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Servidor ocupante de Emprego Público e o Regime Celetista

4. O ESTADO E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

4.3 Colaboradores da relação de trabalho com o Estado

4.3.2 Servidor ocupante de Emprego Público e o Regime Celetista

Os servidores contratados ou ocupantes de emprego público são aqueles que, diferentemente dos servidores estatutários, mantêm vínculo com a Administração Pública por meio das normas estatuídas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), contudo, com algumas peculiaridades, a saber:

335

MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Op. Cit. p. 199.

336

TRINDADE, Washington Luiz. Preleções sobre a aporia da vontade coletiva. In Ângulo: Revista dos Estudantes da Faculdade de Direito da UFBa. n.º 21. Salvador: Centro Acadêmico Ruy Barbosa, 1999. p. 21.

Apesar da Emenda Constitucional n.º 19/98, conhecida como reforma administrativa, ter alterado a redação Art. 39, caput da CF337, abolindo a obrigatoriedade da adoção exclusiva do regime estatutário, possibilitando a discricionariedade da contratação entre ambos os regimes, no âmbito das Administrações Direta, Autárquica ou Fundacional, ela não está operando seus efeitos, em função da liminar do STF (ADIN nº 2135-4), publicada em 2007. Isto significa que, no período entre 6 de fevereiro de 1998 e 2 de agosto de 2007 (data da publicação da emenda e data da publicação da decisão liminar com efeito ex nunc, respectivamente) a Administração Pública possibilitou e, com absoluta certeza, inseriu em seus quadros, pessoas laborando com regimes jurídicos distintos.

Mas, apesar da suspensão concedida em sede de tutela de urgência, a promulgação desta reforma ratificou ainda mais os fundamentos aduzidos anteriormente. Esta reforma significou que o poder constitucional derivado se posiciona em uma diretriz de colocar o Estado em uma situação mais maleável à regulamentação trabalhista com a Administração Pública, acatando, por seu critério, uma consolidação de leis estritamente aplicada no âmbito privado.

Inclusive, logo após a emenda, foi promulgada a Lei n.º 9.962/2000 que disciplinou a contratação de servidores pelo regime celetista pelas pessoas jurídicas da Administração Direita. No art. 2º desta lei determina-se que “a contratação de

pessoa para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme natureza e complexidade do cargo” e, apesar desta

norma não tratar expressamente do estágio probatório, apresenta uma feição relativa à estabilidade, embora ainda garantida.

Ocorre que, o art. 3.º da Lei 9.962/2000 dispõe expressamente causas em que pode ocorrer a rescisão do contrato de emprego firmado por ato unilateral da Administração, quais sejam: (a) falta grave, instituída no Art. 482 da CLT; (b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; (c) Necessidade de

redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa e (d) insuficiência de

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Redação do Art. 39, caput, da CF/88, com a alteração pela EC 19: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes”.

desempenho338, o que, de pronto, por estes dois últimos pontos se destaca a grande diferença entre o regime estatutário.

Com efeito, muito embora ambos os regimes prevejam a possibilidade de aferição de desempenho, o servidor sob o regime estatutário deverá ser avaliado periodicamente por procedimento instituído por Lei Complementar339, enquanto o empregado celetista, será literalmente medido, de uma única vez, por procedimento ordinário. Significa dizer que, se esta lei representa a intenção do Estado em flexibilização as relações laborais, tais diferenças apresentadas já demonstram o quanto a característica de estabilidade no serviço público está por chegar ao fim.

Assim, esta normatização corrobora com o quanto dito nos capítulos anteriores, ou seja, o Estado, em função dos novos paradigmas sociais, tais como a revolução tecnológica, a exigência de produtividade e efetividade nas relações de serviço, já demonstra que, em que pese conceder a estabilidade, adotará medidas (diga-se, muito similares à empresa particular) de redução constante de custos, bem como, aferições periódicas de desempenho. E mais, esta mesma lei, de forma perspicaz, esclareceu que outras normas próprias iriam dispor sobre a criação específica de empregos públicos, mas, também assinalou que, outras leis estabeleceriam as regras sobre a transformação dos atuais cargos em empregos públicos340.

Neste sentido, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e GILMAR FERREIRA MENDES, de maneira coerente, ressalvando apenas alguns cargos muito

338

Art. 3º, incisos III e IV da Lei 9962/2000, in verbis:

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a

que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas. (grifos nossos).

339

CF, Art. 41: §1º O servidor público estável só perderá o cargo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(omissis)

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. (N.A. De acordo a pesquisa realizada, não se encontrou proposta para promulgação desta Lei).

