• Nenhum resultado encontrado

2. A PROTEÇÃO INTERAMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS DOS

2.3 A PROTEÇÃO INTERAMERICANA JURISDICIONAL DOS DIREITOS

2.3.2 A Corte IDH e os Estándares Interamericanos de Proteção dos Direitos

Em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), cabe inicialmente destacar que se apresenta como instituição judicial, independente e

96 Cf. CIDH, Informe sobre comunidades cautivas: Situación del pueblo indígena Guaraní y formas

contemporáneas de esclavitud en el Chaco de Bolivia, párr. 58; CIDH, Derechos humanos de los migrantes y otras personas en el contexto de la movilidad humana en México, p. 23.

97 Cf. CIDH, Informe de Fondo No. 78/11, Caso 12.586, John Doe y otros (Canadá). 21 de julio de 2011,

autônoma, cujo principal objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH)98.

Dita Corte Interamericana tem como funções definidas pela Convenção Americana a contenciosa e consultiva, respectivamente previstas nos arts. 61 a 63 e art. 64.

Nas palavras do Professor Sidney Guerra99, considerando o dever de

cumprimento assumido pelos Estados ao ratificarem a Convenção Americana, a Corte IDH exerce sua competência contenciosa considerando a responsabilização do Estado pela violação da CADH.

Assim, segundo o Professor, o Estado, ao ratificar dita Convenção, se comprometeu em não só cumpri-la, mas também garantir, prevenir e investigar possíveis violações a CADH100.

Neste sentido, além de respeitar as normas de direitos humanos convencionadas internacionalmente, o Estado tem o dever de fazer cumprir tais normas, utilizando-se, inclusive, do seu direito interno para punir possíveis violações.

A competência consultiva da Corte foi estabelecida através do artigo 64 da CADH, que prevê a possibilidade de encaminhamento de consultas por qualquer Estado parte (ou algum dos órgãos nominados no Cap. X da Carta OEA), em relação à interpretação da CADH (ou outros tratados que versem sobre proteção de Direitos Humanos) e a proteção dos Direitos Humanos efetivada nos Estados101.

Em relação a sua competência, dita Corte deve observar as condições de admissibilidade semelhantes à CIDH, previstas nos artigos 48 a 50 da CADH. Ainda neste sentido, há que se observar a condição ratione personae, que prevê que somente os Estados parte e a Comissão tem competência para acionar a Corte IDH; a condição

ratione materiae, que prevê que a Corte poderá conhecer qualquer caso relativo à

98 GUERRA, Sidney. Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

200.

99 GUERRA, Sidney. Ob. Cit. p. 201.

100 “A Corte deve exercer sua competência contenciosa considerando a responsabilidade do Estado pela

violação, uma que este se obrigou, ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a não só garantir, como prevenir e investigar, usando todos os recursos que dispuser para impedir as violações da Convenção Americana. Desses compromissos, derivam obrigações de punir, como rigor de suas normas internas, os infratores de normas de direitos humanos constantes de sua legislação e da Convenção Americana, assegurando à vítima a reparação adequada. O Estado não pode se eximir da obrigação de reparar violação, conforme estabelecem as normas de Direito Internacional relativas à responsabilidade internacional do Estado, alegando, por exemplo, que a medida a ser tomada viola seu direito interno[...]”. Ibidem.

101 PEREIRA, Antônio Celso Alves. A Competência Consultiva da Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Revista Interdisciplinar de Direito, [S. l.], v. 11, n. 1, out. 2017. ISSN 2447-4290. P. 26.

interpretação e aplicação da CADH; por derradeiro, a condição ratione temporis, uma vez que a competência da Corte pode sofrer limitação temporal, pois o artigo 62, 2, da CADH estabeleceu que a competência poderá ser aceita por prazo determinado.

Diferentemente da CIDH, a atuação da Corte tem uma espécie de competência facultativa. Significa que a Corte IDH só poderá conhecer os casos a ela apresentados, seja pela CIDH seja por um Estado parte da CADH, caso o Estado acusado da violação a CADH tenha reconhecido a competência da Corte para interpretação e aplicação da Convenção Americana102.

