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O Significado do vínculo de trabalho com o Estado no Século XXI

4. O ESTADO E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO

4.1. O Significado do vínculo de trabalho com o Estado no Século XXI

Ser empregado do Estado brasileiro, até o final da década de 80, não era somente considerado uma troca do esforço físico e psicológico do trabalhador por uma contraprestação pecuniária, mas uma permissão especial concedida pela Administração Pública a poucos cidadãos. Por esta razão, para justificar a adoção da prática de negociações como forma de solução de conflito deste vínculo laboral na atualidade, é necessário, de início, a apreciação de características do serviço público no passado, inclusive para corroborar a afirmação anterior.

A primeira destas características foi a denominada Doutrina do Privilégio, ou seja, no passado, a OIT destacava que o emprego público não era um direito, mas um privilégio do cidadão concedido à reserva do governo. Por outro lado, este fenômeno recebeu o nome de teoria do privilégio porque era privilégio da Administração Pública exercer seu poder discricionário com infinito potencial e injunção da sua autoridade para impor aos servidores as restrições que julgasse necessária.257

No entanto, o empregado público, apesar desta hierarquia, possuía uma situação

mais favorável em relação ao privado, porque possuía carreira administrativa258, com

um número alto de benefícios tais como: estabilidade do emprego, proteção contra despedida arbitrária, promoção por merecimento ou antiguidade, regime mais vantajoso de aposentadoria, dentre outros. Logo, no passado, o significado de

emprego público era o produto formado pelo alto servilismo e inigualável

estabilidade, além de remuneração superior ao mercado privado.

Já no século XXI, dois destes fatores continuam sendo razões preponderantes pela busca do emprego público, independentemente da vocação profissional, quais

257

ROMITA, Arion Sayão. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis: aspectos trabalhistas e

previdenciários. São Paulo: LTr, 1992. p. 45

258

sejam, a estabilidade e a remuneração259. Ocorre que é alto o medo do fantasma do desemprego, principalmente em face da globalização e da estrutura econômica instaurada no Brasil, à qual, em face de qualquer crise nacional ou internacional sente os reflexos imediatos na oferta de emprego. O Ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, JOSÉ LUCIANO DE CASTILHO PEREIRA, comenta

É difícil falar sobre estabilidade num tempo em que a única realidade estável é a queda do número de empregos. Não é fácil cuidar do adjetivo quando o substantivo que ele deve qualificar está seriamente fragilizado. Em verdade, não conseguimos nem identificar a causa do desemprego.260

Inclusive, este medo do desemprego é ratificado com base em dados estatísticos apresentados por convênio firmado entre DIEESE/SEADE e MTE/FAT, que, apesar de demonstrar certa estabilidade no índice de desemprego dos últimos anos, indica que uma grande porcentagem da população economicamente ativa ainda se encontra desempregada261. Além do embate estabilidade versus desemprego, o serviço público ainda possui, na atualidade, mais um atrativo: uma diferença salarial positiva quando comparado ao empregado privado. De acordo com o DIEESE, o rendimento médio real dos empregados vinculados ao setor público teve, nos últimos anos um aumento, enquanto os do setor privado, uma retração262.

Só que, apesar destes critérios ainda subsistirem, na atualidade estão começando a entrar em conflito com alguns novos, exigidos tanto pela população frente ao Estado, como, pelos próprios servidores. Pela população, é cada vez maior a exigência de produtividade, maior eficácia e velocidade na prestação do serviço público. Já entre os servidores, aquela submissão do passado já não encontra-se presente, pois é

259

No tocante a submissão, esta foi mitigada principalmente pelo acolhimento na CF/88 do Direito de Greve.

260

CASTILHO PEREIRA, José Luciano de. Estabilidade no Emprego e a Constituição de 1988. Disponível em <http://www.tst.gov.br/ArtigosJuridicos/ >. Acesso em 01 jul. 2009.