340

Art. 1º, §1º da Lei 9962/2000 “Leis específicas disporão sobre a criação dos empregos de que trata esta Lei

no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos.”

específicos341, dentro de um padrão de razoabilidade, asseveram ser absolutamente possível a convivência entre os dois regimes, pois, segundo eles

Destarte, não se comete atentado contra a vontade do constituinte derivado nem contra o texto constitucional, se se conclui que o legislador ordinário, no âmbito do seu poder de conformação, pode estabelecer que, ressalvadas atividades típicas de Estado (que deverão submeter-se ao modelo estatutário), as demais carreiras públicas passarão a ser disciplinadas pela legislação trabalhista [...]

Se corretas essas assertivas, poderá o legislador ordinário adotar o "modelo celetista" para a grande maioria dos empregos efetivos no serviço público. Adotada essa orientação, o "núcleo essencial" do serviço público, relacionado às atribuições exclusivas de Estado, subsistirá sob a regência do sistema estatutário. O regime comum passará a ser, todavia, o da legislação trabalhista.342

No entanto, o fruto desta mescla entre os dois regimes (celetista e estatutário) em convívio mútuo, apesar de a prima vista aparentar algo anormal, em verdade, gerará, de uma vez por todas, a ruptura de concepções equivocadas sobre a condição do trabalhador público. MANUEL ARENILLA SAEZ, destaca que

[...] el efecto más importante será el de la confusión y la inseguridad producidos por los cambios bruscos en la delimitación entre trabajador y funcionario. Todo ello generará el traslado mimético de los principios propios de la negociación y de la acción sindical en la empresa privada al campo público. Sin embargo, esta traslación se efectuará de forma desigual por lo que respecta a los derechos de participación de los funcionarios en el sentido que hemos visto y que luego se completará343.

341

Para os autores estes cargos específicos seriam as carreiras da magistratura (art. 93, inciso VI, e 95) e do Ministério Público (art. 129, parágrafo 4º) e com as carreiras militares (art. 142, incisos IX e X) e de policial militar (art. 42, parágrafo 2º, e 125, parágrafo 4º). Eles, inclusive, trazem à baila a possibilidade do

restabelecimento do sistema previsto na Lei nº 6.185, de 11 de dezembro de 1974, com a redação dada pela Lei nº 6.856, de 18 de novembro de 1980, que, no seu art. 2º, estabelece: "Art. 2º Para as atividades inerentes ao

Estado como Poder Público sem correspondência no setor privado, compreendidas nas áreas de Segurança Pública, Diplomacia, Tributação, Arrecadação e Fiscalização de Tributos Federais e Contribuições

Previdenciárias, Procurador da Fazenda Nacional, Controle Interno, e no Ministério Público, só se nomearão servidores cujos deveres, direitos e obrigações sejam os definidos em Estatuto próprio, na forma do art. 109 da Constituição Federal.". Além destas carreiras, acrescenta-se ainda a carreira de Defensor Público. Todavia,

cargos como os de Oficial de Justiça, Técnicos e Analistas Judiciários da Administração Direita em geral, incluindo aí, as Agências Reguladoras, todos seriam admitidos como servidores públicos ocupantes de emprego público.

342

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar. A superação do regime único: admissão de servidores

públicos sob a CLT. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em:

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/323>. Acesso em: 22 ago. 2006.

343

SAEZ, Manuel Arenilla. La negociación colectiva … Op. Cit. p. 122 (“[...] o efeito mais importante será a confusão e insegurança causada por alterações repentinas da delimitação entre o trabalhador e servidor. Isso gerará a transferência adaptada dos princípios próprios da negociação e da ação sindical da empresa privada ao

Por isso que, no campo das relações de trabalho, sejam estas em regime celetista ou estatutário insiste-se, pedagogicamente, no uso da negociação coletiva tanto para defesa de direitos, melhorias nas condições de trabalho e, principalmente, como instrumento de proteção para trilhar a forte tendência de flexibilização das relações laborais no Brasil344. Defende-se a plena legalidade, possibilidade e adequação desta esta criação jurídica extra-estatal firmada entre o Estado e seus colaboradores como instrumento de avanço social. Nas escorreitas palavras de GUSTAVO ALEXANDRE MAGALHÃES: “O princípio democrático, ao lado das

normas jurídicas protetoras de trabalho, determina que o legislador vislumbre o servidor público como sujeito de direitos em face da Administração e não como súdito do poder administrativo”, qualquer que seja o regime de contratação.

campo público. No entanto, essa transferência se efetuará de forma desigual no que diz respeito aos direitos de participação dos servidores no sentido de que temos visto, mas logo se complementará”)

344

COSTA, Orlando Teixeira da. Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econômica. São Paulo: LTr, 1991. p. 133.

CAPÍTULO 5

5. CONSCIÊNCIA COLETIVA – EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA