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Negociação coletiva de trabalho com o estado: da teoria à prática

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO PRIVADO E ECONÔMICO

RENATO DE MAGALHÃES DANTAS NETO

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO COM O ESTADO:

DA TEORIA À PRÁTICA

Salvador

2011

(2)

RENATO DE MAGALHÃES DANTAS NETO

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO COM O ESTADO:

DA TEORIA À PRÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz de Pinho Pedreira da Silva

Salvador

2011

(3)

D192 Dantas Neto, Renato de Magalhães

Negociação coletiva de trabalho com o Estado: da teoria à prática. / Renato de Magalhães Dantas Neto. – Salvador, 2011.

246 f.

Orientador: Prof. Dr. Luiz de Pinho Pedreira da Silva Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito, 2011.

1. Direito do Trabalho Coletivo. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. II. Título.

(4)

TERMO DE APROVAÇÃO

RENATO DE MAGALHÃES DANTAS NETO

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO COM O ESTADO:

DA TEORIA À PRÁTICA

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da

Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Prof. Dr. Luiz de Pinho Pedreira da Silva – Orientador_________________________

Prof. Dr. Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho_______________________________

Prof. Dr. Jorge Luiz Souto Maior__________________________________________

(5)

À minha esposa Luciana Onety, por ser a razão, tanto da minha vida, quanto a deste trabalho se tornar realidade e à nossa filha Rebeca, a estrelinha que chegou para nos iluminar.

(6)

AGRADECIMENTOS

São tantos!

À toda equipe de professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBa, em especial, aos professores Rodolfo Pamplona Filho, Ricardo Maurício, Edilton Meireles, Saulo Casali e Washington Luiz da Trindade.

Ao Professor Luiz de Pinho Pedreira, por suas indispensáveis e inestimáveis observações, tanto para o desenvolvimento deste trabalho, quanto pela inspiração eterna deixada em seus escritos para a geração presente e futura sobre o significado e importância do Direito do Trabalho, quer individual ou coletivo.

Ao pessoal do administrativo do Programa, que sempre se mostraram dispostos a ajudar, com destaque à Luíza e Sr. Jovino.

A todos os meus amigos do escritório Pedreira Franco Advogados Associados, principalmente a Roberto Figueiredo, pessoa que é uma referência, tanto como pessoa, quanto profissional e, além disso, um amigo que me estimulou a ingressar e continuar firme no Mestrado.

Aos colegas do curso, companheiros dos momentos difíceis e alegres, dos fichamentos e argüições, dos valorosos debates e das primorosas conclusões.

À Rita Vieira, querida amiga, que apesar de passar por um momento difícil, ainda assim, confeccionou a ficha catalográfica.

A Luciano Dórea Martinez, que com muita simpatia, presteza e atenção, me emprestou sua dissertação de mestrado para que servisse de importante fonte de pesquisa.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB, pelo apoio e investimento indispensável a concretização da minha qualificação profissional.

À minha mãe, exemplo de mulher guerreira e que sempre me apoiou e ainda apóia, em tudo no que se refere aos estudos.

(7)

Enfim, a todos aqueles amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram com comentários, sugestões, idéias, a favor e contra o tema, para o desenvolvimento deste estudo.

Mas, por fim, deixo, de propósito, um último agradecimento, porque este é especialíssimo, é o da minha esposa, Luciana Onety. Uma pessoa maravilhosa, que sem a qual, definitivamente, este trabalho não seria realizado. Além da correção ortográfica, sugeriu idéias, suportou meus momentos de ausência e minhas crises. Por tudo isto e por nossa vida à dois (agora à três, com a chegada de nossa filhinha), além do meu eterno obrigado, todo meu amor.

(8)

[...] la negociación colectiva de los funcionarios públicos tiene todas las características de acontecimiento histórico irreversible, y la oposición al mismo por parte de la Administración no parece que vaya a tener efectividad en un futuro próximo.

Salvador Del Rey Guanter*

*GUANTER, Salvador Del Rey. Estado, Sindicatos y Relaciones colectivas en la Función Pública. Madrid: Instituto nacional de Administración Pública, 1986. p. 233. (“... a negociação coletiva dos servidores públicos

têm todas as características de acontecimento histórico irreversível, e a oposição à mesma por parte da Administração não parece que vá a ter efetividade em um futuro próximo” – Tradução nossa)

(9)

RESUMO

A Negociação Coletiva de Trabalho possui duas funções: é uma forma extrajudicial de solução de conflito entre empregados e empregadores e também um modo de produção normativa autônoma reconhecida pela Constituição Federal brasileira. No entanto, a própria Constituição e a legislação pátria são omissas quanto ao exercício deste direito pelos servidores estatais. Quando este assunto foi posto à apreciação judicial, decidiu-se pela impossibilidade dos servidores públicos celebrarem pactos desta espécie em função da legalidade. Por conseguinte, esta dissertação busca, primeiramente, justificar que no mundo contemporâneo, não há mais espaço para o monismo estatal e demonstrar que tanto a lei formal quanto o exercício da autonomia privada coletiva podem conviver harmoniosamente. Depois, investiga-se os alicerces desta negociação, apresentando suas funções, particularidades e uma solução para o conflito, formalmente existente, entre a legalidade e a democracia. Não obstante, examina-se também a natureza jurídica das relações entre o Estado-empregador e os servidores para, em seguida, explicar o significado e a importância do exercício da autonomia privada coletiva, bem como, apresentar novas interpretações para antigos dogmas, dentre eles, de que o servidor é um órgão do Estado e por isso não pode negociar. Ao final, apresenta-se um arcabouço, tanto teórico quanto prático, da celebração de uma negociação coletiva firmada no serviço público. Teórico porque a pesquisa demonstra suas características específicas, objetivos, significados e limites. Já a parte prática, apresenta, em cotejo com a doutrina espanhola e portuguesa, uma estrutura negocial, procedimentos, calendários e ainda, como apêndice, expõe uma proposta legislativa a fim de regulamentar algo que, fortes indicativos demonstram estar próximo a acontecer.

(10)

ABSTRACT

The Collective Bargaining Labour has two functions: it is a form of extrajudicial conflict resolution between employees and employers and also an autonomous mode of production rules recognized by the Brazilian Federal Constitution. However, the Constitution itself and the domestic legislation are silent on the exercise of this right by state servers. When this matter was put to judicial review, it was decided by the inability of public servants to conclude pacts of this kind on the basis of legality. Therefore, this paper aims, firstly, show that in the contemporary world, there is more room for state monism and demonstrate that both the formal law on the exercise of collective private autonomy can coexist harmoniously. Then we investigate the foundations of this negotiation, with its functions, features and a solution to the conflict, formally existing between legality and democracy. Nevertheless, it also examines the legal nature of relations between the State employer and servers to then explain the meaning and importance of the collective exercise of private autonomy, as well as presenting new interpretations of old dogmas, among them that the server is an organ of state and so cannot negotiate. In the end, it presents a framework, both theoretical and practical, the conclusion of a signed collective bargaining in public service. Theoretical because research shows its specific characteristics, objectives, meanings and boundaries. Since the practical part presents, in comparison with the doctrine of Spanish and Portuguese, a negotiating structure, procedures, timetables and, as an appendix, sets out a legislative proposal to regulate something that showed strong indications to be close to happening.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Produção Legislativa ... 59 