261

Essa informação foi extraída do Sistema PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) vinculado ao DIEESE, com divulgação em janeiro de 2010. As conclusões baseiam-se nos resultados referentes aos valores anuais médios dos principais indicadores do mercado de trabalho das regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo e do Distrito Federal. De acordo a pesquisa, em média, nestas regiões “Em

2009, foram geradas 119 mil ocupações, número insuficiente para absorver as 164 mil pessoas que ingressaram no mercado de trabalho, o que resultou no aumento de 45 mil pessoas na situação de desemprego”. Disponível

em <http://www.dieese.org.br/ped/metropolitana/pedmetropolitanaAnual2009.pdf >. Acesso em 20 out. 2010

262

Um exemplo desta afirmação encontra-se na análise do Rendimento Médio Real dos Ocupados na Região Metropolitana de Salvador do período 2008-2009. Enquanto os trabalhadores do setor privado com carteira assinada obtiveram uma perda de -4,0%, os do setor público obtiveram um rendimento positivo de 4,2%. Isto sem contar que, em valores monetários, em 2009, o rendimento do trabalhador privado era de R$ 972,00 enquanto o do trabalhador público era de R$ 1.805,00. Disponível em

cada vez maior a exigência de melhorias no meio ambiente de trabalho263, não mais apenas a busca por melhores condições monetárias.

Na era da informática, das comunicações virtuais e da velocidade da informação, a população se insurge contra a má prestação do serviço público, principalmente no tocante à demora da prestação do requerimento solicitado, deixando o Estado em uma situação de franco embaraço por causa da dificuldade em se estabelecer eficiência/produtividade em face à natureza do vínculo firmado com o empregado no serviço público.

Ocorre que, a crise orçamentária, cada vez maior, decorrente em grande parte do aumento com a folha de pagamento, principalmente porque o Estado pode ser considerado como o maior empregador nacional264, fez com que se descobrisse que a maior quantidade de servidores não é diretamente proporcional a melhor qualidade de serviço ou maior produtividade. E esta afirmação não é nova, pois em um estudo realizado em 1989 pela Oficina Internacional del Trabajo, em Genebra, já se havia identificado que

Para mejorar la productividad y la responsabilidad del servicio público es preciso concebir y aplicar medidas idóneas en tres niveles: el individuo, el organismo o la entidad y el sistema en su conjunto. [...] Es difícil medir y tratar la productividad en el servicio público porque las metas de la equidad y del rendimiento van a veces en direcciones opuestas y, en todo caso, los objetivos están mucho menos claramente definidos que en el sector privado.265

Por esta razão, apesar dos 21 anos da divulgação deste estudo, a tendência atual da administração pública brasileira, principalmente após a positivação da eficiência

263

O significado de meio ambiente do trabalho utilizado neste trabalho está calcado no conceito realizado por CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, que “É o local onde as pessoas desempenham suas atividades

laborais, remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.” (In: Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 22/23)

264

ROMITA, Arion Sayão. Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis... Op. Cit. p. 46

265

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El Trabajo en el mundo: El servicio público, sus empleados

y trabajadores. Genebra: Organización Internacional del Trabajo, 1989. p. 139. (“Para melhorar a

produtividade e a responsabilidade do serviço público é preciso conceber e aplicar medidas idôneas em três níveis: O individual; o organizacional ou da entidade e o sistema em conjunto. [...] É difícil medir e tratar a produtividade no serviço público porque as metas de comparação e rendimento vão às vezes em direções opostos e, em todo caso, os objetivos estão muito menos claramente definidos que no setor provado.” – tradução

na Constituição266, é a de se adequar, cada vez mais, a modelos privados de gestão de pessoal267, os quais, obrigatoriamente passam por uma avaliação de desempenho funcional. Sobre este assunto, ARNALDO SILVA JÚNIOR explica que

O objetivo da avaliação de desempenho funcional é realizar uma espécie de raio X do seu funcionalismo público, medir a eficiência dos artífices da administração e, ao mesmo tempo, permitir a evolução funcional dos servidores eficientes, por meio da progressão na carreira e a adoção de medidas em relação àqueles com índices

insatisfatórios.268 (grifos nossos)

Só que a adoção de qualquer medida que venha a alterar o comportamento do trabalhador encontra-se limitada pelo vínculo jurídico laboral aplicado no serviço público269 e, conseqüentemente, atrelado à questão da estabilidade. AMAURI MASCARO NASCIMENTO explica que a estabilidade no emprego é diferente de medidas destinadas a dificultar a dispensa do empregado, ou seja

Estabilidade jurídica é expressão que se relaciona unicamente com a dispensa do empregado. Há, aqui, duas dimensões a serem consideradas. Para denominá-las, os juristas falam em estabilidade própria e estabilidade imprópria. [...]

