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Teoria Pluralista Sistêmica do Direito

2. PÓS-MODERNIDADE – RELAÇÕES JURÍDICO-ESTATAIS

2.5. Teoria Pluralista Sistêmica do Direito

109

HABERMAS, Jürgen. Op. Cit.. p. 354

110

SOUZA, Letícia Godinho de. Direito do Trabalho, Justiça e Democracia. São Paulo: LTr, 2006. p. 159.

111

ATHAYDE, Públio. Direito e Democracia em Habermas: Faticidade, Validade e Racionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 134, 17 nov. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4494>. Acesso em: 20 out. 2010.

Ab initio, antes de se chegar à teoria pluralista, é necessário investigar

primeiramente o conceito de sistema. Para tanto, CLAUS-WILHELM CANARIS forte no pensamento de KANT esclarece que

Sobre o conceito geral de sistema deveria dominar - com múltiplas divergências em aspectos específicos - no fundamental, uma concordância extensa: é ainda determinante a definição clássica de KANT que caracterizou o sistema como “a unidade, sob uma idéia, de conhecimentos variados” ou, também, como “um conjunto de conhecimentos ordenado segundo princípios 112

Significa dizer que um sistema é a harmonização de regras, normas e disposições, produzidas pela interação de vários agentes, relacionados entre si e o meio onde convivem, de forma ordenada, com vistas a atingir um determinado objetivo comum pautado em princípios gerais, de modo a existir interdependência entre suas disposições, indispensáveis para a manutenção do todo.

Sendo assim, em face da interação com o meio, os sistemas podem ser classificados em abertos e fechados. Os primeiros possibilitam a troca de informação com o meio, ao passo que os segundos não permitem esta interação. Um exemplo prático para melhor entender esta distinção seria perceber que sistemas vivos jamais podem ser considerados como sistemas fechados, pois sempre existirá a interação dos componentes celulares entre si e com o meio a fim de equilibrar o todo (corpo humano).

Já no sistema jurídico esta distinção é importante para diferenciar o apoio entre as normas extraestatais e as de produção estatal, como assinala CLAUS-WILHELM CANARIS, ao afirmar que “[...] a oposição entre sistema aberto e fechado

identificada com a diferença entre uma ordem jurídica construída casuisticamente e apoiada na jurisprudência e uma ordem dominada pela idéia da codificação”113

No Brasil, onde impera uma forte influência positivista, o sistema jurídico, majoritariamente, apresenta-se como um sistema fechado. RONALDO LIMA DOS SANTOS explica que “[...] essa idéia de sistema jurídico fechado nos remonta à

112

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de sistema na ciência do Direito. Tradução A. Menezes Cordeiro. 3ª ed. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 2002. Título original: Systemdenken und

systembegriff in der jurisprudenz. p. 9.

113

noção do monismo jurídico em que a lei é a única fonte de produção jurídica, sendo as demais fontes meras derivações da ordem estatal”114

Contudo, a partir do final do século XX, foi transportada para as ciências sociais, a teoria da autopoiese115, assumindo o estatuto de modelo explicativo de todo e

qualquer sistema, destacando-se como um dos expoentes116 desta tese, NIKLAS LUHMANN117, o qual defende que, os sistemas sociais são dotados de autopoiese própria, pois reside em um vínculo circular perpétuo em que atos de comunicação geram novos atos de comunicação118.