Figura 2 - Gráfico da Classificação dos Agentes Administrativos ... 94 

Figura 3 - Sistema orçamentário brasileiro ... 181 

Figura 4 - Período ideal para realização da negociação ... 184 

(12)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

2. PÓS-MODERNIDADE – RELAÇÕES JURÍDICO-ESTATAIS ... 16

2.1. Enfraquecimento da Estatização do Direito ... 16

2.2. Pluralismo Jurídico na Constituição Federal e no Direito do Trabalho... 25

2.3 Superação da Dicotomia da Summa Divisio ... 35

2.4. Emergência da Racionalidade Jurídica Comunicativa ... 41

2.5. Teoria Pluralista Sistêmica do Direito ... 44

3. PRINCÍPIOS – ALICERCES DA NEGOCIAÇÃO ... 50

3.1 O significado de Princípios para o Direito do Trabalho ... 50

3.2 As funções dos princípios e sua distinção com as regras ... 53

3.3. A legalidade simbólica, o princípio da democracia e o (E)stado de ponderação ... 57

3.4 Princípios peculiares da Negociação ... 65

3.4.1 O contraditório (entre os sujeitos) ... 67

3.4.2 A cooperação (entre as partes) ... 68

3.4.3 A igualdade (dos negociadores) ... 70

3.4.4 A razoabilidade (das pretensões) ... 71

3.4.5 A Adequação Setorial Negociada ... 74

3.4.6 A Criatividade Normativa da Negociação Coletiva ... 76

4. O ESTADO E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO ... 81

4.1. O Significado do vínculo de trabalho com o Estado no Século XXI ... 81

4.2 O Estado como agente empregador ... 87

4.3 Colaboradores da relação de trabalho com o Estado ... 92

4.3.1 Servidor ocupante de Cargo Público e o Regime Estatutário ... 99

4.3.2 Servidor ocupante de Emprego Público e o Regime Celetista ... 102

5. CONSCIÊNCIA COLETIVA – EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA ... 107

5.1. A origem da Autonomia Privada – Formação da Consciência Coletiva ... 107

5.2. Crise da Vontade – Vontade Individual x Vontade Coletiva ... 113

5.4 Agentes da Vontade Coletiva ... 122

5.4.1 Os Sindicatos e as Comissões Internas ... 123

5.4.2 O Estado ... 131

(13)

6. DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO FIRMADA COM O ESTADO . 145

6.1 Alicerces constitucionais e legislativos – Perspectiva do STF ... 145

6.1.1 Objetivos ... 154

6.1.2 Significado ... 156

6.1.2.1 Instrumento de Gestão de Crises ... 157

6.1.2.2 Instrumento de Política Social e Econômica ... 159

6.1.2.3 Instrumento de Proteção ao Empregado ... 160

6.2 Características Específicas do Instrumento desta Negociação Coletiva ... 162

6.2.1 Natureza Jurídica ... 162

6.2.2 Tipo e Forma do diploma negociado ... 165

6.2.3 Legitimidade das Partes ... 166

6.2.4 Fiscalização, Impugnação e o uso de soluções extrajudiciais de conflito nesta Negociação ... 167

6.2.5 Vigência ... 171

6.2.6 Eficácia e Validade ... 172

6.3 Do Conteúdo desta Negociação ... 174

6.3.1 Das Cláusulas Normativas (Econômicas e Sociais) ... 175

6.3.2 Das Cláusulas Obrigacionais ... 186

6.3.3 Das Cláusulas de Garantia ... 189

6.3.4 Matérias excluídas do dever de negociar ... 191

6.4. Da Estrutura Negocial e seu Procedimento ... 193

6.4.1 Considerações iniciais ... 193

6.4.2 As Mesas de Negociação ... 193

6.4.3 Processo e Calendário ... 201

6.4.4 Notas reflexivas sobre este tópico ... 203

7. CONCLUSÃO ... 207

REFERÊNCIAS ... 232

APÊNDICE A – Projeto de lei que dispõe sobre o regime de negociação coletiva dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas e dá outras providências. ... 240

(14)

1. INTRODUÇÃO

Para toda ação existe uma reação, que gera uma repercussão. No Estado brasileiro, a ação está em se suprimir a voz dos seus colaboradores, que reagem a esta supressão por meio de greve, que apesar de ser respeitada, acaba por produzir uma repercussão inconveniente tanto para a população quanto para a democracia, preceito fundamental da Nação. Não se dialoga direta e abertamente, mas se exige e se cobra produtividade e mesmo assim não se consegue atingir, com a eficácia desejada, todas as necessidades, nem da população, nem dos seus empregados.

A partir de então, este estudo agiu em prol de uma investigação no intuito de demonstrar a plena possibilidade e necessidade da Administração Pública celebrar negociação coletiva com seus servidores, com eficácia e vigência normativa. Para tanto, o capítulo 2 apresenta os fundamentos necessários para adoção da base jurídico-filosófica do pluralismo jurídico, a fim de justificar o enfraquecimento da estatização do direito, bem como, a superação da dicotomia entre direito público e privado.

Com efeito, no século XXI, a análise sistemática destes três pilares demonstra que a comunicação mais direta com a Administração, em qualquer dos poderes, ganha a cada dia mais força e destaque. Exemplos são diversos: Primeiramente, o exercício da soberania popular, por meio iniciativa legislativa popular (Art. 14, III da CF/88)1, em seguida o orçamento público participativo realizado em diversos estados brasileiros, com destaque para Rio Grande do Sul, que influência na tomada de decisões e porque não dizer também, o fortalecimento dos juizados especiais como forma de inserir juízes leigos e/ou conciliadores na tentativa de fazer com que a própria população possa resolver seus conflitos.

Entretanto, a demonstração da força do pluralismo jurídico por meio desta abertura ou indícios de comunicabilidade entre a Administração e a população não é forte suficiente para revelar os pontos positivos existentes pelo uso da negociação, pois

1

A iniciativa popular é regulamentada pela Lei n.º 9709/98 que dispõe no seu art. 13 que “A iniciativa popular

consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”.

(15)

como afirmado anteriormente, uma ação gera uma reação, e neste caso, a reação se apresenta como princípio da legalidade.

Esta reação, apresentada e discutida no capítulo 3, dispõe que a utilização da negociação coletiva não seria viável por causa da legalidade em função da reserva legal para questões orçamentárias e proeminência legislativa para regulação da maioria das matérias estatais. Contudo, o Brasil ratificou em sua Carta Magna seu posicionamento como um Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, encontra-se fincado em uma série de princípios norteadores, aqui apresentados como comandos de otimização, a fim de demonstrar que o conflito firmado entre a legalidade e a democracia pode ser resolvido com a técnica da ponderação.

Neste capítulo, além de se demonstrar que é possível solucionar o aparente conflito entre a legalidade e a democracia, realiza-se também uma investigação sobre os princípios que estruturam a própria negociação, bases necessárias para formação, desenvolvimento e conclusão desta solução extrajudicial democrática de conflito coletivo.

Só que não se pode tratar de uma negociação tão peculiar sem que se conheça, à minudência, quem são os colaboradores estatais, o significado e a natureza jurídica da relação empregatícia firmada com o ente estatal empregador. Por esta razão, no capítulo 4 é realizada uma inquirição sobre este vínculo tão sui generis, perpassando primeiramente pelo significado do trabalho com o Estado no novo milênio e em seguida tratando de questões relacionadas ao regime jurídico, a estabilidade e a diferença de tratamento entre servidores ocupantes de cargo e emprego público.

Já o capítulo 5, trata sobre o surgimento da autonomia privada coletiva, a força motriz da formação do instrumento negociado. É aqui que se apresentam às considerações necessárias para justificar que o poder normativo deste ajuste coletivo é originário e não derivado da lei, se desmitifica a idéia de que o trabalho realizado pelo colaborador estatal representa interesse público e ainda demonstra-se como é que o Estado evidencia sua vontade a fim de firmar uma solução dialógica de conflito.

(16)

Outrossim, apresentam-se os agentes da vontade coletiva, sendo que, no tocante aos sindicatos, faz-se a ressalva para o fato da possibilidade e tendente crescimento da formação das comissões internas não sindicais de negociação. Problemas como a automação e a crise no sindicalismo, principalmente pela ausência, cada vez maior da participação dos trabalhadores, tem impulsionado outras formas de organização coletiva, não apenas o sindicato.

