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3. A CONVENCIONALIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO ESTATAL

3.6 EFEITOS DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

Por derradeiro tema deste capítulo, abordam-se os efeitos decorrentes do efetivo exercício do Controle de Convencionalidade.

Ao enfrentar o tema, como prima facie, deve-se tratar acerca do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre quais efeitos são aplicados no caso de uma norma de direitos interno ser declarada inconvencional.

Ao julgar diversos casos em que havia denúncias contra Estados que adotaram leis de [auto]anistia para impedir investigações e punições de crimes ocorridos,

333 Sobre este assunto, Cf. MOREIRA, Thiago Oliveira; SILVA, Tony Robson. La [in]

convencionalidad de la regulación migratoria brasileña. In: VEIGA, Fábio da Silva; MIRANDA

GONÇALVES, Rubén (dirs.); BENEVIDES, Solón Henriques de Sá; GAUDÊNCIO, Francisco de Sales (coords.). Governança e Direitos Fundamentais – Revisitando o debate entre o Público e o Privado. Porto/Santiago de Compostela: Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos e Universidade de Santiago de Compostela, 2020. ISBN: 978-84-09-17702-8.

principalmente, em períodos de regimes de exceção, a Corte IDH decidiu que tais normas careciam de efeitos jurídicos.

De acordo com tal entendimento, a norma é declarada inválida, deixando de produzir efeitos jurídicos.

Neste sentido, aliás, foi o entendimento exarado na decisão da Corte IDH no Caso Barrios Altos vs. Perú (2001), quando declarou que uma lei manifestadamente incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos carece de efeitos jurídicos e não pode ser usada para obstacular uma investigação e a possível penalização dos responsáveis pelo crime.334

Este entendimento foi reiteradamente assentado pela Corte IDH quando da apreciação dos casos Almonacid Arellano vs. Chile (2006), La Cantuta vs. Perú (2006),

Anzualdo Castro vs. Perú (2009), Gomes Lund vs. Brasil (2010), Gelman vs. Uruguay

(2011), Masacres de El Mozote y lygares aledaños vs. El Salvador (2012), García

Lucero y otras vs. Chile (2013) e Osorio Rivera y familiares vs. Perú (2013).

Para a Corte IDH, normas que declarassem anistia geral e irrestrita, criando uma nuvem de fumaça acerca de crimes e violações contrários aos Direitos Humanos, são incompatíveis com o dever internacional que os Estados tem de investigar e sancionar as graves violações aos Direitos Humanos, assim como incompatíveis com a própria Convenção Americana, o que torna tais normas carentes de efeitos jurídicos.

Tal entendimento ganhou tanta força no seio da Corte Interamericana que, quando do julgamento do Caso Almonacid Arellano, em 2006, a Corte reconheceu que alguns tribunais chilenos já não aplicavam o decreto de anistia atacado, mas considerando que a Convenção impõe ao Estado a obrigação de suprimir toda norma que viole seus preceitos, a Corte declarou a inaplicabilidade do decreto atacado por carência de efeitos jurídicos.335

Neste sentido, mesmo reconhecendo que o Poder Judiciário interno do Chile já estava corretamente promovendo o exercício do Controle de Convencionalidade da norma, deixando de aplicar o decreto que promovia anistia geral para os crimes ocorridos entre 1973 e 1978, a Corte enfatizou os efeitos de inaplicabilidade da norma declarada inconvencional.

334 SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. Ob. Cit. p. 458. 335 Ibidem. p. 459.

Esposado o entendimento da Corte Interamericana, necessário fazer apontamentos acerca dos efeitos da declaração de incompatibilidade de uma norma doméstica com preceito oriundo de instrumento internacional.

Os efeitos da declaração de inconvencionalidade de uma norma flutuaria de acordo com o órgão ou agente que a proclamou.

Se a inconvencionalidade for declarada por órgão com competência para o exercício do controle concentrado, os efeitos seriam erga omnes e ex tunc, ou seja, haveria repercussão para todos os indivíduos submetidos ao respectivo ordenamento jurídico, assim como os efeitos seriam retroativos à data do julgamento, fazendo com que a norma nunca tivesse existido.

Já se a inconvencionalidade for declarada por órgão com competência para o exercício do controle difuso, os efeitos da declaração repercutiriam apenas inter partes e

ex nunc, semelhante ao que acontece no controle de constitucionalidade.

Uma outra observação que merece destaque é que, caso o exercício do controle de convencionalidade seja realizado por órgão ou agente que não tenha jurisdição, como um agente do poder executivo ao analisar determinado caso concreto, não se falaria na invalidação da norma, mas sim, numa interpretação conforme.336

Neste último caso, não se declararia a invalidade da norma inconvencional, mas apenas se afastaria a interpretação incompatível.

Como se depreende desta leitura, o Controle de Convencionalidade representa um mecanismo de aferição de compatibilidade da norma doméstica com a norma de origem internacional, considerando-se os instrumentos internacionais ratificados por determinado Estado.

Verificada a inconformidade, denota-se que - considerando que ao tratar de Direitos Humanos, deve-se assegurar o seu caráter acumulativo - deverá ser aplicada a norma mais benéfica ao destinatário do Direito. Ou seja, não significa que havendo inconformidade necessariamente a norma de origem internacional deverá prevalecer.

Sem embargo, o Controle de Convencionalidade desempenha um duplo papel: um lado repressivo que obriga ao intérprete doméstico normas de direito interno que sejam incompatíveis com as normas de origem internacional, conforme o caso; de outro,

336 GUERRA, Sidney; MOREIRA, Thiago Oliveira. Contornos Atuais do Controle de

Convencionalidade Doméstico. In.: Los Desafios Jurídicos a La Gobernança Global: uma perspectiva

um lado construtivo, que obriga o intérprete doméstico a garantir a conformidade da norma interna com a norma internacional.337

Isto representa uma interpretação harmonizadora e adaptativa do direito local com o direito internacional, aqui incluindo-se os instrumentos internacionais e a jurisprudência internacional, que define a maneira de entendimento desta norma, levando o agente interno a rejeitar as interpretações do direito local opostas as normas de origem internacional. Este mecanismo assegura que o Estado cumprirá os compromissos assumidos internacionalmente e evitará sua possível responsabilização perante os demais Estados-parte.

Por fim, estudado o Controle de Convencionalidade, sua origem, seus parâmetros gerais, espécies e efeitos, o que ampara a sindicância de compatibilidade do tratamento dispensado às pessoas em situação migratória, considerando o recorte do presente trabalho, passa-se, agora, ao importante estudo da política migratória brasileira.

337 AMAYA, Jorge Alejandro. El diálogo inter-jurisdiccional entre tribunales extranjeros e internos

como nueva construcción de las decisiones judiciales. In.: ARCARO CONCI, Luiz; MEZZETI, Luca