖, Stephens foi perpicaz ao ponderar minimamente o trabalho do autor dos monumentos em si, a ferramenta usada (cunha de metal) e seu caráter diferenciado entre os trabalhadores especializados da época, ao compará-lo com um ferreiro, personagem muito valorizado no período medieval.

Dando continuidade ao levantamento proposto, em 1880 a Real Academia de

Letras, História e Antiguidade (Kungliga Vitterhets Historie och Antikvitets Akademien)

sueca decidiu que seria publicada uma nova edição para substituir o trabalho de Hadorph, mas dessa vez com todas as inscrições. Após trabalho de campo e de arquivo, o primeiro volume da coleção Inscrições Rúnicas da Suécia (Sveriges runinskrifter) foi publicado em 1900 (SÖDERBERG & BRATE, 1900: 10). A tarefa foi concluída em 1958, quando uma edição com as prolíficas inscrições de Uppland foi lançada.

No âmbito dinamarquês e norueguês, um pouco tardio em relação aos trabalhos suecos, cito o Danmarks runeindskrifter (1941-1942) e o Norges innskrifter med de

yngre runer (1941-). Como constatou Birgit Sawyer, as comparações entre materiais

encontrados em diferentes países foram bastante reduzidas; em alguns casos, ela é muito difícil ou impossível, com ênfase não só nas perspectivas regionais, mas nos interesses dos autores. Com exceção, no início do século XX, dos trabalhos de Lucien Musset e Klaus Düwel, quase não há tentativas de sistematização do material (SAWYER, 2000: 15).

De maneira geral, a segunda metade do século XIX e boa parte do século XX foi um período singular para o reavivamento das discussões sobre a origem das runas. A partir de leituras mais científicas, vários eruditos emitiram suas opiniões a respeito, com base em argumentos linguísticos, fonéticos e gráficos. Eis, assim, um resumo dessas discussões.

Para Ludvig Wimmer, a semelhança gráfica e dos sons dos glifos T e B (t e b) entre os alfabetos latino e rúnico seria uma prova da origem comum. Ademais, a derivação das runas f, r, b e m só são possíveis a partir dos caracteres latinos como

fonte. Ele atestou a origem total e direta da escrita rúnica ao alfabeto Imperial romano, ou seja, o alfabeto com letras maiúsculas, e o período de maior influência entre 0-200 d.E.c., quando grupos germânicos do Sul da Escandinávia entraram em contato com os romanos do limes (1884: 10-270).

Sophus Bugge defendeu uma origem também grega das runas, considerando tanto a questão gráfica de alguns glifos (―o‖ e o gr. Ω) e alguns sons (o fricativo g [X] e o gr. Χ[chi]). Nestes termos, os godos teriam sido vitais no aprendizado e posterior difusão das runas entre os povos germânicos (1865: 317-318; 1905-1913: 91-99).

Pouco depois, um pesquisador chamou atenção não só nos círculos acadêmicos, mas também em entre os antiquaristas. Em 1879 foi publicada a obra Gregos e godos:

um estudo sobre as runas (Greeks and Goths: a study on the runes) de Isaac Taylor

(1829-1901), um filólogo, toponimista e clérigo inglês. Educado em Cambridge, desde jovem Taylor demonstrou interesse e aptidão pela Linguística, em particular, pelas origens do alfabeto. Seu método, que envolvia a epigrafia, a paleografia e a filologia, seguia em grande medida as ciências indutivas, como o próprio estudioso afirmou (1883: 363).

―E, destes princípios‖, disse Taylor, ―o mais importante é a doutrina da evolução‖. Em seguida, ele informou que ―desses princípios, o mais importante é a doutrina da Evolução. A revolução científica, da qual Darwin foi um grande apóstolo, é rapidamente estendida para todos os departamentos do conhecimento humano‖ (1883: 363)122. Assim, num longo mecanismo de causa e efeito, seria possível estudar as