Esclarece-se que não se apóia a exclusão do sindicato como agente da vontade coletiva na negociação com o Estado, mas chama-se atenção para a importância de que o trabalhador deve ter o intuito de firmar uma maior coesão na busca pela participação, integração e efetividade de todas as reivindicações arregimentadas no instrumento coletivo.

Já quanto ao Estado, apóia-se no fato de que, in casu, atua como sujeito de direito, parte orgânica e diretamente interessada. No momento em que ocorre o diálogo entre com a Administração Pública, esta exerce a autonomia privada individual do ente público, plenamente capaz de firmar uma negociação coletiva com os seus colaboradores, sem nenhuma ofensa aos preceitos constitucionais ou legais relativos à prioridade do interesse público.

Ao final deste capítulo, em relação ao tema proposto, se apresenta um possível limite e os indícios de superação do exercício da autonomia coletiva da vontade por partes dos integrantes da relação laboral estatal. No tocante ao limite, o ponto principal é a análise da ADI-492 do STF que proibiu a inserção do direito à negociação na Lei 8.112/90 e com base em alguns arrestos jurisprudenciais e previsão doutrinária, justiça-se a superação desta vinculação excessiva à legislação (ou ausência dela) a fim de abrir espaço para a análise central deste estudo.

Por fim, o último capítulo apresenta toda a estrutura necessária para a elaboração e constituição de um instrumento normativo firmado pela negociação coletiva de trabalho entre a Administração Pública (Direta, Autárquica e Fundacional) com os seus respectivos colaboradores.

Inicia-se com a perspectiva constitucional e do STF, perpassando pelo seu objetivo e seus múltiplos significados. Depois, ressaltam-se as características deste

(17)

instrumento, quais sejam: forma, natureza, legitimidade, métodos de solução de conflito no decurso da negociação, eficácia, vigência, fiscalização e validade.

Logo após, trabalha-se com as características do seu conteúdo, ou seja, quais são os tipos de cláusulas que devem estar presentes no acordo coletivo e quais as excluídas da negociação. Neste ponto, ressalta-se que no tocante às cláusulas normativas econômicas, este estudo não apenas afirma a sua possibilidade, mas também ousa comprovar como é que deveriam ser incluídas tais cláusulas no orçamento público.

Não satisfeito em inserir as questões que envolvem custos ao erário no orçamento, este estudo ainda, em seu desfecho, apresenta várias situações já vividas no Brasil, às quais foram capazes de servir de impulso para apresentação de uma sugestão de implantação e funcionamento da estrutura negocial no serviço público.

Outra proposta é uma norma legislativa nacional que venha a regular esta negociação, apesar de se defender que a autonomia coletiva seja preexistente à própria lei. Por esta razão, desenvolveu-se um projeto de lei que disciplina o regime de negociação coletiva dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas (Apêndice A).

Por fim, sabe-se que por mais aprofundado o estudo, o tema é e ainda será palco de inúmeras discussões, ainda mais com a ratificação pelo Brasil da Convenção n.º 151 da OIT que trata sobre idêntica temática. Portanto, toma-se como verdade que uma pesquisa nunca acaba, por conseguinte, o que se propõe aqui são os primeiros passos para uma colaboração científica para os futuros debates que se aproximam, sem a pretensão de esgotar o tema, e sim, apenas ser um agente propulsor para futuras polêmicas.

(18)

CAPÍTULO 2

2. PÓS-MODERNIDADE – RELAÇÕES JURÍDICO-ESTATAIS

2.1.ENFRAQUECIMENTO DA ESTATIZAÇÃO DO DIREITO

O Direito foi criado exclusivamente pelo Estado2 ou é o Estado que se utiliza do Direito para se fortalecer? Existe autonomia do Direito em relação ao Estado? Há Direito sem que haja Estado? Estas questões marcam o compasso do raciocínio a ser firmado nas linhas seguintes, isto porque, é praticamente impossível pensar em negociação coletiva de trabalho, principalmente com a Administração Pública, sem que antes exista uma digressão a respeito da relação entre Estado e Direito.

Vários foram os júris-filósofos realizaram reflexões a este respeito. Por exemplo, RUDOLF von JHERING, às escâncaras, defende o Estado como sendo o operador máximo dos comandos jurídicos, isto é,

El derecho de coacción social se halla en manos del Estado sólo; es su monopolio absoluto. Toda asociación que quiere hacer valer sus derechos contra sus miembros mediante la fuerza debe llamar al Estado, y éste fija las condiciones bajo las cuales presta se concurso. En otros términos: el Estado es la fuente única del derecho, porque las normas - que no pueden ser impuestas por el que las establece no son reglas de derecho. No hay, pues, derecho de asociación fuera de la autoridad del Estado, sino solamente un derecho de asociación derivado del Estado. Este posee así, como lo quiere el principio de la potestad soberana, la supremacía sobre todas las asociaciones de su territorio, y esto se aplica lo mismo á la Iglesia.3- 4

2

O significado do vocábulo ESTADO é utilizado aqui como sendo um organismo político administrativo dirigido por governo próprio e capaz de criar e aplicar suas próprias leis. De acordo a ROUSSEAU, esse organismo “[...] produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembléia de vozes,

o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade , e toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social.[S.l]: Ebooks Brasil,

2002. Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf.>. Acesso em: 10 out. 2010)

3

“O Direito de coação social se encontra somente nas mãos do Estado; é seu monopólio absoluto. Toda associação que queria fazer valer os seus direitos contra os seus membros, mediante a força deve recorrer ao Estado e este fixa as condições segundo as quais presta o seu concurso. Em outros termos: o Estado é a fonte única do direito, porque as normas – que não podem ser impostas por ele não são regras de direito. Não existe pois, direito de associações fora da autoridade do Estado, mas apenas direito de associação derivado do Estado.

(19)

Em contrário senso, HANS KELSEN defende que o Estado é na verdade uma forma de Direito, ou seja, “Simplesmente, aquilo que se concebe como forma do Estado é

apenas um caso especial da forma do Direito em geral. É a forma do Direito, isto é, o método de criação jurídica no escalão mais elevado da ordem jurídica, ou seja, no domínio da Constituição”.5

No entanto, este juris filósofo alemão explica também, que para se justificar a teoria do Estado como uma unidade coletiva que aparece como sujeito de uma vontade ou de uma atuação, se faz necessário que este (Estado) seja independente do Direito e até mesmo preexistente.

Assim o Estado é como entidade metajurídica, como uma espécie de poderoso macro-ánthoropos ou organismo social, pressuposto do Direito e ao mesmo tempo, sujeito jurídico que pressupõe o Direito porque lhe está submetido, é por ele obrigado e dele recebe direitos.

É a teoria da bilateralidade e autovinculação do Estado.6 (grifos nossos)

Esta teoria, por sua vez, defende que o Estado deve ser uma pessoa diferente do Direito, para que este possa justificar aquele e isso só ocorre quando ambos são essencialmente diferentes. Portanto, pela teoria clássica, se explicaria a primeira questão proposta como sendo o Direito criado exclusivamente pelo Estado e em simbiose, este fortalecido por aquele. “Assim o Estado é transformado, de um

simples fato de poder, em Estado de Direito que se justifica pelo fato de fazer Direito”,7 afirma HANS KELSEN.

Neste sentido, RONALDO LIMA DOS SANTOS esclarece: “[...] o Estado concentra

em si todos os poderes, estando em primeiro lugar aquele que criar o direito, não se conformando em apenas concorrer para sua criação. [...] Assiste-se, assim, ao processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado.”8 Isto porque, esse monopólio da estruturação jurídica (também conhecida como estrutura Este possui, como é exigido pelo princípio do poder soberano, a supremacia sobre todas as associações de seu território, e isto se aplica até mesmo à Igreja.” (tradução nossa)

4

JHERING, Rudolf von. El fin en el Derecho. Trad. Leonardo Rodriguez. Madrid: Rodriguez Serra Editora, 1968. p. 201.