Assim, só estão submetidos à competência contenciosa da Corte IDH os Estados que a reconheceram expressamente, quando do depósito do instrumento de ratificação ou adesão à CADH, ou em momento posterior, nos termos do artigo 62103 da

CADH. Trata-se de cláusula facultativa da CADH.

Neste contexto do trabalho que vem sendo desenvolvido pela Corte IDH desde sua instalação, em 1979, aqui serão abordados 7 casos contenciosos e 4 opiniões consultivas, mesmo que de forma não aprofundada, cuja temática guarda estrita relação com o tema deste estudo. Em seguida, será trabalhada a jurisprudência em relação ao tema dos Direitos Humanos dos Migrantes.

O primeiro caso é a Opinião Consultiva OC-16/99, que respectivamente também inaugurou análise pela Corte IDH em matéria dos direitos humanos dos migrantes. Através desta OC, a Corte declarou que o não cumprimento do dever de informar aos presos sobre o direito de assistência consular, previsto na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares (CVRC), representava violação ao devido processo104.

Ao tratar sobre a vulnerabilidade de trabalhadores imigrantes, a Corte emitiu a Opinião Consultiva OC-18/03, cujo objeto é a “Condição Jurídica e Direitos dos

102 GUERRA, Sidney. Ob. Cit. p. 203.

103 CADH. ARTIGO 62 1. Toda Estado-Parte, pode, no momento do depósito do seu instrumento de

ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. 2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário-Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros Estados-Membros da Organização e ao Secretário da Corte. 3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados-Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial.

104 MOREIRA, Thiago Oliveira. A Concretização dos Direitos Humanos dos Migrantes pela

Jurisdição brasileira. Curitiba: Instituto Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2019. p.

Migrantes Indocumentados”. Na referida opinião, restou aprovada a posição de que os Estados devem respeitar e assegurar direitos humanos dos migrantes à luz do princípio da igualdade e não-discriminação105.

Enfrentando o tema pela primeira vez em jurisdição contenciosa, a Corte IDH consolidou o entendimento exarado na OC-16/99, quando do julgamento do Caso Tibi vs. Equador, em 2004, ao condenar o Estado pela violação do direito de assistência consular do Sr. Daniel David Tibi106.

Já em 2005, no mesmo sentido da decisão retro mencionada, no julgamento do Caso Acosta Calderón vs. Equador (2005), a Corte condenou o Estado novamente por violação do art. 8º da CADH, vez que o estrangeiro foi preso, julgado e condenado sem ser informado do seu direito à assistência consular107.

Ainda em 2005, quando do julgamento do Caso das crianças Yean e Bosico vs. República Dominicana, em razão da negativa de nacionalidade das crianças que nasceram na República Dominicana, a Corte condenou o Estado, considerando que a situação migratória de uma pessoa não é condição para concessão de nacionalidade pelo Estado, bem como o status migratório de uma pessoa não se transmite aos seus filhos, devendo prevalecer, em tese, o critério jus solis para aquisição de nacionalidade, no caso em questão108.

Em outro caso emblemático que tratava sobre a privação de liberdade de estrangeiro, quando do julgamento do Caso Vélez Loor vs. Panamá (2010), a Corte decidiu que o Estado deve garantir a toda pessoa estrangeira, independentemente da sua situação migratória, a possibilidade de fazer valer seus direitos e defender seus interesses de forma efetiva e em condições de igualdade processual com os nacionais109.

Em outro julgado (Nadege Dorzema e outros vs. República Dominicana), a Corte afirmou sobre a vedação à expulsão coletiva e restrição do uso de armas de fogo para infrações de natureza administrativa, como é o caso das infrações migratórias. Assim, o Estado foi condenado por violar direito a vida, a integridade e liberdade pessoal, garantias judiciais, não-discriminação e o devido processo legal110.

Já no ano de 2013, ao julgar o Caso Familia Pacheco Tineo vs. Estado Plurinacional da Bolívia, tratando sobre a violação as garantias aplicáveis ao

105 Ibidem. p. 326. 106 Ibidem. p. 328-329. 107 Ibidem. p. 329-330. 108 Ibidem. 331. 109 Ibidem. p. 333. 110 Ibidem. p. 335-336.

procedimento de solicitação de refúgio, a Corte condenou o Estado ao estabelecer que há violação do direito a garantia judicial quando não se observam os parâmetros do devido processo legal no procedimento de determinação da condição do refugiado111.