Conceituaremos, inicialmente, estabilidade no emprego. É o direito do trabalhador de permanecer no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, enquanto inexistir uma causa relevante expressa em lei e que permita a sua dispensa. É o direito ao emprego. É o direito de não ser despedido. A garantia de ficar no emprego, perdendo-o unicamente se houver uma causa que justifique a dispensa indicada pela lei. Funda-se, portanto, no princípio da causalidade da dispensa. Destina-se a impedir a dispensa imotivada, arbitrária, abusiva. (N.A.:

Refere-se à estabilidade própria)

Estabilidade no emprego difere de medidas destinadas a dificultar a dispensa do empregado, sem impedi-la, mesmo sem causa. Exemplifique-se com a indenização. O empregado pode ser despedido, mas se a dispensa não se fundar em justa causa, ele terá

266

Art. 37 CFRB caput. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (grifos nossos)

267

Um exemplo desta tendência foi a criação do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais, com atribuição de coordenar o planejamento e a gestão estratégica do Poder Judiciário que, inclusive, em 2009 publicou a Resolução de n.º 70, a qual dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário. Nesta resolução foram instituídos 15 (quinze) objetivos estratégicos, distribuídos em 8 (oito) temas, sendo que um destes é a Gestão de Pessoas.

268

SILVA JÚNIOR, Arnaldo. Dos Servidores Público Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 210.

269

De acordo ao consultor Renato Munhoz da Rocha “Você contrata a pessoa pela sua capacidade.

Promove ou demite pelo seu comportamento”. Só que no serviço público, desde 1988, a contratação é realizada

pela capacidade de ser aprovado em um concurso, o que nem sempre identifica a melhor capacidade profissional para o desempenho daquela atividade. E mais, com a forma consagrada da estabilidade nos dias atuais, o comportamento improdutivo não será palco para o afastamento do trabalho.

direito a uma indenização. Como se observa, esses direitos não impedem a dispensa. Dificultam-na, apenas em especial a indenização. Não são, a rigor, medidas de estabilidade270. (N.A.:

Refere-se à estabilidade imprópria)

Por esta razão, cria-se aqui um axioma. Não se vislumbra uma possibilidade de implantação de gestão de produtividade no Estado sem que existam mecanismos de afastamento do servidor em decorrência de uma séria avaliação de desempenho funcional, até porque, “Enfrentados a exigencias cada vez mayores en materia de

servicios públicos y limitados por severas restricciones presupuestarias, los gobiernos han concebido toda una serie de planes para aprovechar mejor los recursos disponibles con miras a ‘hacer más cosas con menos medios’”271.

Não se quer dizer com isso que será o fim da estabilidade do emprego público, mas, com forte grau de certeza, pode-se afirmar que a estabilidade como se conhece hoje se encontra neste novo milênio com tendência de esgotamento. Inclusive, deve-se ressaltar que não é contemporânea a idéia de que melhorar a produtividade do serviço público está diretamente atrelada a grandes programas de reformas nos quais estão sempre em voga temas como a descentralização, simplificação da regulamentação, privatização e utilização cada vez maior da informática e de outras tecnologias de informação272.

Defende-se aqui que a estabilidade é conquistada com o exercício de um trabalho competente, produtivo e eficaz, até porque, por prerrogativa constitucional, qualquer trabalhador vinculado ao Estado é protegido pelo direito de que se houver qualquer alteração nos termos do seu vínculo laboral, esta obrigatoriamente será realizada de modo motivado e ainda a garantia da instauração de processo administrativo com ampla defesa, contraditório, duplo grau de jurisdição e, inclusive, acesso ao Judiciário para combater qualquer tipo de ato arbitrário.