5

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. João Baptista Machado (trad.). 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 310.

6

KELSEN, Hans. Teoria .... Op. Cit. p. 315.

7

KELSEN, Hans. Teoria .... Op. Cit. p. 316.

8

(20)

monista) garante ao Estado uma “legitimação jurídico-racional, calcada na

despersonalização do poder, na racionalização dos procedimentos normativos e na convicção de uma ‘obediência moralmente motivada’, associada a uma conduta correta”9, representada formalmente pela legalidade escrita.

Conseqüentemente, com base nesta legislação escrita, o Estado de Direito ao criar as leis obriga-se diante da comunidade a empregar, respeitar e resguardar tais preceituações, bem como, a proteger e honrar com certos direitos individuais, fazendo com que seu governo, sustente-se em uma aparente neutralidade de legalidade10 e, em verdade, se verifica que na atualidade ainda é predominante esta estatização jurídica.

Ao direcionar este estudo para o Estado brasileiro, cumpre asseverar que na legislação pátria, tais características estão presentes. Na Carta Magna brasileira de 1988, por exemplo, o monismo estatal é percebido quando se infere que a União11, ente estatal que representa a Federação, no seu Art. 22, inciso I 12, possui como uma de suas competências privativas, o poder de legislar, inclusive sobre vários ramos do Direito, até mesmo sobre o Direito do Trabalho.

Não obstante, além desta propriedade exclusiva de legislar o Direito, a mesma Constituição também reserva para si o poder de compor os conflitos de interesse em cada caso concreto, por meio da sua função jurisdicional. Explica JOSÉ AFONSO DA SILVA:

A jurisdição hoje é o monopólio do Poder Judiciário do Estado (art. 5, XXXV). [...] No período monárquico brasileiro, tínhamos a jurisdição eclesiástica, especialmente em matéria de direito de família, a qual desapareceu com a separação entre Igreja e Estado. Agora só existe

9

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. p. 48.

10

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo... Op. Cit. p. 48/49. Necessário ressaltar que, com sensatez, este autor destaca que o Estado de Direito não passa de uma retórica aclamada pela burguesia como um disfarce aos seus interesses econômicos. Para este autor, “Sua estrutura (do Estado de Direito) formalista e suas regras

técnicas dissimulam as contradições sociais e as condições materiais concretas” (VOLKMER, Antonio Carlos. Op. Cit. p. 49)

11

O termo União deve ser interpretado como União Federal, à qual JOSÉ AFONSO DA SILVA conceitua como sendo “[...] a federação de Estados, Distrito Federal e Municípios” (In, Curso de Direito Constitucional

Positivo. 22ª Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2003. p. 491)

12

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(21)

jurisdição estatal, confiada a certos funcionários, rodeados de certas garantias: os magistrados”13

Desta forma, se se tem o Estado brasileiro como único produtor do direito, qualquer ato, acordo ou norma, produzido por uma associação, grupo social ou sujeito coletivo, teria seu fundamento jurídico apenas como uma mera concessão tácita do Estado, sequer considerando estas atividades extrajurídicas e/ou legislativas como uma norma por si mesma, dotada de auto-regulação.

Entretanto, ousa-se discordar. A mesma Constituição que dispõe de preceitos monopolistas indica também com precisão uma faculdade tanto de normatização por grupos sociais, quanto à possibilidade de resolução de conflitos por meio dos institutos extra-estatais, principalmente depois da Emenda Constitucional 45/2004. Explica ANTONIO CARLOS VOLKMER:

Trata-se de extrair a constituição da normatividade não mais e apenas das fontes ou canais habituais clássicos representados pelo processo legislativo e jurisdicional do Estado, mas captar o conteúdo e a forma do fenômeno jurídico mediante a informalidade de ações concretas de atores coletivos, consensualizados pela identidade e autonomia de interesses do todo comunitário, num locus político, independentemente dos rituais formais de institucionalização. Quer-se com isso evidenciar que, num espaço público descentralizado, marcado pela pluralidade de interesses e pela efetivação real das necessidades humanas, a juridicidade emerge das diversas formas do agir comunitário, mediante processos sociais auto-reguláveis advindos de grupos voluntários, comunidades locais, associações profissionais, corpos intermediários, organizações sociais etc.14

Significa dizer que, paulatinamente, o Estado brasileiro vem demonstrando indícios, por meio das suas emendas constitucionais e produção legislativa ordinária, de estar rompendo o elo de monopolização, tanto normativa, quanto jurisdicional, uma vez que apresenta em seu texto alguns dispositivos contraditórios a essa exclusividade, tais como, a seleção de árbitros (Art. 114, §1º) e a disposição para a negociação coletiva (Art. 7º, incisos VI, XIII, XXVI e Art. 8º, inciso VI, XIV).

Ocorre que, o Estado brasileiro encontra-se em fase de concretização de sua qualidade positivada na Constituição, qual seja, a de se tornar, não apenas um

13

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2003. p. 551.

14

(22)

Estado de Direito, mas um Estado Democrático de Direito, isto porque, como explica GEISA DE ASSIS RODRIGUES e ROBÉRIO NUNES DOS ANJOS FILHO

O Estado Democrático de Direito também tem como fundamento a inclusão política, por isso deve suprir a carência de legitimação democrática com novos métodos de controle político, como os que ensejam a participação efetiva do povo através de mecanismos de democracia semi-direta.

A questão do exercício democrático abrange as relações não estatais, reforçando a importância do conteúdo da legalidade para criar regras de jogo social e político aceitas e conhecidas por todos.15 RICARDO MAURÍCIO FREIRE SOARES destaca ainda mais este posicionamento ao afirmar que:

[...] o Estado constitucional moderno não é nem deve ser apenas entendido como um Estado de Direito, pois ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo, tal como sintetizado no princípio da soberania popular. [...] O Estado constitucional moderno corresponde a mais do que o Estado de Direito, visto que o elemento democrático serve não só para limitar o Estado, mas também legitimar o exercício do poder político. Logo, é o princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder vem do povo, que, concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados, permite harmonizar os pilares do Estado de Direito e do Estado democrático, potencializando a compreensão da fórmula moderna do Estado de direito democrático. 16

Portanto, a formação do Estado brasileiro em se tornar Democrático de Direito pode ainda ser ratificada, além das fundamentações anteriores, por uma hermenêutica teleológica da legislação ordinária, bem como, nas demonstrações escancaradas do Estado em tentar mudar de cultura conflituosa do povo brasileiro para que este, antes de buscar soluções judiciais aos seus conflitos, perpasse primeiramente por soluções extrajudiciais.

No âmbito infra-constitucional, à guisa de exemplo, verifica-se inicialmente a vigência da Lei 9.307/96 que dispõe sobre a arbitragem, a qual especifica que pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios

15

RODRIGUES, Geisa de Assis; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Estado Democrático de Direito:

Conceito, História e Contemporaneidade. Disponível em <http://www.ibec.inf.br/roberio.pdf>. Acesso: em 10

out. 2010. p. 4

16

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de Introdução ao Estudo do Direito. Salvador: Podivm Editora, 2009. p. 145

(23)

relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º17) e que os laudos arbitrais, transmudam-se em sentença equiparada à emanada pelo órgão do Estado, inclusive com efeitos de coisa julgada (art. 31º18).

De igual forma verifica-se a Lei nº 9.958/2000, que introduziu na CLT o Título VI-A referente às Comissões de Conciliação Prévia (CCP). Estas terão sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo (Art. 625-C - poder legislativo extra-estatal), bem como, os acordos celebrados possuem força de quitação das parcelas trabalhistas ali avençadas e ainda estabeleceu-se que a utilização da CCP seria um pré-requisito para submissão ao Judiciário Estatal (Art. 625-D e Art. 625-E, § único – poder jurisdicional extra-estatal).

