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Cristianização e interações desiguais na paisagem político-religiosa manx:

Ao retomar o caso da Ilha de Man, não se sabe se um ou vários skald atuavam nessa região. Mas o parâmetro apresentado outrora e a velocidade na adesão da fé cristã

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são certamente dignas de nota. Ademais, se a mudança na crença normalmente evoca uma transformação da alma, é preciso lembrar que ela envolve igualmente uma mudança no mundo ao redor.

Ao entrever as transformações nas paisagens insulares, é possível assumir, no palimpsesto teórico deste conceito, uma dimensão da crença ou fé. Nota-se, portanto, a existência de uma ―paisagem religiosa‖, que se sobrepõe e está ligada intrinsecamente a outras paisagens, como a política. A dimensão religiosa da paisagem, por sua vez, pode ser definida como

aspectos naturais, aspectos construídos, ou uma combinação dos dois. Alguns podem ser entendidos em termos de sagrado e profano, e outros não. Alguns agem como axis mundi, outros não [...] Paisagens religiosas tradicionalmente ligam o local ao cosmológico. Eles podem ser geograficamente fixos ou móveis. Sua escala pode abranger tanto um país, ou região, ou ainda um espaço familiar ritual [...] grupos podem tentar controlar a aparência física de um lugar específico, incluindo seu conteúdo simbólico e significado. E algumas paisagens religiosas, mas não todas, expressam primeiramente crenças religiosas (GEFFEN, 2005: 989)82.

O cristianismo, nestes termos, é uma religião que sacraliza espaços, seja a partir do túmulo dos mártires e santos, dos templos, na transladação de relíquias, da paisagem natural e dos espaços alheios pertencentes a outras religiões (HOWE, 1996: 63-66). Baer, ao mencionar o assunto, também ressaltou a importância da plena conversão do meio humano:

A conversão das pessoas está incompleta sem a conversão do espaço, do local e da paisagem. Os processos de aculturação, adesão e hibridismo,

sincretismo e a transformação dos conversos são acompanhados pela dimensão espacial da mudança religiosa. Se o governante da sociedade se

converte [...] ele [...] converte os espaços sagrados de outras religiões para a sua própria, incluindo as maiores e significantes estruturas localizadas na capital e nas principais cidades de seu estado, ou ele constrói novos edifícios celebrando e anunciando sua decisão pessoal [...] Quando as massas mudam de religião, isso ocorre em uma escala muito mais ampla, como quando todos os novos crentes e aqueles que completiram sua conversão requeressem espaços onde a recém-

82 ―Religious landscapes may be comprised of natural features, built features, or a combination of the

two. Some may be understood in terms of the sacred and profane, and some cannot. Some act as axis mundi, and some do not [...] Religious landscapes commonly link the local to the cosmological. They may be geographically fixed or mobile. Their scale may range from that of a country or region down to a household ritual space [...] groups may attempt to control the physical appearance of a specific place, including its symbolic content and meaning. And some religious landscapes, but certainly not all, express primarily religious beliefs‖.

encontrada fé pode ser articulada e demonstrada (BAER, 2014: 34. O

grifo é meu)83.

Vale ressaltar que o processo de conversão de espaços religiosos pode fomentar uma identificação reducionista e perigosa do culto dos santos como um mero substituto do culto de deuses não-cristãos (HOWE, 1997: 67)84. Porém, há uma relação da paisagem religiosa cristã com sacralidades mais antigas, como na famosa carta de Gregório Magno a Melito: os templos não-cristãos deveriam ser preservados, mas não os ídolos, e reempregados como espaço de culto cristão após serem aspergidos com água benta. Além disso, era preciso a construção de altares e a instalação de relíquias, de maneira que os fieis das antigas religiões percebessem seus erros e, a partir de então, adorassem o verdadeiro Deus (GREGORIUS MAGNUS. Epistola LXXVI - Ad

Mellitum abbatem; c.601).

A formação de uma paisagem religiosa cristã certamente precisa ser encarada como um processo de longa duração, mas que depende de frequente interação com a comunidade almejada, que compreende, explica e anima essas transformações na paisagem. Outrossim, ―cruzes monumentais, túmulos rurais e outras estruturas proclamam o território cristão‖ (HOWE, 1997: 71)85

.

Deste modo, é pouco crível que as representações nas cruzes da Ilha de Man estivessem articuladas com crenças não-cristãs de maneira direta, como nos casos dos montes tumulares existentes nas ilhas e produzidos antes do advento das cruzes financiadas por escandinavos. Para Wilson, a proximidade entre túmulos pagãos e cristãos não seria um sinal da rejeição deste tipo de funeral, mas a aceitação de que o

83 ―The conversion of a people is incomplete without the conversion of space, place, and the landscape.

The processes of acculturation, adhesion and hybridity, syncretism, and transformation of converts are accompanied by a spatial dimension of religious change. If the ruler of a society converts [...], he [...]

converts holy spaces of other religions to his own, including the most grand and significant structures located in the capital and major cities of his state, or he constructs new edifices celebrating and announcing his personal decision. [...] When the masses change religion, this occurs on a much wider scale, as all the new believers and those compelling their conversion demand spaces where the newfound faith can be articulated and demonstrated‖.

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Um argumento similar foi usado por William A. Chaney para os reis anglo-saxões. Nestes termos, o rei sacro pagão teria sido apenas substituído pelos reis santos; ―a natureza sacra da realeza [...] pode ter levado o povo a experar que Deus honrasse a stirps regia. A forma reconhecida disso na nova religião foi a santidade‖ (―The sacral nature of kingship [...] would lead the folk to expect God to honour the stirps

regia. The recognized form of this in the new religion was sainthood‖; CHANEY, 1970: 81). Robert Folz

e Frantisek Graus, por outro lado, rejeitaram tal continuidade, considerada como ingênua. Para um resumo do debate, ver: BIRRO, 2013b: 108-116.

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local era sagrado independentemente da crença adotada e apropriado para deitar os mortos de maneira geral (2008: 45-46).

No momento das cruzes e os depoimentos dos poetas demonstram como em poucos anos o quadro poderia mudar significantemente. É preciso reforçar ainda que as gravações foram feitas em cruzes, o símbolo cristão por excelência, o que implica na aceitação de proclamação paisagística de poder da religião dos nativos quando comparada ao legado cultural trazido pelos escandinavos em suas viagens atlânticas. Simultaneamente, a introdução de elementos sociais, econômicos e culturais inegavelmente da experiência nórdica, atestados pela toponímia, pelos montes tumulares, pela organização social em assembleias regionais e ―geral‖ (Tynwald), pelas representações pré-cristãs nas cruzes de pedra etc., passou de algo desconhecido, no período pré-colonização, para o topo da organização social, após a inserção desses grupos em solo manx.

Nota-se, assim, que do ponto de vista político, os modos e costumes escandinavos foram inseridos no topo da organização social insular, ainda que contasse com a participação das populações nativas, como atestam algumas inscrições rúnicas com nomes de indivíduos com raiz gaélica. O mesmo pode ser dito sobre os itens encontrados em funerais, que dispõe de indivíduos de origem ―céltica‖ e objetos produzidos na esfera do Mar irlandês (JESCH, 2015).

É possível ainda considerar que o cristianismo exerceu o princípio de interação

desigual na relação com as crenças pré-cristãs trazidas por parte dos novos habitantes

insulares, tal como ocorreu séculos depois na interação entre a Igreja e os povos indígenas na colonização da América:

não se pode ignorar a existência de formas variadas de interações desiguais entre o cristianismo e as culturas indígenas (esta expressão será preferível a sincretismo). A substituição dos lugares de culto e das divindades indígenas por santuários cristãos e figuras de Cristo, da Virgem ou dos santos é, na verdade, um fenômeno propício a uma rápida evangelização, mas ambíguo, pois ele favorece, ao mesmo tempo, a persistência de crenças antigas sob a roupagem cristã [...] A reinterpretação dos elementos cristãos em função das crenças indígenas é em geral imperceptível, mas conduz, por vezes, a mal- entendidos abertos [...] se o quadro geral dos cultos pré-hispânicos logo foi desarticulado, elementos parciais são mantidos de maneira oculta [...] A Igreja colonial procedeu a adaptações particulares, integrando em seus rituais certos aspectos da cultura indígena, admitindo algumas de suas formas de expressão [...] ou adaptando espaços arquitetônicos inéditos (BASCHET, 2006: 285-286. O grifo é do autor).

