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Emergência da Racionalidade Jurídica Comunicativa

2. PÓS-MODERNIDADE – RELAÇÕES JURÍDICO-ESTATAIS

2.4. Emergência da Racionalidade Jurídica Comunicativa

Após se verificar que o Estado brasileiro tem demonstrado indícios, cada vez mais fortes, de que se torna pluralista, justificado que os novos conflitos sociais não podem ser isolados em uma esfera pública ou privada, confirmando assim a necessária formação de um Estado Democrático de Direito pautado no exercício da cidadania e da soberania popular, resta agora demonstrar efetivamente que a comunicação racional é o caminho para a consolidação desta estrutura.

Para tanto, esta fundamentação encontra seus pilares na teoria da racionalidade jurídica99 desenvolvida por JÜRGEM HABERMAS na qual a racionalidade das opiniões dos indivíduos se constitui elemento estruturado de formação e revitalização da esfera pública na busca da emancipação social. Sua tese sustenta que é por meio de uma aceitação consensual e dialógica que se transfigura o ordenamento jurídico em válido, não se podendo supor que exista crença em uma legalidade de um procedimento legitimado por si mesmo, destacando a importância de se evidenciar a participação popular nos juízos de justificação das normas jurídicas100.

De acordo com o sociólogo alemão, isto ocorre em função de existir uma conexão entre soberania popular e os direitos subjetivos, ou seja, a existência de vínculo

98

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.176

99

Também conhecida como Teoria do Discurso, que une a ação comunicativa e o discurso.

100

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol. I. Tradução:. Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1997. passim.

indissociável entre autonomia pública e privada. O nexo existente entre democracia e Estado de Direito consiste no fato de que os cidadãos só utilizam de sua autonomia pública se forem capazes de utilizar sua autonomia privada de forma independente e uniformemente assegurada. Por outro lado, só podem usufruir da autonomia privada se, como cidadãos, fizerem o emprego adequado dessa autonomia política.

MARCELO MINGHELLI, acrescenta que, de acordo a teoria habermasiana, o uso desta autonomia privada de forma independente estaria centrada na idéia de uma

“espacialidade pública autônoma, ou seja, não burocratizada, e que, ao mesmo tempo, poderia orientar ou, pelo menos contrapor-se ao sistema político hegemônico e à sua concepção utilitarista da política”101.

Por esta razão, pode-se afirmar que não há Direito sem a autonomia privada dos cidadãos, ainda que estes só se ternem verdadeiramente autônomos quando eles mesmos criem suas próprias leis. Essa idéia de possibilidade de criar suas próprias leis estimula o processo de formação de uma vontade democrática, com a qual se consegue transferir uma dominação política para uma base ideologicamente neutra de legitimação.

Este sociólogo de Frankfurt defende que a democracia está vinculada “[...] a idéia de

públicos participativos capazes de interagir ou de conciliar uma forma de administração complexa com uma racionalidade societária”102. Por esta razão, a

experiência de um Orçamento Participativo, prelúdio para a formação da Negociação com a Administração no âmbito econômico103, indica a luz para o assentamento prático do que seria apenas uma teoria, isto porque, conforme explica MARCELO MINGHELLI, na experiência deste complexo diálogo “(...) é capaz de propiciar a

implementação de decisões consensuais resultantes de um processo tenso de negociação gerado num espaço público não estatal, acabando por redirecionar as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado”104.

101

MINGHELLI, Marcelo. Orçamento Participativo: uma leitura jurídico-política. Canoas: ULBRA. 2005. p. 42

102

MINGHELLI, Marcelo. Op. Cit. p. 43

103

Ver Cap. 6, item 3.

104

Logo, é com escopo no princípio da soberania, que o exercício dos direitos à comunicação e à participação vêm garantir a autonomia pública dos cidadãos, consequentemente, legitimando aquela norma criada para resolução do conflito afastada a juridicidade estatal, e para que isto aconteça, os sujeitos devem agir não só como destinatários, mas também como autores das leis (soberania política), fazendo-se necessário se aplicar o princípio do discurso105, pela necessidade de assegurar um espaço público discursivo procedimental para atuação da autonomia política dos cidadãos, para que possam participar do processo dialógico e discursivo do consenso.

É necessário, portanto que a autonomia assuma uma figura concreta, usada efetivamente pelos cidadãos e para que isto é fundamental concretizar um outro princípio denominado por HABERMAS de princípio da democracia, isto é,

[...] o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, com efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo de normatização discursiva. O princípio da democracia explica, noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente.106

Logo, afirmar que a democracia é um “arranjo institucional, o modelo político que,

através da participação dos cidadãos, propicia a realização dos objetivos, que são atribuídos ao Estado”107 é dizer que com o exercício da racionalidade, diálogo, participação “o povo, além de titular da soberania, a exerce por si mesmo, ou por

delegação expressa, em benefício de si próprio”108, calcado na forma racional dos

procedimentos que estão inseridos no processo democrático, ou seja, o próprio

105

Para Habermas: “A autonomia tem que ser entendida de modo mais geral e neutro. Por isso introduzi um

princípio do discurso, que é indiferente em relação à moral e ao direito. Esse princípio deve assumir - pela via da institucionalização jurídica - a figura de um princípio da democracia, o qual passa a conferir força legitimadora ao processo de normatização. A idéia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo.” (In Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol. I. Flávio Beno Siebeneichler (trad.), Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1997. p.

158)

106

HABERMAS, Jürgen. Op. Cit.. p. 145

107

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Pluralidade Sindical e democracia. São Paulo: LTr, 1997. p. 56.

108

processo democrático possuiria a capacidade de propiciar os resultados racionais almejados109.

LUCIANA GODINHO DE SOUZA, de forma direta e precisa, explica o processo democrático desenvolvido por Habermas, destacando que este é, em verdade, constituído por

Procedimentos que permitem ao povo criar seu próprio direito – uma concepção que resulta da valorização da fórmula de soberania popular e que implica uma opção definitiva pela democracia representativa, na qual a lei deve nascer da vontade da maioria em uma legislação democrática. Na concepção de Habermas, não há diferença entre razão e vontade, consenso e governo da maioria, o conjunto da sociedade e seus representantes, pois são dimensões postas em comunicação pela mediação do discurso.110

Ademais, PÚBLIO ATHAYDE arremata a importância de HABERMAS justificando que

O novo projeto deve submeter o Estado à sociedade, por formas diretas de participação comunicativa combinadas com a representação política tradicional. Desenhar outras novas formas institucionais, para o Estado que substancialmente não muda há 200 anos, é a suprema tarefa do político, do jurista e do cientista social, democráticos e humanistas, nos dias trágicos que o neoliberalismo nos impõe, até agora impunemente.

No agir comunicativo forte encontrar-se-á a alternativa para o descaminho, o Mundo Social se construirá em novas bases de Direito Social e sob a ótica determinada pela comunicação intersubjetiva e pela ação racional entre os agentes sociais e com reflexo previsível na esfera do Direito.111

Por conseguinte, a legitimidade do Estado para com o Pluralismo Jurídico, ou seja, a legitimação deste Direito Vivo encontra-se pacificada, restando apenas o seu assentamento quanto à adequação junto ao sistema jurídico, que será discutido a seguir.