Pode-se afirmar que esta foi uma das tentativas de desestatização mais ousadas promovidas pelo Estado brasileiro19. Por um longo período, aproximadamente 8 anos (entre 2000 a 2008) a força das CCP´s foi tamanha que os Tribunais do Trabalho pelo país chegaram a pacificar o entendimento por meio de Enunciados, que a ausência de submissão da demanda à comissão implicaria na extinção do processo sem julgamento de mérito, como, por exemplo, ocorreu com o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia – 5ª Região20.

Apenas um último exemplo do enfraquecimento da estatização do Direito em matéria legislativa, qual seja, a Lei 11.441/2007. Esta dispõe sobre a possibilidade de realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Em outras palavras, enquanto em 1988 o Estado, por meio da Constituição, protegeu a família como a base da sociedade, privilegiando sempre o

17

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis

18

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida

pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo. (grifos nossos).

19

Apesar da ousadia, a produção legislativa da Lei 9.958/2000 não conseguiu sedimentar o equilíbrio necessário para criação do que seja uma solução extrajudicial, fazendo com que a referida lei se tornasse inócua. Neste sentido ver DANTAS NETO, Renato de Magalhães. Comissões de conciliação prévia: o reverso de uma solução

extrajudicial de conflito. Justiça do Trabalho, Porto Alegre, v. 27, n. 318, p.64-86, jun. 2010.

20

Ementa: SUBMISSÃO PRÉVIA DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. EXTINÇÃO DO

PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. CABIMENTO. À luz do que dispõe o Enunciado nº 06 deste eg.

Regional "A ausência de submissão da demanda à comissão implica a extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, IV, do CPC), ressalvada a hipótese prevista no §3º do art. 625-D da CLT". Processo 01423-2005-009-05-00-0 RO, ac. nº 015147/2008, Relatora Desembargadora DÉBORA MACHADO, 2ª. TURMA, DJ 17/07/2008. No entanto, atualmente (2010) esta suspensa à submissão prévia da demanda a CCP em função da decisão liminar concedida pelo STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 2.139 e 2.160.

(24)

casamento21 e em 2002, o novo Código Civil manteve o casamento como um processo formal, a partir de 2007 este mesmo Estado dissolveu o casamento (família) por meio de uma Escritura Pública, em Tabelionato de Notas, ou seja, produziu norma, com efeito erga omnes em um Cartório Extrajudicial (e em alguns Estados do País, privatizados).

Entretanto, em que pese já ter decorrido mais de 20 anos da promulgação da vigente Constituição, a população brasileira evidencia uma cultura de resistência no tocante às fórmulas de auto-composição ou hetero-composição extrajudicial, por mais que o próprio Estado instigue e fomente tais instrumentos. Para coadunar com esta afirmação, é oportuno a transcrição do trecho do discurso da Juíza MARIELLA NOGUEIRA e do Desembargador MARCO AURÉLIO BUZZI, ambos membros da Comissão Executiva do Movimento pela Conciliação do CNJ, a saber

Vivemos hoje uma excessiva jurisdicionalização dos conflitos, com o conseqüente congestionamento do Judiciário, seja em razão do "hábito" de sempre acionar a Justiça, seja em razão da litigiosidade contida, da ineficiência e ausência do Estado ou da outorga de novos direitos ao cidadão. A questão é que sobram processos e litigantes em todos os quadrantes dos foros e tribunais do país e, ainda assim, se persiste nas práticas do modelo de delegar a uma terceira pessoa a capacidade de resolver conflitos, mesmo pressentindo que nem sempre este é o melhor meio para a obtenção da tão aspirada, e a cada vez mais ameaçada, paz social.22

Importante compreender que em uma sociedade a cultura não muda facilmente, ainda mais, no tocante a cultura jurídica brasileira, emergente de momentos de autoritarismo, no qual se defendeu, principalmente pela influência do positivismo, que a Justiça era feita por meio de um saber técnico e científico23, oriundo de uma autoridade imparcial, ou seja, uma “herança cultural é assaz forte para a

conformação dos hábitos e costumes, para o modo de pensar e comportar-se do

21

Art. 226, caput e §3º da Constituição

22

BUZZI, Marco Aurélio; NOGUEIRA, Mariella. Conciliar é Legal. Disponível em

<http://ouro01.cnj.gov.br/index.php?view=article&catid=74%3Aartigos&id=51%3Aconciliar-egal&tmpl=component&print=1&page=&option=com_content&Itemid=676>. Acesso em 24 abr. 2010

23

FERNANDES, Pádua. A cultura jurídica brasileira e a chibata: Miguel Reale e a história como fonte do direito. Prisma Jurídico, São Paulo, 2006, v. 5. p. 237-255, passim.

(25)

homem; tão forte como a hereditariedade o é para a conformação física do homem. Neste aspecto, é correto dizer-se que a cultura é um processo inconsciente.”.24

Alguns motivos de insegurança da sociedade brasileira na utilização destes meios foram enumerados por EDUARDO SILVA DA SILVA25, especificamente em relação a arbitragem, mas que por analogia podem ser aplicados a todos os institutos, quais sejam:

a) caráter nitidamente cultural, pouca ou nenhuma tradição que estes institutos possuem no Brasil;

b) garantias de que um método de solução de controvérsias extra-estatal possa proporcionar aos envolvidos, no cotejo com o processo judicial clássico, a necessária efetividade;

c) não-aceitação, por parcela da doutrina e da jurisprudência, de métodos extra-jurídicos para resolução de conflitos.

Acrescenta-se a isto o fato de que a força da jurisdição estatal do Estado brasileiro deriva desde o século XIX, ganhando apogeu principalmente na ditadura de Vargas, como explica CARLOS LESSA ao afirmar que “Getúlio Vargas foi um homem do

Direito”26 e que “A importância do jurista é derivável da configuração da riqueza na

transição da Colônia, e do papel do Estado Imperial assumindo a proteção de suas diversas formas”27.

Só que a mudança cultural ocorre em razão das novas necessidades oriundas de novas situações28/29, conseqüentemente, nenhuma ordem social é imutável, posto

24

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p.58

25

SILVA, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa: dogmática e implementação da cláusula compromissória. São Paulo: Ed. LTr, 2003. p.31-32.

26

LESSA, Carlos. A Preeminência Profissional e o Estado Brasileiro: Dos juristas aos Economistas. In: PRIORI, Mary Del. Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 305.

27

Id. Ibidem., p. 314.

28

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 53

29

No Brasil, essas novas situações já se encontram presentes e exigem uma rápida mudança pois, além de já serem notícia nacional demonstram, de forma fundamentada, a completa insatisfação da população, a exemplo da matéria divulgada no Estadão em 29/04/2010, na qual destaca que a ‘Maioria da população acha Justiça

lenta, aponta FGV’ e assevera ainda que ‘Existe uma grande disparidade regional quando o que se avalia é a questão da possibilidade de acesso à Justiça. As regiões metropolitanas de Salvador (66,8%), Recife (66,7%),

(26)

que, uma mudança no ambiente resulta em uma mudança de comportamento. Assim, para que a cultura jurídica seja modificada, primeiramente, necessário se faz modificar sua essência, seu fundamento, ou seja, “(...) o conjunto de significados

sistematizados, transmitido necessariamente através de símbolos e sinais”30, uma vez que, “(...) a característica básica da cultura é seu caráter simbólico. É essa

propriedade da cultura que permite que ela seja transmitida e seja social.”31.

Conseqüentemente, para se alcançar uma boa aceitação e uso rotineiro das soluções extrajudiciais de conflito32 deve-se partir da transformação do símbolo que a representa a fim de se buscar a legitimação33 desta prática. MARCELO NEVES ao analisar este fenômeno explica que:

A própria legitimação não é alcançada com base na escolha de meios adequados para a realização de um fim no futuro, mas sim através do agir simbólico-expressivo34, mediante o qual o procedimento ganha sentido para participantes e não-participantes,

Belo Horizonte (65,7%) e São Paulo (58,7%) estão acima da média nacional de 58,5% de entrevistados que consideram que o acesso ao Judiciário inexiste ou é difícil.’ (In AE – Agência Estado. Maioria da população acha Justiça lenta, aponta FGV. Estadão, São Paulo. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,maioria-da-populacao-acha-justica-lenta-aponta-fgv,544614,0.htm>. Acesso em: 30 abr. 2010.