A preferência de Baschet por interações desiguais em vez de sincretismo se dá pelo uso sociológico do último termo, tal qual expresso por Baer: embora seja uma útil ferramenta teórica, sintetizada pela ideia de uma fusão de antigas e novas crenças na recriação de uma nova síntese, o termo sincretismo deixa em aberto até que ponto um desses elementos é dominante sobre o outro86.

Baer admitiu o uso privado e complementar de práticas anteriores (2014: 29), o que deixa implícita uma hierarquia entre primados religiosos sob interação em uma dada sociedade; mas a utilização não explícita pode suscitar uma ideia errônea de igualdade de condições entre diferenças manifestações religiosas, o que, no caso entre o cristianismo e as crenças e práticas pré-cristãs escandinavas, não parece perceptível, nem mesmo no depoimento outrora exposto pelos poetas de corte da Europa Setentrional do período estudado.

Em suma, o conceito de interações desiguais permite ainda a sobreposição e articulação de templos religiosos, de figuras religiosas, de objetos e locais de culto de diferentes religiões em condições hierárquicas, i.e., opondo realidades contrárias sem confundi-las (RICHARD, 2011: 18).

Tal primado fica bastante evidente ao retomar os mapas 3 e 4. Em ambos os casos, os monumentos de pedra e os túmulos com ornamentação e figuração não-cristã ou cristã giram em torno dos cemitérios cristãos e ermidas/paróquias (keeills) estabelecidos, como Moore afirmou, no mesmo período em que cemitérios pagãos foram erguidos (2012: 124-140). É preciso, porém, matizar a perspectiva de ―tumulto provocado pela chegada escandinava‖ defendida pelo arqueólogo, tal como proposto por Steinforth (2015b).

A inserção dessas cruzes no espaço de uso comum, tal como dos cemitérios na experiência cristã tardo-antiga (BROWN, 2013: xxxiii-xliii; BROWN, 2013: 33-34), preencheu a necessidade de elementos de coesão social convertidos em símbolos de identidade coletiva. Elas são, em essência, paisagens culturais comuns de uma população heterogênea em contato intenso (RUBIAL GARCÍA, 1998: 28).

Esta sacralização do espaço (RUBIAL GARCÍA, 1999: 56-61), portanto, formou um conjunto de santuários que pretendia estruturar o espaço e reorganizar o habitat tanto de populações ―celtas‖ quanto escandinavas na Ilha de Man. Como no caso

86 Um problema semelhante ocorre na utilização do termo aculturação, uma vez que este também ignora a criação de uma nova cultura a partir da mescla de diferentes elementos (ORTIZ, 1983: 86-90).

descrito por Jérôme Baschet quanto aos ameríndios (2006: 287), a sacralização do espaço concentrou a população manx por meio das ermidas/paróquias e cemitérios, sendo capaz de deslocá-las de seus antigos espaços e, simultaneamente, desestruturar as entidades territoriais anteriores, como os cemitérios de caráter eminente pagão produzidos pelos nórdicos.

Desta feita, a opção pela interação desigual permite um grau de permeabilidade nas interações hierárquicas. No nível social, escandinavos e ―celtas‖ relacionavam-se, ainda que a preponderância fosse destacadamente do primeiro elemento. Do ponto de vista religioso, no entanto, parece verossímil que o cristianismo tenha alcançado o topo do sistema hierárquico, ainda que admitisse a persistência de crenças antigas e mal- entendidos abertos (caso de Sighvatr), elementos parciais de maneira oculta, ou ainda a integração de elementos e a adaptação das imagens empregadas nos monumentos (túmulos e cruzes de pedra com figuração pré-cristã).

É igualmente admissível que o período de interação desigual mais intenso fosse entre a ocupação da ilha, na transição dos séculos IX e X, até 1020, período em que os monumentos de pedra deixaram de ser produzidos em quantidade. A interação desigual, assim, deve ser entendida em sua dimensão processual, não sendo encarada como uma transformação súbita.

Seria preciso, a partir desse panorama, reajustar o modelo dos estágios sociológicos da conversão propostos por Baer no caso manx, que frequentemente recaem nos limites entre duas etapas. Os estágios de adesão ou hibridismo, sincretismo e transformação ocorrem ao mesmo tempo frequentemente, pois é difícil discerni-los nas experiências históricas supracitadas, seja nos depoimentos literários, seja na dimensão da paisagem. Outrossim, a instalação de templos não seria uma marca da conversão completa dos indivíduos ou da sociedade, mas de uma interação desigual que ainda admitiria, por algum tempo, o hibridismo e o sincretismo, num processo de transculturação demarcado por grupos heterogêneos em diferentes circunstâncias.

Do ponto de vista político, é preciso considerar o que motivou determinados artistas a produzir e dispor representações figurativas aparentemente relacionadas ao heroi volsungo E em regiões tão distantes quanto Andreas, Jurby, Malew e Maughold/Ramsey, independentemente se elas estavam ou não conectadas entre si por relações sociais. Seja como for, a semelhança figurativa, a escolha de locais visíveis na

circunvizinhança, a aproximação com espaços religiosos legitimadores frente às disputas regionais despontam como estratégias de lideranças que tentam se valer de diferentes formas para reforçar seu status, prestígio, posses e poder.

Determinados temas e estilos figurativos e ornamentais, por outro lado, sugerem uma aproximação das elites da ilha, o reforço de uma simbologia e de formas de se expressar na paisagem. Tal relação mais próxima construída paulatinamente pode ter colocado artistas que serviam a determinados líderes insulares a produzir monumentos parecidos como forma de expressar de maneira mais concreta as relações familiares e/ou políticas vigentes na Ilha de Man durante os séculos X e XI.

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É interessante notar como um grupo relativamente reduzido de monumentos em uma localidade pouco conhecida da Europa Setentrional pode produzir uma reflexão tão profícua e fecunda sobre a colonização, a interação, a cristianização e a organização social dos escandinavos durante a Era Viking. Mas, uma vez exaurida a possibilidade de conclusões maiores por esta via, parece frutífero, salutar e saudável perscrutar outra abordagem. Ainda que pareça muitas vezes tangencial, ela se mostrou muito útil para entender a construção da erudição em torno da experiência nórdica na Ilha de Man, de Sigurðr e seu possível legado nas Ilhas Britânicas e do próprio desenvolvimento dos estudos escandinavos de maneira geral.

Capítulo 2

A RUNOLOGIA E SEU IMPACTO NA ERUDIÇÃO SOBRE

AS CRUZES DE PEDRA DA ILHA DE MAN

Na introdução da obra Cruzes Manx (Manx Crosses, 1907), Philip Moore Callow Kermode (1854-1932), talvez o mais notório estudioso dos monumentos em pedra da Ilha de Man, apontou que a fundação da abadia de Rushen na primeira metade do século XII tinha sido um grande passo para a Igreja insular. A natureza da construção, porém, seria naturalmente oposta ao conjunto de monumentos não tão peculiar para uma igreja nativa; ―e especialmente para as inscrições em runas‖, continuou ele, ―as quais tinham um sabor de paganismo‖ (1907: 6)87.

A citação não foi casuística ou pincelada ao acaso. Ao observar com atenção a argumentação de Kermode e de seus sucessores, percebe-se que o estudo das runas em voga na época também serviu para que esses pesquisadores lançassem hipóteses sobre quando a ilha foi colonizada, de onde esses colonizadores vieram, no que eles acreditavam e o que eles trouxeram de suas terras ancestrais. Entre essas tradições, estariam, para Kermode e outrem, as estórias e feitos de Sigurðr Fáfnisbani, contadas ao calor do fogo em noites invernais e transmitidas oralmente através do tempo.

Assim, uma introdução sobre este campo pode ajudar a entender as bases epistemológicas e argumentativas deste antiquarista para recompor a história local, mas também dos estudos das runas antes dele, em época e até a atualidade. Elas também serão úteis para entender como ele chegou a determinadas conclusões e quais foram as razões para tanto. Por fim, um balanço dessa natureza é útil para sinalizar opções teóricas, metodológicas e abordagens neste estudo de caso.

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De fato, definir qual a abrangência do estudo das runas é uma tarefa difícil. É possível elencar contribuições da Linguística, Filologia, Paleografia, Arqueologia, Estudos Culturais, Ciência da Religião, Direito, Literatura, História da Arte, Mitologia,

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Criptografia88 e Ocultismo89 (BARNES, 2010: 1). Logo, se trata de um ―termo guarda- chuva‖ (BARNES, 2012: 7). Mas como concatenar tantos elementos disparatados? Seria a runologia uma disciplina própria? Para ser mais específico, o que são as runas e a runologia?