Em outra situação não contenciosa, a Corte emitiu a Opinião Consultiva OC- 21/14, tratando sobre as particularidades inerentes às crianças que se encontrem em situação migratória regular. Na presente OC, a Corte IDH firmou entendimento de que as crianças são titulares de direitos adicionais, para além dos direitos humanos que são inerentes a todas as pessoas, em razão de necessitarem de atenção especial. Neste sentido, dentre outros, destaca-se o entendimento de que nem em último caso seria possível a prisão de crianças pelo fato de terem ingressado de forma irregular em um território, vez que seria uma prisão totalmente arbitrária112.

Já no ano de 2014, ao julgar o Caso de Pessoas Dominicanas e Haitianas Expulsas vs. República Dominicana, enfrentando novamente o tema sobre o fenômeno migratório naquele país, a Corte condenou a República Dominicana pela sua política migratória que objetivara tolher direito à nacionalidade dos imigrantes haitianos e dos dominicanos descendentes de haitianos113. Foi reconhecido pela Corte IDH que a

República Dominicana cometeu violação ao direito ao nome, nacionalidade, liberdade pessoal, proibição de expulsão coletiva, dentre outros114.

Por fim, no ano de 2018, em mais um caso consultivo, a Corte emitiu a Opinião Consultiva OC-25/18 em que definiu que asilo é gênero que comporta a totalidade das instituições vinculadas à proteção internacional das pessoas forçadas a fugir de seu país de nacionalidade ou de residência. Restou a interpretação dos arts. 22.7 e 22.8 da CADH e XXVII da DADDH no sentido: a) o direito de buscar e receber asilo, previsto no sistema interamericano, encontra-se configurado como um direito humano a buscar e receber proteção internacional em território estrangeiro, incluindo com esta expressão a condição de refugiado, b) o asilo diplomático não é protegido pelo art. 22.7 da CADH ou pelo art. XXVII da DADDH, devendo-se reger pelas convenções próprias, c) o princípio da não devolução é exigível por qualquer pessoa estrangeira, incluindo aquelas

111 Ibidem. p. 338. 112 Ibidem. p. 340.

113 Cf. GAMBOA, Liliana; REDDY, Julia Harrington. Desnacionalización judicial de las personas

dominicanas de ascendencia haitiana. In.: Revista Migraciones Forzadas, nº 46, 2014, p. 09.

em busca de proteção internacional e d) o princípio da não devolução impõe obrigações positivas aos Estados115.

Assim, considerando o aspecto didático, serão utilizados os estándares116

interamericanos de proteção aos Direitos Humanos dos Migrantes, que se configura como uma interpretação do significado e do escopo das normas internacionais e que serve para determinar a legalidade da conduta de um sujeito sob as circunstâncias particulares acerca de determinado tema.

Sem embargo, em razão da submissão do Brasil à competência contenciosa da Corte IDH, ditos estándares interamericanos, relacionados aos direitos humanos dos migrantes, serão utilizados como parâmetros para o controle de convencionalidade objetivo deste estudo.

a. Obrigações gerais de respeito à pessoa em situação de mobilidade humana (não discriminação e igualdade perante a lei)

Neste primeiro estándar, importa destacar que o entendimento majoritário de todo o Sistema Interamericano é de que o Estado tem dever de respeito aos direitos humanos de todas as pessoas que estejam sob sua jurisdição, sejam elas nacionais ou não, em situação de regularidade migratória ou não117, em obediência ao princípio de

igualdade e não discriminação118.

115 Ibidem. p. 349-356.

116 Sobre o conceito de estándares: “Es importante destacar entonces que los estándares internacionales

pueden verse desde dos puntos de vista: en sentido amplio, comprenden a todas las interpretaciones sobre el sentido y alcance de normas y que sirven para determinar la licitud de la conducta de un sujeto bajo las circunstancias particulares del caso; en sentido estricto, el término se limita al ámbito de las especificaciones técnicas u otros criterios precisos que se crean para ser usados consistentemente como reglas, guías, o definiciones de métodos, procesos, prácticas, e incluso productos y servicios”. PASTORI, Alejandro. Los Estándares Internacionales, ¿Son Fuentes de Derecho Internacional Público? In: Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas. V. 18, nº 32, 2018. Disponível em: http://srvapp2s.santoangelo.uri.br/seer/index.php/direito_e_justica/article/view/2843/1474. Acesso em: 27 de maio de 2020.