30

MELLO, Luiz Gonzaga de. Op. Cit. p. 48

31

Id. Ibidem.

32

Importante ressaltar a existência de um lapso de tempo para que essas práticas de solução extrajudicial tornem-se parte do cotidiano social. Nestornem-se tornem-sentido, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS ao explicar que o

surgimento da Justiça informal criada na Pasárgada (favela do Rio de Janeiro) demonstrou que sua formação ocorre gradualmente, mas depois de sedimentada, passou a produzir grandes efeitos jurídicos, ou seja, “A

associação de moradores transformou-se, assim, gradualmente num fórum jurídico, à volta do qual se foi desenvolvendo uma prática e um discurso jurídicos — o Direito de Pasárgada. [...] A actividade da associação de moradores, enquanto fórum jurídico, reparte-se por duas áreas distintas: a ratificação de relações jurídicas e a resolução das disputas ou litígios delas emergentes. [...] Esta intervenção da associação — que designo por ratificação — é um processo muito complexo e subtil, através do qual a associação contribui para a prevenção de disputas na comunidade ao esclarecer as partes e demais participantes sobre o conteúdo da relação jurídica e a natureza dos compromissos assumidos e, em geral, ‘ao dotar a relação jurídica com uma fonte autônoma de segurança’.” (In O Discurso e o Poder: Ensaio sobre a Sociologia da Retórica Jurídica. Porto Alegre: Antonio

Fabris Editor, 1988. p. 14/15).

33

Legitimação/Legitimidade neste ensaio parte do conceito de que “é o atributo normativo que designa a correlação da norma jurídica com o valor socialmente aceito de justiça. A norma jurídica é considerada legítima, quando a maioria da sociedade a considera justa, em dadas circunstâncias histórico-culturais.”(In SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de Introdução ao estudo do Direito. Podivm Editora, 2009. p. 35)

34

O autor explica que o conceito de agir simbólico-expressivo, derivado da teoria luhmanniana, é aquele que “satisfaz imediatamente às necessidades a que se dirige, de tal forma que uma alteração do agir pressupõe uma alteração da necessidade” e se contrapõe ao agir instrumental, posto que este “implica uma relação de meio-fim, de tal maneira que as necessidades nele envolvidas extraem seu sentido da realização dos fins em um momento posterior, sendo em face disso, variáveis. (In NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica. São

Paulo:Martins Fontes, 2007. p. 20). Para saber mais: LUHMAN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980.

(27)

motivando-os no presente para integrarem-se no processo de redução de complexidade.35

Por estas razões, afirma-se que o enfraquecimento da estatização jurídica é latente e ressalta-se ainda que tanto o Direito possui autonomia, quanto é plena sua possibilidade de subsistênciar em relação ao Estado. Assim, para corroborar ainda mais esta afirmação, em meio a esta controvérsia sobre autonomia de criação do Direito ou mera chancela tácita estatal, será analisada a seguir uma nova doutrina jurídica filosófica, à qual o Direito aparece revestido de nova concepção, desta vez como um fenômeno resultante de relações sociais e valorações desejadas, oriundo de um sem número de fontes normativas, sem necessariamente serem estatais, tornando assim a instituição Sociedade como estrutura descentralizada, pluralista e participativa36.

2.2. PLURALISMO JURÍDICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO DIREITO DO TRABALHO

Anteriormente, afirmou-se que o Estado, calcado em uma estrutura monista, está em compasso de esgotamento e demonstrou-se também que a própria legislação já tem fomentado a desestruturação jurídica ressaltando que, em meio a esta situação, surge uma nova doutrina que reveste o Direito como um fenômeno resultante de relações sociais e valorações desejadas.

A história, inclusive, registra que a sintetização deste processo de estatização do Direito e jurisdicização do Estado37, ou seja, a concepção (monista) de que o Estado seria a única fonte de produção jurídica possuiu, como marco temporal, o advento das revoluções burguesas (Revolução Gloriosa, Independência Norte-americana, Revolução Francesa). Entretanto, essa interligação mútua do cientificismo jurídico com a estatização jurídica revelou uma limitação de sua efetividade em função do seu caráter pragmático38.

35

NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 20/21

36

VOLKMER, Antônio Carlos, Op. Cit. p. 78.

37

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Op. Cit. p. 143

38

SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 6. ed. - São Paulo: Cortez, 2007. p. 165

(28)

BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS explica esta limitação da efetividade jurisdicional afirmando que

O saber jurídico tornou-se científico para maximizar a operacionalidade do direito enquanto instrumento não científico de controlo social e de transformação social. [...] Enquanto na ciência o saber iria gerar poder, no direito, do século XIX em diante, o poder (estatal) iria gerar saber (profissional). Compreende-se, assim, que o positivismo jurídico reclamasse para si uma capacidade operacional com a qual o conhecimento da ordem e da transformação social não podia competir, pois esse conhecimento teria ainda de ser desenvolvido pelas ciências sociais, que eram então pouco mais que incipientes. Este desajustamento é, de facto, endémico na cultura jurídica do Estado moderno.39

De tal forma, não poderia o Estado suprir as necessidades advindas das novas relações sociais, bem como, posicionando-se de forma insensível nas relações particulares, também não foi capaz de assegurar uma igualdade material aos Direitos anunciados formalmente por meio de seu aparato legislativo. Conseqüentemente, ascende uma construção filosófica que vem defender a desvinculação de soluções de conflitos sociais da esfera jurídico estatal, conhecida como a doutrina do Pluralismo Jurídico.

Com efeito, para uma melhor compreensão, primeiramente é necessário se investigar a origem do termo pluralismo. Ele surge como contraposição à concepção unitária e homogênea do monismo estatal, mas também simboliza a co-existência de várias formas de ações oriundas de uma diversidade de campos sociais, que, muito embora possuam elementos heterogêneos, criam uma série de fenômenos autônomos40.

Baseado na doutrina de ANTONIO CARLOS VOLKMER, afirma-se que o pluralismo parte do princípio, enquanto concepção filosófica, de que “[...] existem muitas fontes

ou fatores causais para explicar não só os fenômenos naturais e cosmológicos, mas,

39

Id. Ibid., p. 165

40

VOLKMER, Antônio Carlos. Op. Cit.. p. 172.. Essa diversidade de campos sociais é explicada pelas várias associações do Pluralismo aos campos autônomos da ciência, v.g. Pluralismo Sociológico, Pluralismo Político, Pluralismo Cultural, Pluralismo Econômico, Ideológico, etc. Conseqüentemente, a cada vinculação pluralista, a sociedade cria novos fenômenos autônomos, tais como, no campo sociológico, a consolidação e fortificação das associações profissionais, principalmente nas sociedades industriais; no campo da cultura, pode-se verificar, por exemplo, na Bahia, práticas religiosas de origem africana em meio a imagens de santos católicos; Na ciência política, verifica-se a aproximação do poder centralizado aos centros comunitários na tentativa garantia da manutenção do poder central como uma forma participativa de tomada de decisão, repassada para os líderes comunitários como forma de exercício da democracia, a exemplo do Orçamento Participativo.

