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Breve levantamento geográfico e dos recursos naturais da Ilha de Man

A Ilha de Man é uma pequena porção de terra no Mar da Irlanda, entre a atual Inglaterra e Irlanda. Apesar das diminutas dimensões – aproximadamente 50km de comprimento, 20km de largura e 572km² –, ela teve um papel estratégico durante a fase das incursões escandinavas medievais: praticamente centralizada no mar, a Ilha de Man dista apenas 30km de Galloway, 50km da Cúmbria, 60km de Ulster e 80km de Anglesey, sendo visível a olhos nus dessas localidades (DUFFY, 2010).

Por estas razões ela foi apelidada de ―ilha do meio‖. Sua forma alongada, orientada para NNE e SSO, dispõe de uma cadeia diagonal de montanhas que vão do Nordeste da ínsula ao Sudoeste, terminando abruptamente no mar. Seus pontos mais altos são o monte Snaefell (621m) e os montes Barule do Norte e do Sul (561m e 483m, respectivamente) (QUINE, 1911: 5-6).

Há ainda outros sete pontos (ou picos) entre 480m e 305m. As montanhas são arredondadas e não íngremes, e é possível acompanhar toda cadeia montanhosa em zigue-zague do topo do monte Barule17 do Norte. De maneira geral, há pouquíssima presença arbórea, com predominância de gramíneas como cobertura vegetal (DAVIES, 1956: 97-100). Originalmente havia uma cobertura de árvores de médio porte nas terras

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altas, mas tudo leva a crer que as primeiras levas de escandinavos na ilha (c.870) desmataram-nas e essa cobertura vegetal nunca foi recuperada (WILSON, 2008: 16).

As porções de terra são banhadas por doze rios, diversos riachos e fontes. O maior é o Sulby (17,6km), além de outros que desembocam nas atuais Douglas, Peel e Castletown, com aproximadamente 14km cada (Glass, Baldwin, Neb, Dhoo e Silverburn). Adjacente à ilha principal há outras ilhotas, como a Ilha de Calf, a Ilha de São Patrício e a Ilha de São Miguel. Havia outra ilha, agora desaparecida, no delta do Ramsey, chamada de Ilha de Hrafn (QUINE, 1911: 10).

Além da montanha, a ilha é entrecortada por vales estreitos, provavelmente cavados pela força dos rios que nascem entre os morros. Há ainda um grande vale central, apelidado de ―falha de Greeba‖, que corta a ilha de Leste a Oeste, tendendo levemente ao Sul, escavado provavelmente pelos rios Neb e Dhoo com o passar do tempo. É possível, assim, designar a cadeia de montanhas como Sul e Norte, tendo o vale como divisor. Há ainda uma ampla região plana ao Norte, que cobre quase 20% da Ilha de Man (DAVIES, 1956: 99).

Mapa 1 - mapa topográfico contemporâneo da Ilha de Man. Fonte: Gaba (2007).

As análises geográficas e geológicas da ilha oferecem informações que facilitam a compreensão da ocupação da ilha, de sua organização política e dos principais centros de poder. Em primeiro lugar, os rios Dhoo e Neb separavam a ilha em duas partes durante a Era das Glaciações, o que formou posteriormente a ―Falha‖ ou Vale de Greeba, ocupada pelos respectivos rios e por vales. A foz do Dhoo proporcionou, com o decorrer de milhares de anos, uma fértil planície aluvial (CHIVERREL, 2002: 4-5).

O mesmo não ocorreu com o Neb, uma vez que a foz deste rio deságua no lado Leste da ilha, onde uma forte corrente marítima afasta os sedimentos. Mais ao Sul, Malew também foi o cenário de glaciações, o que proporcionou o grande plano que cobre a parte mais meridional da ilha (CHIVERRELL, 2002: 4-5).

Outra região formada pela combinação da glaciação e da ação dos sedimentos dos rios foi a planície no extremo Norte da ilha, que deu origem à região pantanosa e

rica em turfa, além da porção mais fértil da ilha até a atualidade. Esta fértil planície aluvial, provinda da erosão aluvial da cobertura de gelo invernal, forma, em última instância, milhas de praias de areia, fruto dos sedimentos rochosos (CHIVERREL, 2002: 5; WILSON, 2008: 16).

O trabalho milenar dos rios e riachos fez da região a mais cobiçada pela ocupação humana: de fato, há evidências de produção cerealífera na região desde 4.000 a.C., com ampla ocupação no Mesolítico (c.8500 a.C.) e na Era de Bronze (c.1800-1700 a.C.). A porção Sul, por outro lado, tem o solo duro e menos fértil, ainda que a base calcária do Sudeste seja arável em termos menos favoráveis que o norte (DAVEY, 2002: 91-92).

A Geografia é especialmente determinante para a ocupação manx. De fato, os locais mais habitados historicamente são basicamente os mesmos, situação notada também pelo reaproveitamento de promontórios como fortalezas e espaços funerários entre 1000 a.C. até 1500 d.C. (MOORE, 2005: 95).

Para além da perspectiva axial da ilha em relação ao Mar da Irlanda, ressaltar a fertilidade do solo é fundamental para compreender sua relação com as regiões vizinhas e seu atrativo para ocupação. Nota-se uma aparente continuidade do modo de vida agricultável até a chegada dos escandinavos na ilha, no final do século IX, quando novas técnicas, animais e tipos de plantio foram introduzidos (WILSON, 2008: 17).

Comparada com outras ilhas, Man é extremamente fértil: em c.1500, a produção cerealífica alcançava onze grãos para cada grão plantado, escala sem igual na região, assim como a proporção de solo arável em termos absolutos (c.50%). A pequena população da ilha permitiu precocemente a autossuficiência de grãos, bovinos e ovinos passíveis inclusive de exportação. A Ilha de Man também dispõe de bons depósitos de cobre, prata, zinco e chumbo (DAVEY, 2002: 87).

Há sinais de aragem do solo com bois e artefatos como rastelos durante a Idade Média, os indicadores dos moldes de produção agrária manx. Pobre em estradas durante o mesmo período, as trilhas, seguidas principalmente a pé, mas acompanhadas pelo pônei manx, extinto no século XIX, serviam como ―tropas‖ de animais, úteis para o transporte de cargas e produtos de uma extremidade da ilha para outra, não sendo empregados para o transporte humano. Os cavalos de montaria foram o apanágio dos

ricos, pois a manutenção desses animais foi, como em todo período medieval, um privilégio dos abastados (WILSON, 2008: 103-104).

As fontes de subsistência mais expressivas são a pesca, bastante rica na ilha, além de aves marinhas e selvagens, como o pato e o ganso, tal como a crianção de galinhas. Ovos desses animais em pequenos ninhos nas proeminências rochosas da Ilha também podem ter colaborado para complementar a dieta. Ossos carbonizados de gado, cavalos, ovelhas, cães e porcos sugerem uma dieta variada em proteínas (WILSON, 2008: 104).

Outro elemento que vale a pena destacar sobre Man são as correntes marítimas que circundam a ilha, hostis aos navegantes, traidoras e de difícil atracação. Boa parte da costa manx é marcada por falésias que se projetam para o Mar da Irlanda, tanto na costa Leste quanto na Oeste. Algumas praias e ancoradouros, porém, permitem a aportagem, o que reforça o papel central da ilha nas relações humanas no mar que une as Ilhas Britânicas. Assim, a escolha dos locais mais habitáveis e propícios para fins agropastoris e os portos fizeram com que Man fosse um hub, ou seja, um ponto nodal precoce entre diferentes grupos que habitavam o Mar da Irlanda (MOORE, 2005: 99).

É perceptível pela topografia da ilha que uma parcela considerável do litoral Sudoeste, nas proximidades de Barule do Sul, e do litoral Nordeste, próximo do Barule do Norte, é de regiões escarpadas e de difícil ancoradouro. O Sudeste da ilha, por outro lado, é mais plano a partir do litoral, até tocar a parcela meridional da cadeia de montanhas que atravessa a ilha ao meio.

A menor disponibilidade de portos naturais certamente tornou algumas regiões mais atrativas que outras. Ademais, é preciso correlacionar os possíveis ancoradouros de barcos com a capacidade produtiva da ilha. Se rapidamente a Ilha de Man alcançou sua autossuficiência e passou a exportar produtos agrícolas e da pecuária para outras regiões do Mar da Irlanda, as plagas com planícies e portos naturais foram naturalmente as mais cobiçadas e valiosas no contexto insular.

De fato, esse imperativo geográfico permanece até a atualidade. Os principais centros populacionais da ilha (Castletown, Douglas, Peel e Ramsey) estão nos leitos do Neb, Dhoo, Silverburn e Sulby, escavados ou formados pela concentração de sedimentos após milênios, regiões que, pela ação fluvial, tornaram-se mais fertéis e constantemente fertilizadas. Em menor escala, o mesmo pode ser dito sobre a paróquia

de Kirk Michael, abastecida por um dos pequenos rios que fluem da cadeia de montanhas para o litoral.

