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4. O ESTADO E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

4.2 O Estado como agente empregador

Alhures demonstrou-se que, na atualidade, o Estado positivista está em processo (mesmo que lento) de sucumbência para uma nova filosofia, qual seja, o Pluralismo jurídico, que, por sua vez encontra-se insculpido, principalmente, no princípio da democracia, consubstanciado no exercício do diálogo racional com vistas a alcançar um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Para assegurar estes fundamentos, firmaram-se como premissas que o Direito é fruto das relações sociais e que são essas relações que devem, por meio de autocomposição, normatizá-lo, e inclusive, sancioná-lo. A validade do direito criado por meio destas normas extra-estatais, não está em uma suposta autorização do Estado, mas em verdade, encontra-se na aceitação consensual e dialógica das partes.280

Só que para restringir o corte epistemológico proposto, é indispensável investigar a natureza e características do regime jurídico que mantém o Estado com seus

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Devido a importância da Autonomia Coletiva, considerou-se relevante tratá-la em separado no Capítulo 5.

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COELHO, Rogério Viola. A relação de trabalho com o Estado: uma abordagem crítica da doutrina

administrativa da relação de função pública. São Paulo: LTr, 1994. p. 22

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Ver Capítulo 2, item 3.

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ROMITA, Arion Sayão. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis... Op. Cit. p. 46

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colaboradores, ou seja, o Estado como agente empregador, uma vez que, como afirmado anteriormente, no novo milênio, o emprego público possui natureza “privatista”, ou seja, há uma ruptura da hierarquização imperativa das normas contratuais, pela plena possibilidade de realização da negociação coletiva de trabalho, uma das fórmulas de composição oriunda da participação democrática.

Portanto, primeiro faz-se necessário entender o significado de regime jurídico. O termo regime, do latim regimen, possui o significado de regimento, normas impostas ou consentidas, disciplina.281 Já o termo jurídico, do latim juridicu, aproxima a idéia de licitude, legalidade, conforme o direito282. Portanto, partindo apenas de uma referência semântica, pode-se conceituar regime jurídico como sendo um conjunto de normas impostas ou consentidas a fim de regulamentar uma situação ou relação firmada entre as pessoas de uma sociedade, com base na idéia de licitude.

Assim, quando uma das pessoas vinculadas a esta relação é o Estado, utiliza-se a expressão regime jurídico-administrativo, ou seja, esta expressão “é reservada tão-

somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administativa.”283. No entanto, MARIA SYLVIA ZANELLA

DI PIETRO adverte que o regime jurídico-administrativo é diferente do regime jurídico da Administração Pública, posto que esta última expressão designa, “[...] em

sentido amplo, os regimes de direito público e de direito privado a que pode submeter-se a Administração Pública”284.

A Constituição brasileira de 1988, por seu turno, ainda prevê que em relação aos trabalhadores da Administração Pública, “A União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas285”, demonstrando com isso que, a prima facie, a natureza

jurídica de vínculo laboral não é contratual, mas uma imposição unilateral, com

281

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit.

282

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit.

283

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 64

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Id. Ibidem.

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disposições regidas em lei, corroborando a idéia de um regime jurídico- administrativo286.

Todavia, ao aprofundar o estudo sobre o regime jurídico firmado entre a Administração Pública e os seus colaboradores, ousa-se contrariar a doutrina administrativista para afirmar que a relação jurídico-administrativa-laboral, na atualidade, está submetida mais ao direito privado do que o público, afastando assim a idéia de superioridade do Estado enquanto ente empregador287.

Isto porque, não mais é possível conceber como no passado, a alta submissão do colaborador da Administração Pública, fazendo com que a natureza jurídica do vínculo firmado entre o Estado e seus empregados seja de um contrato, mas não qualquer contrato, uma espécie de contrato de trabalho288. PAULO EMILIO RIBEIRO VILHENA, ao comentar sobre o conceito de contrato de trabalho, com precisão e acerto especifica que

Em síntese, pode-se definir o contrato de trabalho como aquele em que uma pessoa física participa, integrativamente e com a atividade própria, do processo de produção ou troca de bens e serviços de outrem.