117 Corte IDH. Derechos y garantías de niñas y niños en el contexto de la migración y/o en necesidad de

protección internacional. Opinión Consultiva OC-21/14 de 19 de agosto de 2014. Serie A No. 21, par. 62.

118 “La Corte Interamericana ha reiterado el carácter imperativo del principio de protección igualitaria y

efectiva de la ley y del principio de no discriminación. Así, en la Opinión Consultiva OC-18/03 se afirma que el principio de igualdad ante la ley, igual protección ante la ley y no discriminación, tiene el carácter de jus cogens (párrafo 101), ya que sobre él “descansa todo el andamiaje jurídico del orden público nacional e internacional y es un principio fundamental que permea todo el ordenamiento jurídico””. MORALES SÁNCHEZ, Julieta. Derechos de los migrantes en el Sistema Interamericano de

Dito princípio é considerado como imperativo do direito internacional geral119,

sendo aplicável a todos os Estados, independentemente de serem parte ou não de determinado tratado. A Corte IDH entende que o princípio de não discriminação e igualdade perante a lei é norma de jus cogens, vez que repousa sobre todo arcabouço legal da ordem pública nacional e internacional, não se admitindo nenhum ato que o confronte120.

Neste cenário, destaca-se que origem, cidadania, nacionalidade e nenhum outro fator da pessoa pode ser utilizado como condição para [des]proteção e garantia de direitos humanos, devendo o Estado garantir igual proteção a nacionais ou estrangeiros, em respeito aos direitos estabelecidos na DADDH121.

A Corte também tem assinalado, no que se refere ao contexto da proteção das pessoas em situação migratória, que o termo “jurisdição” do artigo 1.1 da CADH que trata da obrigação de respeito e garantia de Direitos Humanos, está se referindo a todas as pessoas que estão não só sob competência territorial do Estado, mas também que esteja sob sua competência pessoal ou de serviços públicos, independendo sua origem, raça, gênero, ou qualquer outro meio de discriminação122.

No mesmo sentido, a Corte também tem consolidado o entendimento de que o Estado tem obrigação de respeitar123 e garantir o exercício dos Direitos Humanos, nos

termos do artigo 1.1 da Convenção, vez que ao ratificar a CADH o Estado assume o

119 “O fundamento principal de todo o ordenamento jurídico Ocidental é o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, agregado ao Princípio da Igualdade e Não Discriminação. Assim sendo, não cabe aceitar qualquer forma de discriminação, ainda que o aparato jurídico não lhe faça referência textual”. GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: sua aplicação

às relações de trabalho. (Tese de Doutorado). São Paulo: USP, 2007. Disponível em:

https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/7852/1/Yara%20Maria%20Pereira%20Gurgel.pdf. Acesso em 04 de julho de 2020. p. 67.

120 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITO HUMANOS. Cuadernillo de Jurisprudencia de la

Corte Interamericana de Derechos Humanos nº 2: Personas en Situación de Migración o Refugio.

San José, C.R.: Corte IDH, 2020. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/cuadernillo2.pdf. Acesso em: 08 de jul de 2020. p. 13.

121 CIDH, Informe de Admisibilidad y Fondo No. 51/01, Caso 9903, Rafael Ferrer-Mazorra y otros (Los

Cubanos del Mariel) (Esatdos Unidos). 4 de abril de 2001, par. 179.

122 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinión Consultiva

OC-18/03 de 17 de setembro de 2003. Serie A No. 18, par. 96. Corte IDH. Derechos y garantías de niñas y niños en el contexto de la migración y/o en necesidad de protección internacional. Opinión Consultiva OC-21/14 de 19 de agosto de 2014. Serie A No. 21, par. 62.