Por sua vez, consoante axioma proposto anteriormente, quando se coloca a estabilidade direta dos servidores públicos em cotejo com o panorama mundial de

270

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 10ª Ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 161.

271

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El Trabajo en el mundo... Op. Cit. p. 139. (“Confrontado

com exigências crescentes sobre os serviços públicos e limitados por severas restrições orçamentais, os governos desenvolveram uma série de planos para utilizar melhor com os recursos disponíveis, a fim de’ fazer mais com menos meios’” – Tradução nossa).

272

cortes no gasto público, flexibilização das relações de trabalho e aproximação das soluções privadas de aumento da produtividade no setor público, é possível se realizar uma previsão de que haverá uma conversão da estabilidade direta para a estabilidade indireta.

No entanto, paralelamente a esta “crise da estabilidade” com tendência à perda deste direito, o aumento no número de servidores públicos fez também com que houvesse um maior crescimento de trabalhadores dos serviços sociais, que tendem mais a sindicalizar-se que os outros273, além de que,

Hubo, además, una erosión gradual de los privilegios de este personal al crecer su número, al paso que empeoraron sus condiciones de empleo en comparación con las negociadas por medio de con las negociadas por medio e convenios colectivos en el sector privado.274

Foi, a partir de então, que os servidores reunidos buscaram melhorias, não apenas monetárias, mas para o meio ambiente de trabalho, na tentativa inclusive de recompor a erosão de alguns outros benefícios que com o decorrer do tempo foram sendo retirados de forma unilateral. O fortalecimento da reunião desta coletividade foi de tamanha importância que este fato se tornou um colaborador decisivo para a positivação na Constituição brasileira de 1988 do direito à sindicalização e greve do servidor público.

Isto demonstra nitidamente a diretriz a ser adotada pelo Estado brasileiro, qual seja, a busca de uma solução do conflito pelo método bilateral, com espelho no mundo privado, denominada de negociação coletiva. Esta tendência não é apenas nacional, mas mundial275, e decorre do fato de que, como afirma ROGÉRIO VIOLA COELHO “no Estado Democrático de Direito, os servidores públicos conquistam a cidadania

273

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El Trabajo en el mundo... Op. Cit. p. 123

274

OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El Trabajo en el mundo... Op. Cit. p. 123 (“Houve também

uma erosão graudal dos privilégios destes funcionários com o crescimento da quantidade, ao passo que as condições pioraram os seus empregos, em comparação com negociadas por meio de convênios coletivos do setor privado” – Tradução nossa).

275

De acordo a OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El Trabajo en el mundo...(op. cit) em 1989 já se verificava a existência de realização desta ocorrência desta solução de conflito com o setor público na África e Ásia, em especial na República Unida da Tanzânia, Sri Lanka, Nigéria e India. Na América Latina, a prática deste instituto é mais forte na Região do Caribe (em Barbados, Guiana, Jamaica e Trinidade e Tobago), mas ainda é fraca na região sul, ocasionalmente ocorrida na Colômbia e, a partir de 1983, na Argentina. Na região da Europa, a negociação é forte na Espanha, Itália, França e Suécia. Na Oceania, a Austrália, desde 1987, já realiza a negociação.

plena, vendo reconhecida pelo direito a sua esfera de vontade, que se manifesta como autonomia coletiva276”.277

Assim, por estas razões se pode afirmar que, além da summa divisio ter sido superada na ciência do direito278, o significado da relação de trabalho com o Estado, neste novo milênio, pode ser caracterizado por um emprego público de natureza “privatista”, ou seja, nas palavras de ARION SAYÃO ROMITA

O Direito Coletivo do Trabalho invadiu os domínios da administração pública. Os fatos determinaram a superação da antiga noção de identidade entre os interesses da administração e os dos servidores. Verificou-se uma convergência entre os interesses dos trabalhadores do setor privado e os do setor público. Antes, falou-se de uma “publicização” do Direito; agora, surge a tendência a “privatizar” o direito aplicável aos trabalhadores do setor público.279