Por conseguinte, o sistema jurídico por ser cognitivo, comunicativo e normativo, não se encontra em um compartimento estanque, pelo contrário, com base na distinção entre o cognitivo e o normativo, MARCELO NEVES, utilizando-se das palavras de LUHMANN, explica que:

A respeito escreve Luhmann: "Sistemas jurídicos utilizam essa diferença para combinar o fechamento da autoprodução recursiva e a abertura de sua referência ao meio ambiente. O Direito constitui, com outras palavras, um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto [...]. A qualidade normativa serve à autopoiese do sistema, à sua autocontinuação diferenciada do meio ambiente. A qualidade cognitiva serve à concordância desse processo com o meio ambiente do sistema". Daí resulta uma conexão entre conceito e interesse na reprodução do Direito positivo.119

Isto significa que apesar da importância conferida por LUHMANN ao Direito Positivo e à legislação oficial, sua teoria em nada se confunde com uma dogmática analítica, pelo contrário, representa uma significante contribuição para explicar o fenômeno da relação entre direito e sociedade.120 Entretanto, quando existe uma influência cuja orientação seja normativa do ambiente para o sistema, neste momento surge a

alopoiese como paradigma à autopoiese, a qual MARCELO NEVES esclarece como

sendo

114

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 66

115

A Teoria da autopoiese surge nas ciências biológicas, a partir dos estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela. Etimologicamente, a palavra deriva do grego autos (por si próprio) epoiesis (criação, produção).

116

Outros nomes também são referência em sistemas autopoiético, tais como Teubner Gunther

117

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 65.

118

Id. Ibid., p. 66

119

NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica. São Paulo : Acadêmica Editora, 2004. p. 120

120

Derivado etimologicamente do grego állos ("um outro', diferente") +

poiesis ('produção', 'criação'), a palavra designa a (re)produção do

sistema por critérios, programas e códigos do seu meio ambiente. O respectivo sistema é determinado, então, por injunções diretas do mundo exterior, perdendo em significado a própria diferença entre sistema e meio ambiente 121

Esse sistema alopoiético foi sugerido por TEUBNER GUNTHER, o qual defendeu que a potencialidade autônoma do direito é medida pela capacidade de serem firmadas relações auto-referenciais associadas à capacidade do sistema em se organizar ou modificar voluntariamente suas estruturas122, a fim de encontrar um equilíbrio na estrutura firmada entre os subsistemas sociais autônomos123.

Em verdade, este modelo proposto por GUNTHER TEUBNER é a tentativa de compatibilização da teoria dos sistemas de NIKLAS LUHMANN com a teoria do Agir Comunicativo de JÜRGEN HABERMAS, para a criação de um Direito Reflexivo124, o

qual estaria incumbido de traçar um elo entre os componentes sistêmicos internos e externos, a fim de impor regras de convivência de cada parte e possibilitar a cooperação de todos.

MARCELO NEVES, inclusive ressalta que a alopoiese jurídica

Não se trata, pois, do modelo tradicional do pluralismo jurídico, no qual se distinguiria entre direito ‘oficial’ autônomo e esferas jurídicas construídas informalmente e de modo difuso. [...] a concepção pluralista pós moderna, de origem européia, procura apontar para relação de mecanismos extra-estatais ‘quase jurídicos’ com o direito estatal operacionalmente autônomo.125

Isto significa que o sistema jurídico serve à ordem social e por ela é servido, isto é, numa visão pluralista sistêmica, o sistema jurídico encontra sua força motriz na ordem social. Na explicação de RONALDO LIMA DOS SANTOS:

121

NEVES, Marcelo. Op. Cit.. p. 125

122

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 68

123

NEVES, Marcelo. Op. Cit. 144

124

NEVES, Marcelo. Op. Cit. 143

125

NEVES, Marcelo. Op. Cit. 146. No entanto, cumpre ressaltar que o autor, nesta obra, considera um posicionamento ainda mais ousado, isto é, ele considera “[...] a falta de autonomia operacional do direito

positivo estatal. Isto significa a sobreposição de outros códigos de comunicação, especialmente do econômico (ter/não-ter) e do político (poder-não-poder) sobre o código ‘lícito-ilícito, em detrimento da eficiência, funcionalidade e mesmo da racionalidade do direito.” (NEVES, Marcelo. Op. Cit. p. 146). Entretanto, neste

trabalho, muito embora se defenda que existe uma crise legislativa, busca-se encontrar uma via consensual, de convivência pacífica entre as normas estatais e às extraestatais.