123 Trata-se de esferas individuais que o Estado não pode violar ou nas quais só pode penetrar

limitadamente. Assim, na proteção dos direitos humanos, está necessariamente compreendida a noção da restrição ao exercício do poder estatal (A expressão "leis" no artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Parecer Consultivo OC-6/86 de 9 de maio de 1986. Série A Nº. 6, par. 21)

dever de não violar, seja por ação ou omissão, os direitos que são reconhecidos na Convenção e em outros instrumentos de direitos humanos124.

Neste raciocínio, a Corte IDH entende que é dever dos Estados Partes "garantir" o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na CADH a toda pessoa sujeita à sua jurisdição. Esta obrigação implica o dever dos Estados partes de organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas através das quais se manifesta o exercício do poder público, incluindo-se o ordenamento jurídico, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como consequência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o restabelecimento, se possível, do direito violado e, se for o caso, a reparação dos danos produzidos pela violação dos direitos humanos125.

Aliás, neste aspecto, a existência de um aparato normativo não esgota a obrigação relativa ao Estado, persistindo a necessidade de uma conduta governamental que assegure a existência, na realidade, de uma eficaz garantia do livre e pleno exercício dos direitos humanos.

No mesmo sentido, a Corte IDH entende que o Estado tem o dever de não discriminar, prevenir e reduzir a apatridia, decorrente do princípio em tela.

Os Estados têm a obrigação de não adotar práticas ou legislação sobre nacionalidade cuja aplicação favorece o aumento do número de apátridas, uma condição derivada da falta de nacionalidade, quando um indivíduo não se qualifica, de acordo com as leis de um Estado, a recebê-la, como consequência de sua privação arbitrária, ou concedendo uma nacionalidade que não seja efetiva a prática126. A apatridia torna

impossível o gozo de direitos civis e políticos de uma pessoa e causa uma condição de extrema vulnerabilidade127.

124 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, Fondo. Sentencia del 29 de julio de 1988. Serie

C No. 4, par. 169

125 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, Fondo. Sentencia del 29 de julio de 1988. Serie

C No. 4, par. 166.

126 “Aunque el Estado puede definir cuáles son las circunstancias que determinan la adquisición y la

pérdida de su nacionalidad, tales circunstancias deben ser establecidas con anterioridad, de forma objetiva y clara por la autoridad competente; además, la interpretación de los criterios fijados debe ser razonable. Por supuesto, esto no impide que un Estado tenga políticas restrictivas en materia de nacionalidad, siempre que esas políticas se ajusten a los criterios formales de previsibilidad, objetividad y claridade”. ARLETTAZ, Fernando. Entre potestad soberana y derecho humano: la nacionalidad en el sistema

americano. Rev. derecho (Valdivia), v. 30, n. 1, 2017, p. 191.

127 Corte IDH. Caso das crianças Yean e Bosico vs. República Dominicana. Sentença de 8 de setembro de

Assim, destaca que o artigo 20.2 da Convenção Americana indica que uma pessoa nascida no território de um Estado tem direito à nacionalidade desse Estado "se não tiver o direito de outros". Esta disposição deve ser interpretada à luz da obrigação de garantir a toda pessoa sujeita à jurisdição estatual o exercício de seus direitos, conforme estabelecido no artigo 1.1 da CADH. Portanto, o Estado deve ter certeza de que a criança nascida no seu território, imediatamente após o nascimento, pode efetivamente adquirir a nacionalidade de outro Estado, em caso contrário, deve adquirir a nacionalidade do Estado em cujo território nasceu128.

Ainda neste sentido, o princípio da não discriminação e igualdade perante a lei também determina que seja assegurada igualdade e não discriminação em relação aos direitos laborais dos migrantes indocumentados.

A Corte entende que os direitos trabalhistas surgem necessariamente do status de trabalhador, em seu sentido mais amplo. Qualquer pessoa que irá executar, executa ou tenha realizado uma atividade remunerada adquire imediatamente o status de trabalhador e, consequentemente, os direitos inerentes à referida condição. O direito ao trabalho, seja regulamentada em nível nacional ou internacional, é uma ordem de tutela para os trabalhadores, isto é, regula os direitos e obrigações do empregado e do empregador, independentemente de qualquer outra consideração de natureza econômica ou social. Uma pessoa que entra em um Estado e inicia relações de trabalho, adquire seus direitos trabalhistas nesse Estado onde desempenha a atividade, independentemente