Por outro lado, Andreas, Jurby e Maughold apresentam outra disposição. As duas primeiras estão localizadas na planície norte da ilha, fértil e pantanosa, em áreas levemente mais altas em relação ao redor: a região Norte, fruto da sedimentação marítima, do Sulby e de outros riachos que fluem da cadeia Setentrional de montanhas da ilha, é particularmente atingida por chuvas intensas e marés, o que provoca alagamentos rapidamente, seja por ação marítima ou fluvial.

Maughold, por outro lado, não é abastecida por rios de porte, mas surgiu como uma planície quase ao nível do mar pela ação das correntes marítimas que circundam a ilha. Aqui a questão marítima, sobretudo pela ação das correntes e ondas no Mar da Irlanda, deve ser considerada com especial atenção: há diversos perigos naturais nas cercanias da Ilha de Man, como ventos fortes, mar bravio e neblina densa, provocados pela ação combinada dos ventos e das correntes, que tendem a girar em torno de si ao Sul da ilha (MOORE, 2005: 99-100).

É notável, por exemplo, que um navegante no sentido Norte-Sul, ao cruzar o estreito de Moyle (ou Mar de Moyle), entre a Irlanda e Escócia, será lançado na costa da Ilha de Man pela ação das águas e, posteriormente, na costa Leste da Irlanda (entre Dublin e Dundalk) e da costa Oeste da Inglaterra (entre St. Bees e Holyhead), antes de seguir para o Sul, fazendo da ilha uma espécie de ―parada obrigatória‖, reforçando seu apelido de Ilha do Meio (McGRAIL, 2001: 169-170).

Esse conjunto de características, que fazem jus ao apelido de ―Ilha do Meio‖, pode produzir a sensação que a Ilha de Man seria digna de particular atenção entre os autores do período antigo e medieval. Vejamos, assim, quais depoimentos foram produzidos e como ocorreu a ocupação da região.

1.2. “A história manx é a história das nações vizinhas”18

: o contexto histórico da Ilha de Man

Apesar da ocupação milenar da Ilha de Man, a maior parte dos historiadores partiu de referências textuais presentes em fontes gregas e latinas (WILSON, 2008;

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KNEALE, 2006; MOORE, 2005)19. Nestes termos, Cláudio Ptolomeu (sécs. I-II d.C.) batizou a ilha de Μονάοιδα (Monaoida, Geografia, II, 2, 12); Plínio (Naturalis Historia, IV, 30) apelidou-a de Monabia; Paulo Orósio (Historiae Adversus Paganus, I, 2), Jordanes (Getica, I) e o Pseudo-Aetico Ister (Cosmographia) chamaram-na de Meuania ou Euania. Apesar da semelhanças, porém, é impossível ter certeza se os autores desses termos referiam-se de fato ao local ou a ilhas ou regiões próximas (KNEALE, 2006: 676). Dentro da tradição latina, termos como Monavia (que também alude a Anglesey, no País de Gales) e Menappi (povo celta continental de costumes marítimos) também podem apontar as possíveis indicações precoces da ínsula na literatura (MOORE, 2005: 97).

As referências, porém, são parcas. O Pseudo-Aetico Ister mencionou a presença de pictos e hibernos tão somente, mas os demais apenas registraram a existência do pequeno arquipélago formado pela ilha principal, Peel, São Patrício e outros pequenos promontórios que formam a atual Man. Se algum grego ou romano pisou ou ocupou a ilha, não foram deixados registros ou encontrada nenhuma evidência material que exponha tal circunstância.

De fato, um dos problemas ao produzir um estudo mais detalhado sobre a Ilha de Man é a falta quase completa de informações textuais até o ano 1066, momento em que o autor da Crônica dos reis de Man e das ilhas (Chronica Regum Manniæ et Insularum, c.1263) usou como ponto de partida para maiores informações. As citações irlandesas, galesas e escandinavas também são raras e escassas. É preciso, portanto, lançar luzes sobre a história manx a partir do cotejamento entre as menções em textos de regiões vizinhas e os artefatos arqueológicos locais.

A erudição atribui o nome da ilha ao deus do mar Manannán mac Lir (―filho do Mar‖). A tradição sobre Manannán está mais bem assentada nas três variantes do

Compert Mongáin (A concepção de Mongán, séc.VIII), que versam sobre o príncipe

irlandês de Cruthin e sua adoção pelo deus do Mar, e no Immram Brain (A viagem de

19 As razões da preferência pelos textos na produção histórica da Ilha de Man estão indicadas nos capítulos 2 e 3 desta tese. Ademais, como esta tese concentra-se em um conjunto estrito de cruzes de pedra dos séculos X e XI, não faria sentido elaborar uma narrativa pormenorizada do período anterior à chegada dos escandinavos na ilha, tal como uma narrativa histórica a partir das evidências materiais deixadas pelos homens que viveram ali nesta etapa. Seja como for, para mais informações sobre esta fase, cf. BELCHEM, 2013.