As runas são um sistema alfabético de escrita usado para registrar memórias. Diferente do que o senso comum pressupõe, alguns povos germânicos e os escandinavos não eram iletrados, pois dispunham de um modo de escrita com um alfabeto chamado rúnico; cada letra, por sua vez, chamava-se runa. A forma de escrita diferia da nossa, pois usava símbolos fáceis para gravar (ou inscrever) em superfícies rígidas; a principal estrutura era o ―bordão‖ (stav), i.e., o traço vertical característico da escrita fuþark. Tal método, além de simples, era barato e conveniente (PAGE, 1987: 7).

Porém, a simplicidade tinha seu preço: embora fosse fácil gravar um pedaço qualquer de madeira de pouco mais de 20cm com a extremidade de uma faca, havia um limite para o tamanho da mensagem gravada. As runas foram, sem dúvida, um método prático para memorizar e legar ao futuro pequenas informações, ou enviar mensagens. Também não havia uma gramática, o que implicava em diferentes padrões, simplificações, erros na gravação; também é preciso mencionar as deteriorações provocadas pela ação do tempo, entre outras variáveis, como as interpretações exageradas. Assim, há duas ―leis da runodinâmica‖, i.e., ―para cada inscrição, haverá tantas interpretações quanto runólogos estudando-a‖ (McLEOD, 2006: 1-3) e ―se você não entende, é porque ela [a inscrição] deve ser mágica‖ (BERKHOUT; PARSONS; WILSON, 1995: ix).

Algumas teorias sugerem que o alfabeto rúnico foi criado em torno do nascimento de Cristo após o contato dos povos germânicos com culturas letradas do Sul, mais especificamente com o alfabeto latino, grego, ou etrusco/norte da atual Itália. Durante a Era Viking e o período medieval, houve uma tendência de apontar a ―origem

88 A criptografia ou criptologia é o estudo dos métodos de transmissão de mensagens de maneira codificada. Alguns princípios das ―runas cifradas‖ (cf. a seguir) tem sido discutidos para resolver problemas contemporâneos, como as estratégias de segurança de assinaturas eletrônicas (ROEBUCK, 2012: 82-83).

89 O ocultismo ou ciência oculta, em termos filosóficos, aproveita-se de Schopenhauer para definir seu objeto como a ―natureza interna‖ das coisas, enquanto a ―natureza externa‖ ficaria sob responsabilidade da Ciência (SCHOPENHAUER, 1844; OLCOTT, 2011: 198-214). A inserção do Ocultismo não significa um reconhecimento desta como um conhecimento científico válido ou não, tema que foge do escopo desta pesquisa. Meu propósito é rememorar os estudos de viés místico/oculto que, em maior ou menor grau, motivaram e motivam algumas pesquisas sobre as runas.

divina‖, como nas mensagens das runas de Noleby e Sparlösa em Vastergötland, ou no poema éddico Hávamál. Em todos esses textos a criação do alfabeto esteve associada ao deus Óðinn (KNIRK, 1993: 545).

Ao partir para a perspectiva da Linguística, a palavra *rûna (proto-indo- europeu) pode ser atestada no círculo germânico com os seguintes significados: do gótico rūna (―consulta, decisão‖), do nórdico antigo rún (―mistério, sabedoria secreta‖), do saxão antigo rûna (―conselho, discussão‖) e girûni (―segredo‖), do Alto alemão antigo rûnôn (―sussurrar‖). Fora da esfera germânica, a palavra adquiriu no finlandês o sentido de ―canção mágica ou encantamento‖ (GREEN, 1998: 255).

Graças à perspectiva etimológica, alguns especialistas acreditam que as runas dispunham de características cúlticas, conquanto apenas alguns registros transpareçam tais qualidades. A perspectiva mágica é similar, uma vez que há referências literárias, principalmente nas sagas, mas pouca evidência epigráfica para corroborar com ela. A magia dos números, por sua vez, encontrou adeptos, mas não há qualquer relação no passado entre as runas e os números. A perspectiva simbólica também caminha nesse sentido: as interpretações dadas não são genuínas, mas um marco do fenômeno New

Age contemporâneo90. Para boa parte dos eruditos, a utilização para a comunicação cotidiana parece ter sido prioritária, permitindo usos ocasionais para fins mágicos e