3. PRINCÍPIOS – ALICERCES DA NEGOCIAÇÃO
3.4 Princípios peculiares da Negociação
3.4.2 A cooperação (entre as partes)
Instaurado o contraditório, as partes não devem deixar de cooperar mutuamente, nem abrir mão do ânimo de negociar. ESTHER SÁNCHEZ TORRES assevera inclusive que as partes têm o dever de negociar, isto porque este dever é um dos suportes instrumentais da negociação coletiva e participa indiretamente na obtenção efetiva de valores superiores do nosso ordenamento jurídico: a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo220. Ademais, essa cooperação no intuito de dever negociar,
215
SILVA, Otávio Pinto e. A contratação coletiva como fonte do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 90
216
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito : Técnica, Decisão, Dominação. 4. ed. São Paulo : Atlas, 2008. p. 61
217
Maiores detalhes sobre a natureza jurídica da Negociação ver o Capítulo 6.
218
PINTO, José Augusto Rodrigues Pinto. Op. Cit. p. 189.
219
Id. Ibidem.
220
TORRES, Esther Sánches. El deber de Negociar y la Buena Fe en la Negociación Colectiva. n. 78. Madrid: CES (Consejo Económico y Social), 1999. p. 26/27. (Tradução Nossa). (“Resulta evidente que el deber de
negociar, como soporte instrumental de la negociación colectiva, participa indirectamente en la consecución efectiva de los valores supriores de nuestro ordenamiento jurídico: la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo.”)
destaca a autora como um “[...] mecanismo superador e integrador del conflicto y, en
definitiva, ordenador de al democracia industrial.” 221
Neste sentido, o princípio da cooperação ou dever de negociar pode ser conceituado como sendo
[...] aquel deber de contenido dual, impuesto legal o convencionalmente, a través del cual se pretende incidir de forma indirecta en el sistema de regulación de las condiciones de trabajo y, cualitativa e directamente, en el proceso mismo de negociación, de forma que mediatizando la conducta de las partes legitimadas intervinientes, se facilite la consecución de um acuerdo o su correcto y efectivo desarrollo.222
Portanto, o princípio da cooperação ou dever de negociar, se desenvolve através de (1) o comparecimento e formação das mesas de negociação; (2) a motivação, exercida por debates realizados anteriormente nos respectivos setores, para a formação da pauta; (3) um dever de interpretação sincera e coerente, por parte dos agentes envolvidos, no tocante à interpretação das leis orçamentárias e limitações práticas existentes; (4) e por fim, um dever de predisposição no desenvolvimento do processo de negociação223.
Certamente que intrínseco nos sentimentos de motivação, predisposição e dever de interpretação sincera e coerente que compõem o princípio da cooperação no complexo ato negocial, encontra-se também, de forma indiscutível, a presença da boa-fé224. Embora se creia que o comportamento ético estará presente em todo momento no desenvolvimento da relação negocial, não é demais ressaltar, nas palavras de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que
[...] tanto nas tratativas (responsabilidade pré-contratual), como na consumação e na execução (responsabilidade contratual), bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional), sujeitam-se ao ditames da boa-
221
TORRES, Esther Sánches. Op. Cit. p. 27 (“[...] mecanismo superador e integrador do conflito e, em
definitivo, organizador da democracia industrial.” – tradução nossa).
222
“[...] aquele dever de conteúdo duplo, imposto legal ou convencionalmente, através do qual se pretende
incidir indiretamente no sistema de regulação das condições de trabalho e, qualitativa e diretamente, no âmago da negociação, de forma que mediando o comportamento das partes legitimadas envolvidas, seja um facilitador da obtenção do acordo ou o seu desenvolvimento adequado e eficaz.”.TORRES, Esther Sánches. Op. Cit. p. 53
223
TORRES, Esther Sánches. Op. Cit. passim.
224
No texto, o termo “boa-fé” refere-se a boa-fé objetiva, ou seja, “as partes devem guardar entre si a lealdade
e o respeito que se espera do homem comum” (STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de
fé objetiva como fator basilar da interpretação do negócio e da conduta negocial.225
No tema em debate, por se tratar de uma relação negocial com o Estado, o qual possui na Constituição sua espinha dorsal, a boa-fé, como representante direta da ética, possui importância indiscutível. Com efeito, na Carta Magna brasileira, promulgada em 1988, percebe-se facilmente sua predisposição para implantação do Estado Democrático de Direito sob pilares éticos, principalmente quando de forma expressa destaca a moralidade como um de seus princípios fundamentais.
Neste sentido é que, com muita sabedoria, CELSO RIBEIRO BASTOS, em comentário ao art. 37 da CF/88, destaca que
[...] a lei não deve ser apenas o fruto de uma vontade captada no órgão de representação popular, mas deve tender à realização da justiça. Em outras palavras, a lei passa a ser identificada não apenas pelo seu processo formal de elaboração, mas também pelo seu conteúdo.226
Portanto, o dever de negociar em boa-fé se apresenta como indispensável, a fim de evitar uma negociação simulada ou formal, bem como, o afastamento de condutas fraudulentas ou abusivas227. Pelo contrário, a boa-fé se apresenta exatamente como o instrumento vital para o amadurecimento do modelo de gestão administrativa estatal, indicada na CF/88, o qual vai utilizar a autonomia da vontade coletiva para que se garanta e se consolide o exercício da autocomposição.
Por conseguinte, a imposição às partes de uma cooperação, ou nos dizeres de ESTHER SÁNCHEZ TORRES, o dever de negociar, é sem dúvida um dos pilares para formação do pacto coletivo, para, inclusive, serem superados aparentes percalços, fator extremamente importante no tocante à Negociação Coletiva com o Estado, isto porque, agora em 2010 foi ratificada pelo Brasil a Convenção da OIT n.º 151, que trata especificamente da negociação coletiva com servidores públicos.
3.4.3 A IGUALDADE (DOS NEGOCIADORES)
225
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Boa-fé e processo: princípios éticos na repressão à litigância de má-fé –
papel do juiz. Revista Autônoma de Processo. Curitiba: Juruá, n.1. out/dez. 2006. p. 327/328
226
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. v. III. t. III . São Paulo: Saraiva, 1992. p. 11
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