Bran, sécs. VII-VIII), do mesmo século, uma narrativa do personagem homônimo

noutro mundo.

Neste último texto, Bran mac Febrail20 chegou ao litoral pela manhã e tomou as águas. Após dois dias e duas noites, ―ele viu um homem numa carruagem vindo em sua direção sobre o mar. Aquele homem também cantou trinta outras quadras para ele, e fez-se conhecer a ele [Bran], e disse que ele era Manannan, filho de Ler, e que ele deveria ir para Irlanda após longas eras, e que um filho iria nascer dele‖ (Imram Brain, 32)21.

No Compert Mongáin, por sua vez, o deus-navegante profetizou sobre sua futura visita, quando deixaria o status mortal para unir-se a uma mulher e engendrar um filho virtuoso e heroico, o futuro Mongán. Como em outras narrativas de viés mitológico, ele informou sua verdadeira identidade e a situação excepcional da criança que iria nascer.

Conforme Charles MacQuarrie, outros textos irlandeses contemporâneos como o

Sanas Chormaic (O Glossário de Cormac, c.860-908) e Tochmarc Luaine (O cortejo de Luan, sécs. XII-XIII) sugerem que Man significava originalmente ―a pequena [ilha] de

Man[annán]‖, isto é, a morada da entidade marítima. De maneira geral, os anais irlandeses que mencionam a ilha tratam esporadicamente de líderes ambiciosos que intencionam conquistá-la, conquanto a maioria dos contos mencione mais suas perspectivas mágicas, deíficas e o caráter de isolamento do que a complexa dinâmica política irlandesa em época. Seja como for, Man era evocada ora como o próprio Deus, personificando Manannán, ora como a morada deste (2006: 678).

Outro mito da criação da Ilha de Man faz referência ao lançamento de pedras pelo gigante heroico irlandês Fionn MacCumhaill no mar que separa a antiga Hibernia da Britania. Com o passar do tempo, a ilha foi ocupada e governada por diferentes homens, até a chegada do deus-rei Manannán, que teria sido o responsável pela primeira unificação política regional. Seja como for, não há dúvidas que, do ponto de vista histórico, a ilha fez parte de um reino britânico, ou seja, dos antigos habitantes ―celtas‖ das Ilhas Britânicas (MOORE, 2005: 93-94).

20 Bran mac Febrail é uma figura mitológica na antiga literatura irlandesa. Ele foi rei de Mag Febail e teria viajado para outro mundo, denominado como ―Terra das Mulheres‖ (MaC MATHÚNA, 2007: 237- 238).

21 ―Ó robói dá lá ocus dí aidchi forsin muir, conacci a dochum in fer isin charput íarsin muir. Canaid in

fer hísin dano trichait rand n-aile dóu, ocus sloindsi dóu ocus asbert ba hé Manannán mac Lir, ocus asbert bói aire tuidecht i n-Érinn íar n-aim-seraib cíanaib‖ (MEYER, 1985: 3-35).

Os habitantes do entorno do Mar irlandês dispunham de noções que enfatizavam o caráter misterioso das ilhas entre a Irlanda e a Britania, como algumas referências da Antiguidade permitem sugerir. Os irlandeses acreditavam que algumas de suas deidades, como Manannán e seu pai, Lir (ou Ler) residiam no Mar da Irlanda (DUFFY, 2010; HUDSON, 2005: 56).

Conforme Duffy, a ilha foi inicialmente ocupada na Era do Ferro (c.500a.C.- c.400d.C.) por britônicos falantes do céltico-P (de onde deriva o galês moderno), até que um influxo de habitantes goidélicos da atual Irlanda, falantes do céltico-Q (como o gaélico), dirigiu-se para Man. Acredita-se que a língua manx deriva deste último grupo (DUFFY, 2010), mas a disputa teórica é acirrada e inconclusiva (WILSON, 2008: 100). Durante o período de ocupação ―celta‖ de Man, destacam-se a metalurgia e construções domésticas, tal como uma intensificação dos assentamentos também no primeiro milênio a.C. Apesar desse componente humano, é difícil determinar a língua, exceto seu pertencimento ao grupo gaélico (MOORE, 2005: 97).