(29)

igualmente, as condições de historicidade que cercam a própria vida humana”41,

asseverando ainda que a compreensão do pluralismo considerado como filosofia

“[...] reconhece que a vida humana é constituída por seres, objetos, valores, verdades, interesses e aspirações marcadas pela essência da diversidade, fragmentação, circunstancialidade, temporalidade, fluidez e conflituosidade”42

Já LUIZ EDSON FACHIN explica que quando se tenta trilhar a separação entre o sistema jurídico e a sociedade, cria-se a idéia de positivação jurídica de direitos, causando uma estreita ligação entre ordenamento e norma jurídica. Só que, ao mesmo tempo adverte que não se deve cingir o Direito em apenas uma ciência, mas para as ciências do Direito e acrescenta que

Desse modo, abre-se espaço para o pluralismo que, na formação complexa das fontes, supera o estrito monismo. A lei tomada como regra específica, por conseguinte, é apenas espécie de norma jurídica que informa o ordenamento. A legitimidade não se confunde, desse modo com a legalidade. Vê-se, pois, uma abertura par afora do confinamento das fórmulas que não se resume a uma técnica.43 Seja por uma ou por outra teoria, pode-se ousar mais uma vez, para afirmar que não existe escola melhor44 para explicar a sociedade brasileira, que é composta por uma verdadeira miscigenação de etnias, culturas, valores e interesses, mas que acima de tudo, ainda busca, insistentemente a formação de uma única nação. Para corroborar tal afirmação, a própria Constituição Federal de 1988, em que pese não ter previsto expressamente o pluralismo jurídico em seu texto, assegurou a solução pacífica de conflitos de uma sociedade pluralista45.

Logo, a aplicação do termo sociedade pluralista, aliado ao comprometimento constitucional da solução pacífica de conflitos, assegura que a Constituição brasileira previu várias formas de pluralismo, quais sejam, o pluralismo político (art. 1º, V); o pluralismo partidário (art. 17); o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas (art. 206, III), e de forma indireta, manifesta-se o pluralismo econômico (art. 170); o pluralismo cultural (art.s 215 a 217); pluralismo dos meios de comunicação (art. 220, §5º) e pluralismo educacional (art. 205).

41

VOLKMER, Antonio Carlos. Op. Cit.., p. 172.

42

Id. Ibid., p. 172.

43

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 178

44

Em contraposição às escolas jus naturalistas e jus positivistas.

45

(30)

Entretanto, no tocante especificamente ao pluralismo jurídico, a Constituição Federal inspira que é este “[...] o lugar onde nasce a juridicidade alternativa. O Estado não é

o lugar único do poder político, tampouco a fonte exclusiva da produção do Direito”46

e o faz por meio do sobressalto da aplicação da jurisdição através de uma pluralidade de atores sociais, associações comunitárias e demais corpos intermediários, com relativa autonomia e independente do Direito Positivo.

Por conseguinte, a partir desta reflexão, é possível enumerar alguns fatores que impulsionaram o surgimento do Pluralismo Jurídico, quais sejam:47:

a) rigidez e dificuldade em criar e alterar as codificações causava insuficiência nos novos conflitos, conseqüentemente prejudicava a onisciência do Legislador;

b) a profunda modificação da sociedade em função da revolução industrial, a qual, em função da implantação da tecnologia decorre um sem número de alteração nas relações sociais, principalmente as laborais;

c) o desenvolvimento da Filosofia Social e das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Ciência Política) às quais convergiam no posicionamento contra o Estado Monista;

d) uma nova concepção do direito como produto social e não somente direito do Estado;

e) surgimento da Escola do Direito Livre48

Mutatis mutante, ao passo que estes tópicos revelam que o Positivismo foi pautado

na rigidez e afastamento das relações sociais, esclarecem, simultaneamente, que o Pluralismo Jurídico é a cristalização do Direito que a sociedade, por meio de suas

46

VOLKMER, Antônio Carlos. Op. Cit.. p. 203

47

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.., p. 38.

48

Por Escola do Direito Livre, explica NORBERTO BOBBIO (In Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6ª ed. Brasília: Editora UnB, 1995. Título original: Teoria

dell’ordenamento giuridico. p. 122/123): “(...) conhecida sobretudo pelo nome de escola do Direito livre. O

principal alvo dessa tendência é o dogma da completude do ordenamento jurídico. [...]Os sustentadores da nova escola afirmam que o Direito constituído está cheio de lacunas e, para preenche-las, é necessário confiar principalmente no poder criativo do juiz, ou seja, naquele que é chamado a resolver os infinitos casos que as relações sociais suscitam, além e fora de toda a regra pré-constituída.”

(31)

organizações e/ou associações humanas inter-relacionadas49 produz espontaneamente. Cada associação, além de interagir entre si e conservar parcial ou totalmente sua autonomia perante o Estado, cria sua própria ordem jurídica, podendo ou não haver influência recíproca, revelando-se assim a mais elementar forma do Direito.50

Portanto, pode-se destacar o pluralismo tanto como meio de resolução de conflitos, como fonte de produção legislativa. No tocante à resolução de conflitos, encontra-se a arbitragem, conciliação e até mesmo os juizados especiais de defesa do consumidor ou de causas comuns, uma vez que a primeira audiência realizada a fim de se solucionar o conflito, poderá ser, e normalmente é, conduzida por um Juiz

Leigo ou Conciliador51. Quanto à produção legislativa, verifica-se também a

ampliação das convenções coletivas52, acordos coletivos53. Assim, com foco na lição de ANTONIO CARLOS WOLKMER, busca-se que o verdadeiro Direito seja um

Direito vivo, isto é

O verdadeiro Direito é o "Direito vivo", que não se prende a doutrinas, dogma, norma de decisão ou prescrições estatais, mas provém da "vida concreta e diária das pessoas", das relações entre os homens, como o casamento, o contrato e o testamento. Trata-se de um "Direito vivo" que se contrapõe ao Direito vigente dos tribunais e dos órgãos estatais, pois domina a vida de forma originária e realista, não precisando impor-se através de fórmulas técnicas e regras fixas. A eficácia desse Direito, que tem plena independência do Estado, repousa em sanções não formalizadas institucionalmente, ou seja, na sugestão, na pressão e na própria força coativa que emana das associações organizadas.54

49

Por associações e/ou organizações, adota-se o posicionamento do professor ANTONIO CARLOS WOLKMER (In Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo : Alfa Ômega Editora, 2001. p.192) que compreende estas como grupos de pessoas, comunidades religiosas, corporações, classes (trabalhistas), estamentos, partidos políticos e famílias.

50

VOLKMER, Antônio Carlos. Op. Cit. p.192

51

Lei 9099/95 - Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.

52

Por determinação expressa da Carta Magna (Art. 48), foi promulgado o Código de Defesa no Consumidor (Lei n.º 8.078/90) ao qual prevê no Art. 107 que “As entidades civis de consumidores e as associações de

fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo.”

53

Nesse sentido, ANTONIO CARLOS VOLKMER, com propriedade ainda defende novas modalidades não institucionalizadas, quais sejam: comitês ou conselhos populares de justiça, criação dos tribunais de bairros e vizinhança; justiça distrital; acertos comunitários; entre outros. (In PLURALISMO JURÍDICO: Fundamentos de

uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo : Alfa Ômega Editora, 2001. p. 309.)

54

(32)

Logo, percebe-se então que as pessoas têm buscado tais formas de resolução de conflito, pois partindo da premissa que a efetividade do Direito pressupõe uma sanção55, este Direito, que independe do Estado, repousa em sanções não formalizadas institucionalmente56, mas que causam uma maior eficácia frente às sanções convencionais57.

Mas, apesar do Pluralismo Jurídico poder se associar a quaisquer ramos jurídicos e se fortalecer a cada dia para que o Estado do século XXI seja uma entidade participativa, democrática e consubstanciada efetivamente na Soberania Popular, é necessário estabelecer um corte epistemológico a partir desta visão pluralista58, uma vez que a proposta deste estudo encontra-se restrita à negociação coletiva de trabalho, conseqüentemente, estreitando o vínculo com o Direito do Trabalho.