É-nos indiferente a pessoa do credor do trabalho alheio, se pública, se privada, se visa a fins lucrativos ou não, ideais ou religiosos, enquanto a maior ou menor intensidade da tutela do trabalhador vai

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Na União, Lei 8.112, publicada em 1990, que instituiu o Regime Jurídico Único para os Servidores Públicos Civis. No Estado da Bahia, Lei n.º 6.677, publicada em 1994 instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais.

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Inclusive a EC n.º 19/1998 corroborou com esta afirmação quando alterou a redação do caput do Art. 39 para a seguinte: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.”, demonstrando assim a intenção negocial dos regimes jurídicos dos servidores. No entanto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn – 2135) suspendeu liminarmente a vigência desta redação desde artigo no Plenário do STF do dia 02.08.2007 tendo sido o Acórdão publicado no Diário oficial do dia 07.03.2008. O STF, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia do artigo 039, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 019, de 04 de junho de 1998, nos termos do voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira, em função de vício formal, pois na proposta de implementação, durante a atividade constituinte derivada, da figura do contrato de emprego público a inovação não obteve a aprovação da maioria de três quintos dos membros da câmara dos deputados quando da apreciação, em primeiro turno. Decisão com efeitos ex-nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie, lavrou o acórdão. Não participaram da votação a Senhora Ministra Cármen Lúcia e o Senhor Ministro Gilmar Mendes por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Nelson Jobim e Néri da Silveira. Todavia, este assunto ainda não obteve decisão final, o que significa que com as recentes mudanças do STF, do governo brasileiro e ratificação da Convenção n.º 151 da OIT, esta discussão ainda está longe de ter um fim.

288

Como a formação de qualquer contrato envolve a discussão entre a aquiescência e autonomia das vontades, uma abordagem mais aprofundada será realizada no capítulo 5.

tão somente ao cerne e a curso interativo da relação sem, entretanto desfigurá-la.289

Mas, importante agora é não confundir o conteúdo do regime jurídico com a sua natureza jurídica, isto porque, reiteradamente tem se afirmado que o liame empregatício com o Estado possui natureza jurídica trabalhista, ou seja, contratual e por esta razão, consoante explica GUSTAVO ALEXANDRE MAGALHÃES

A natureza do regime consiste em enquadramento comparativo do instituto abordado em face de tradicionais categorias da teoria geral do direito. Já o conteúdo do regime jurídico consiste na análise dos princípios e regras daquele vínculo específico. Assim, a natureza do regime do agente público pode ser trabalhista ou estatutária, por exemplo. Já o conteúdo do regime consiste nos direitos e deveres específicos dos servidores, que variam de regime para regime, independentemente de sua natureza.290

Portanto, dos quatro tipos de regimes em que se enquadram os colaboradores do Estado, quais sejam: o regime jurídico estatutário, regime jurídico celetista, regime especial de direito administrativo (REDA) e regime jurídico militar, é possível se justificar a aplicação de uma solução de autocomposição de conflito bilateral oriunda principalmente do setor privado e da doutrina trabalhista nas duas primeiras, afastando-se os dois últimos regimes.

Com efeito, o Regime Especial de Direito Administrativo (REDA) foi criado em decorrência do preceito estabelecido no Art. 37, IX da CF/88291, que em seu conteúdo determina a possibilidade de contratação por necessidade temporária e excepcional interesse público. União, Estados e Municípios, bem como, suas autarquias e fundações podem criar suas normas para regulamentar esta contratação. No âmbito da União, por exemplo, foi editada a Lei 8.745, de 9 de dezembro de 1993292, no Estadual, especificamente na Bahia, a contratação

289

VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. Contrato de Trabalho com o Estado. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 87

290

MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Contratação temporária por excepcional interesse público: aspectos polêmicos. São Paulo: LTr, 2005. p. 44

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Art. 37, IX CFRB: a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público;

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Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências.

temporária por regime administrativo foi regulamentada pela Lei nº 6.403, de 20 de maio de 1992293.

Logo, pelo corte proposto neste estudo, não há que se falar em uma solução negociada com estes prestadores de serviço em função, principalmente, do seu caráter temporário de sua vinculação e do desempenho inespecífico de suas atividades294. “Os servidores temporários não titularizam cargos nem ocupam

empregos públicos. Desempenham apenas função temporária (que é uma função autônoma, por não estar vinculada a cargo ou emprego) para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público”295, arremata DIRLEY DA

CUNHA JÚNIOR.

Já no tocante ao regime jurídico militar, destina-se às pessoas físicas que prestam serviço às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e por prerrogativa constitucional explícita, estão sob a autoridade suprema do Presidente da República, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, com vistas à defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais (Art. 142, CF/88). Assim, pela sua especificidade, principalmente após a EC n.º 18/98 e por questões de segurança e soberania nacional, não há como justificar, em tese, a formação de uma negociação

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No âmbito do Estado da Bahia, todas as leis, decretos, resoluções, ofícios do Conselho de Política de Recursos Humanos, formulários, minuta de contrato e instruções que objetivam uniformizar e padronizar os procedimentos relacionados à contratação, recontratação ou prorrogação do Regime Especial de Direito Administrativo no âmbito do Poder Executivo Estadual encontra-se disponível em

<http://www.portaldoservidor.ba.gov.br/conteudo/reda>. Acesso em 20 out. 2010. Em particular, a instrução normativa nº. 009 de 09 de maio de 2008 traça, minuciosamente, a rotina específica para contratação e recontratação de pessoal sob Regime Especial de Direito Administrativo – REDA

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No entanto, imperioso o registro de uma digressão a respeito do significado de especial neste regime jurídico e qual a natureza de seu vínculo, se celetista ou estatutária. Quanto à natureza do vínculo existe forte discussão doutrinária, porque enquanto CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (in Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004) e DIÓGENES GASPARINI (in Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2002) defendem a vinculação dos colaboradores pelo REDA ao regime trabalhista, por outro lado DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR (in Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPodivm, 2007) sustenta que o REDA é uma categoria autônoma, ao lado dos estatutários e celetistas, vez que sua contratação é precária e efêmera, medida excepcional limitada ao exercício de atividade temporárias e meramente eventuais. Em meio a esta discussão, GUSTAVO ALEXANDRE MAGALHÃES (in Contratação temporária por excepcional interesse público:

aspectos polêmicos. São Paulo: LTr, 2005) traz uma abordagem em defesa da contratação dos temporários, que

coloca um fim a esta celeuma. Para este autor, primeiramente, a expressão regime especial é meramente formal e vazia de conteúdo porque, em sendo temporário, poderá, em tese, assumir qualquer natureza jurídica. Portanto, não se trata, em absoluto, de um regime autônomo, com princípios e conceitos próprios. Assim, o REDA para este autor, não pode ser configurado como um verdadeiro regime jurídico. Em verdade, para ele, em relação ao pessoal temporário, o Estado poderá instituir regime contratual estatutário ou celetista, desde que,

independentemente do regime jurídico adotado, com a proteção a valorização do trabalho positivada na Constituição Federal, é de se impor que o contratante (Administração Pública) assegure garantias mínimas aos trabalhadores temporários.

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coletiva296. Os militares possuem verdadeiro vínculo institucional com o Estado, atrelados a uma rígida regulamentação297 e uma previsão constitucional expressa do conteúdo do seu regime jurídico, o qual lhes concede alguns direitos do regime celetista298 e algumas prerrogativas do estatutário299.

Entretanto, cumpre ressaltar que Policiais Civis não se enquadram no regime jurídico militar, mas no regime jurídico estatutário, logo, fica assegurada a formação da negociação coletiva com esta categoria.

Quanto aos regimes estatutários e celetistas, por questões de organização, será realizado um estudo mais aprofundado300, porque as pessoas destinatárias as normas firmadas por esta solução de conflito estão vinculadas a estes regimes. Entretanto, primeiramente, é necessário saber quem são estes colaboradores contemplados por este instrumento de exercício de democracia e cidadania.