Ainda que Roma tenha ignorado a Ilha de Man e a Irlanda, há esparsas referências a líderes externos que provavelmente governaram a localidade: os reis de Leinster (Leste da Irlanda), Rheged (Noroeste da Inglaterra) e Gwynedd (Anglesey) teriam governado alternadamente entre os séculos VI e VII, e este último reino provavelmente esteve em aliança com os primeiros habitantes manx entre os séculos VII e IX. Ao ponderar sobre essas referências, a posição estratégica insular no Mar da Irlanda mais uma vez não deve ser ignorada, tanto do ponto de vista político quanto religioso (MOORE, 2005: 97).

A conversão dos manx ao Cristianismo foi atribuída, conforme Muirchú (séc.VII), a dois pregadores, Conindro e Rumilo, pretensamente bispos, que habitavam a ilha. Em algum momento do século V eles teriam recebido um seguidor de Patrício, que foi tomado como filho na fé dos primeiros cristãos22. Assim, ele se tornou bispo da ilha, como legado de seus mentores espirituais, além de conectar espiritualmente a Ilha de Man com a Irlanda (MUIRCHÚ. Vita sancti Patricii, I.23; HUDSON, 2005: 57).

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Da navegação, há relatos do século IV de viajantes da Bretanha celta que se dirigiam para a Irlanda e o Mar homônimo em viagens de dois dias. É provável, pelos barcos encontrados em escavações arqueológicas, que já no século VI viagens marítimas com uso de velas em vez de remos fossem realizadas (McGRAILL, 2009: 206-211). Estas embarcações foram certamente usadas durante as navegações dos missionários que agiram no Mar da Irlanda.

Apesar do contato mais íntimo com Gwynedd, é verossímil que a Irlanda tenha sido a origem da cristianização da ilha vizinha. Maughold, por exemplo, abrigou uma igreja do século XII erguida sobre um mosteiro do século VII. Outrossim, inscrições em

ogham23 referem-se a líderes galeses e irlandeses. Do ponto de vista da escultura, a Ilha de Man esteve conectada com Gales (MOORE, 2005: 98).

Apesar da escassez de indícios, a região parece ter sido disputada por religiosos das atuais Irlanda, Escócia e Northúmbria muito antes da chegada dos escandinavos (c.800). A precocidade de Maughold como centro religioso, como atestam as cruzes memoriais com inscrições latinas ao redor do prédio religioso, fica evidente pelas fundações religiosas mais antigas encontradas na ilha (WILSON, 2008: 18). A presença de quase 200 capelas/ermidas de pequeno porte do mesmo período espalhadas pela Ilha de Man, conhecidas como keeills, sugere tanto a prática do monasticismo típico de raiz irlandesa quanto algum tipo de autoridade religiosa regional (DUGDALE, 2000; MOORE, 2012).

Nestes termos, conforme algumas inscrições em ogham, havia bispos atuando na ilha desde o século VIII. As referências textuais posteriores produzidas por homens da Igreja mencionam cidades, algo que não foi constatado pelas escavações arqueológicas. Assim, é provável que as ―cidades‖ mencionadas nestes textos fossem mosteiros, já que a organização da igreja local foi empreendida por um abade que atuava como bispo, nos moldes irlandeses24. Além das inscrições, também há sugestões toponímicas como stafflands e menções em documentos latinos tardios as terrae baculi, ou seja, que enfocam a importância do cajado pastoral como símbolo e relíquia (ASHLEY, 1958: 6)25.

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O ogham (ou ogam) é um antigo sistema de escrita empregado pelas populações ―célticas‖ das Ilhas Britânicas entre os séculos I-IX. Essa escrita é caracterizada por incisões sobre superfícies duras em formato de linhas. Ele é encontrado em monumentos de pedra principalmente na Irlanda e Gales, mas também na Inglaterra, Ilha de Man, Escócia e Shetland. Para mais informações sobre o ogham, cf. MacMANUS, 1991.

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As cidades irlandesas, oriundas da influência escandinava, estão relacionadas com comércio, jurisdição, cerimônia e poder de alcance relativo. Conquanto a maioria dos mosteiros regionais dispusesse de estrutura proto-urbana, como áreas de oficinas e ruas, tudo leva a crer que o comércio dos itens desenvolvidos nestes centros religiosos estivessem circunscritos aos anseios de seus bispos e/ou abades, i.e., a esfera de alcance era bastante reduzida (HOLM, 2000: 251-252).

25 É notório que os escandinavos introduziram cidades no contexto nas regiões sob influência céltica até então. Ashley Ashley indica que a palavra cidade, neste contexto, aponta para um centro eclesiástico com certa concentração populacional, atestada pela presenta de material arqueológico (1958: 5).