Neste ramo doutrinário, desde os seus primórdios, seu arcabouço teórico já era composto de uma pluralidade de normas, sejam elas estatais ou particulares, face ao dinamismo e velocidade de modificações das relações existente entre as partes. Daí porque, se pode afirmar que o Direito do Trabalho é a expressão do pluralismo jurídico no Brasil, pois como assinada AMAURI MASCARO NASCIMENTO

Em nenhuma parte o direito do Trabalho é unicamente estatal, por a realidade da ordem trabalhista é plural ou pluricêntrica mediante um processo de elaboração de normas jurídicas pelo Estado e pelos grupos sociais; portanto, o Direito do Trabalho é estatal e não-estatal, simultaneamente.59

Em sentido contrário, alguns autores60 negam que a pluralidade do Direito do Trabalho seja reconhecida apenas por uma pluralidade de fontes, de forma a

55

Ver BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução Fernando Pavan Baptista. São Paulo: Edipro, 2001. Título original: Teoria delia norma giuridica (G. Giappichelli Editore, Torino, 1993) e KELSEN, Hans.

Teoria pura do direito. 7ª São Paulo: Martins Fontes, 2006. 427 p.

56

Um exemplo de sanção não institucionalizada era a inscrição no nome em órgãos de proteção ao crédito em razão de ausência do adimplemento da obrigação comercial contraída. Contudo, em 30 de dezembro de 2010 foi editada a Medida Provisória n.º 518 que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, sem, no entanto, ainda ter se tornado lei até o depósito desta pesquisa.

57

VOLKMER, Antônio Carlos. Op. Cit.. p.193

58

Por exemplo, no Direito Empresarial, por meio da nova lei de Falência (Lei n.º 11.101/2005) que prevê a recuperação empresarial tanto judicial quanto extrajudicial; no Direito de Família, por meio da nova lei de Separação e Divórcio em Tabelionatos de Notas (Lei 11.441/2007) e até mesmo no Direito Penal, tanto pela criação dos juizados, quanto na aplicação de penas alternativas.

59

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 177

60

Por todos, MANNRICH, Nelson. Pluralismo Jurídico e direito do trabalho. Revista do Advogado, São Paulo, n. 66, junho, 2002.

(33)

consubstanciar um pluralismo jurídico, em razão de que a ordem jurídica estatal ainda continuaria soberana. No entanto, o fato de algumas fontes normativas se encontrarem previstas, não retira a característica do pluralismo jurídico.

Com efeito, em especial no Brasil, como se trata de direitos fundamentais, para se confirmar a existência ou não do pluralismo neste ramo jurídico é necessário cotejar se realmente existe uma hierarquia entre as suas normas frente ao disposto no Art. 5º, II da Constituição Federal que prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. A partir deste dispositivo, surgem as

seguintes indagações: Qual será esta lei? Os Acordos e Convenções Coletivas são tipos de leis referidos na Carta Magna? O regulamento interno empresarial, também pode ser considerado como lei? As convenções internacionais da OIT também se incluem como lei para o referido artigo? Daí porque a necessidade de se investigar se no Direito do Trabalho existe ou não hierarquia das suas fontes.

As primeiras fontes, isto é, os verdadeiros nascedouros de normas trabalhistas, no entanto, são os fatos sociais, econômicos e políticos oriundos principalmente da reação das classes trabalhadoras na busca por melhores condições de trabalho ou de vida à irresignação pelas atuais. Estas manifestações despertam na sociedade uma contradição de sentimentos, isto é, ao mesmo tempo em que a sociedade se solidariza com os trabalhadores, cria-se também repulsa pelos efeitos causados por estes eventos. Exemplo disto são às greves, passeatas e operações “tartaruga”, etc. Só que, o resultado da insatisfação social versus os movimentos sociais, faz com que saia da inércia uma das máquinas que produz as normas capazes de evitar o conflito laboral, sejam estas criadas pelo Estado ou pela coletividade.

Por isso, em sentido material, as fontes do direito do trabalho são estes fatos sociais. As normas criadas por qualquer ente, serão consideradas como fontes formais, pois se apresentam como sendo a lei, emanada pela autoridade Estatal, formada por um processo legislativo e conduzido por representantes do povo; a criada pela autonomia privada coletiva; os tratados internacionais e ainda o regulamento interno empresarial.61

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Esclarece-se que doutrinariamente as fontes do Direito do Trabalho são divididas em Materiais (Fatos sociais) e Formais. Estas últimas, subdivididas em Fontes Estatais (Constituição, Lei, Decreto e Sentença Normativa) e Fontes Profissionais (Convenção e Acordo Coletivo, Regulamento e Contrato). Sendo assim, o objetivo aqui é

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Quanto a este último, pode-se afirmar, à luz de uma investigação de hierarquia de norma pautada sob a égide dos direitos fundamentais que, em tese, não há como compará-lo a uma fonte, ainda que seja heterônomo. Primeiro, porque criada exclusivamente pelo próprio Empregador e segundo, em decorrência do fato de que o regimento interno empresarial somente apresenta condutas relativas ao procedimento do trabalho, sendo um instituto conseqüente do poder regulamentar do empregador, e que, por causa da subordinação jurídico-administrativa oriunda do contrato de emprego, o trabalhador estará a ele vinculado.

JOSÉ CAIRO JÚNIOR explica que “No exercício do seu poder regulamentar, o

empregador tem a faculdade de estabelecer um regramento geral válido para todos os seus empregados, desde que não imponha condições de trabalho que sejam mais desfavoráveis a estes últimos.”62 Portanto, como o regulamento não possui a finalidade de ser instrumento normativo para estabelecer condições, defende-se que, à luz dos direitos fundamentais, não se pode considerá-lo como uma lei do direito63.

No que tange à discussão travada sobre o posicionamento hierárquico entre as leis criadas pelo Estado e as normas profissionais, o Direito do Trabalho socorre-se nos princípios para explicar que não existe hierarquia entre estas normas, devendo-se

demonstrar a inexistência de hierarquia entre as fontes Estatais e as Profissionais. Por isso, não serão analisadas a exaustão todas estas fontes, apenas aquelas que mais entram em conflito, quais sejam, a lei infraconstitucional

versus o acordo e convenção coletiva. A Constituição é considerada neste estudo um farol a ser seguido, ou seja,

linhas mestras que, no tocante aos direitos fundamentais, quando intrinsecamente suas normas entram em choque, aplicam-se a ponderação dos princípios vigentes no ordenamento a fim de se solucionar o conflitos (Ver Cap. 2). Já a Sentença Normativa, não será aqui discutida, por se tratar do resultado de uma solução judicial de conflito coletivo. Ela, apesar de ser considerada como fonte, surge em função da intransigência dos entes coletivos em se chegar a um denominador comum em uma mesa de negociação. Por esta razão, quando proferida, impera-se a definitividade da jurisdição, razão pela qual, não mais se poderá discutir seu grau hierárquico, uma vez que, o Judiciário, neste momento, apóia-se na fonte estatal para pacificar o conflito existente na criação da norma coletiva, daí o nome, sentença normativa.

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CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed. Salvador: Podivm, 2009. p. 69

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Cabe ressaltar que a doutrina não é unânime neste posicionamento. A doutrina majoritária, aceita o regulamento como fonte profissional (Neste sentido: Sérgio Pinto Martins e Evaristo de Moraes Filho) Outro posicionamento, só aceita o regulamento como fonte formal (lei) se este for elaborado com a participação do empregado ou proporcionar condições mais favoráveis ao empregado (Súmula 51 do TST) (vide: Alice Monteiro de Barros e José Cairo Júnior). Todavia, na prática, não se verifica regulamentos empresariais sendo firmados em parceria com empregados e, além disso, a elaboração de regulamento no Brasil é facultativa. Por estas razões, reitera-se: regulamento, à luz dos direitos fundamentais, não pode ser considerado como fonte do direito do Trabalho, mas uma norma aplicada apenas quando existente e se mais favorável ao empregado.

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