A diferença de uma concepção sistêmica pluralista em relação à posição de Luhmann reside na substituição da noção de imunização do sistema fechado (do sistema como o ambiente) pela homeostase do sistema aberto, que permite a efetuação de trocas entre o sistema e o ambiente, sem a perda do equilíbrio, como forma de permitir o acesso ao sistema de valores suprapositivos, éticos e metajurídicos126

Logo, constata-se que nesta nova perspectiva sistêmica, que se afasta do modelo positivista tradicional, as várias fontes de produção normativa extraestatal possam manter relações recíprocas de coordenação, integração, complementação, suplementação, não determinadas por uma ordem jurídica estatal hierarquicamente superior.127

Por isto, afirma-se que a autopoiese128 no direito reside na auto-referência de que tanto as normas extras estatais influenciam o sistema jurídico quanto o próprio sistema não consegue mais subsistir sem elas. RONALDO LIMA DOS SANTOS explica esta circularidade afirmando que

A tradicional concepção do Estado como centro de imputação jurídica é tida como mera ficção, porque não condizente com a complexidade da realidade social, em que os canais estatais de reprodução jurídica são insuficientes para a regulamentação de toda a vida social. As normas jurídicas decorrentes de fontes não estatais são tão cruciais para a sociedade atual que é impossível a concepção de um ordenamento jurídico sem a sua presença. Sem elas o próprio ordenamento estatal não subsistiria.129

Para corroborar com este raciocínio, ANTONIO CARLOS VOLKMER assevera que

Ainda que os chamados direitos “novos” nem sempre sejam inteiramente “novos”, na verdade, por vezes, o “novo” é o modo de obtenção de direitos que não passam mais pelas vias tradicionais - legislativa e judicial -, mas provêm de um processo de lutas e conquistas das identidades coletivas para o reconhecimento pelo Estado. Assim, a designação de novos direitos refere-se à afirmação e materialização de necessidades individuais (pessoais) ou coletivas (sociais) que emergem informalmente em toda e qualquer organização social, não estando necessariamente previstas ou contidas na legislação estatal positiva.130

126

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 70/71

127

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 71

128

Aqui tratada como ação de si fazer a si mesmo.

129

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.. p. 71/72

130

VOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: novo paradigma de legitimação. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=646> Acesso em: 25 jun. 2009

A teoria sistêmica se constrói sobre um modelo de sistema jurídico aberto, que realiza permutas com o meio, com a permissão de normas, sem que estas estejam absolutamente vinculadas à chancela da ordem jurídica estatal, processadas por todos os elementos do sistema, possibilitando um equilíbrio, com permissões de variações, mas sem a quebra da estabilidade fundamental do sistema e a manutenção de sua auto-referência e autonomia relativa.131

Principalmente, quando no século XXI se está diante de uma sociedade altamente conflituosa, na qual o poder é oriundo da velocidade de informação, com obtenção cada vez mais rápida e complexa, relacionada a outras pessoas e complexa. O que se pretende é que “[...] os vários centros de produção normativa expressam a

histórica relação de poder entre vários grupos sociais, estado e indivíduos, tornando indispensável a sua análise sob uma ótica relacional, cujos pressupostos metodológicos são pluralismo e a crítica do direito”132, arremata RONALDO LIMA

DOS SANTOS.

Portanto, crê-se que a sistemática auto-referencial do sistema jurídico se adequa ao pluralismo sistêmico, pressupondo uma ruptura da concepção estatal como fonte monopolizadora de normatividade, legitimando diversos centros legislativos e redefinindo papéis de cada um deles na própria sociedade e na própria relação entre eles. No entanto, a presença constante dos paradigmas tradicionais herdados da dogmática jurídica, descartam a possibilidade da norma jurídica surgir de outro centro de produção que não o estatal, dificulta a aplicação desta sistemática.133

131

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.., p. 72

132

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. Cit.., p. 73

133

CAPÍTULO 3