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O Brasil é um país que tem a imigração atrelada ao seu desenvolvimento enquanto Estado, uma vez que sua história se divide antes e após a chegada dos europeus à nova terra.

A chegada dos Portugueses, que se autointitularam proprietários e descobridores da terra Brasil, representa não só uma nova fase da migração mundial - quando foram lançadas diversas missões de desbravamento além-mar - mas também os impactos que a “colonização estrangeira” provocou numa sociedade com organização primitiva, como a indígena.

Aliás, durante toda formação e organização, o Brasil viveu intensos períodos onde os fluxos migratórios foram significantes para o seu estabelecimento enquanto Estado soberano.

Quando da descoberta da nova terra, Portugal não tinha real interesse em povoar o Brasil, que servia como terra para exploração de riquezas naturais. Isto mudou após a “expulsão” da família real em Portugal, levando-a a promover sua organização, sob os ditames monárquicos, em terras brasileiras.

Em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa, o Brasil recebe não só a influência cultural, mas um elevado número de portugueses que passaram efetivamente a povoar diversos territórios e desbravar o interior338.

De forma bastante significativa, o Brasil também passou a receber um grande número de pessoas escravizadas339, que mantinha esta condição por uma razão

meramente xenofóbica e dominadora em relação à sua cor de pele. Os negros foram trazidos à força para terem explorada sua mão de obra, de forma escravizada.

É sabido que foram vários os impactos causados com a chegada dos europeus e dos escravos a uma terra ocupada, até então, por povos indígenas. Um dos grandes e visíveis impactos foi a substituição da população indígena, dizimada pelos novos “proprietários” da terra.

Após a proibição da escravatura, havendo a necessidade de captação de mão de obra, ocupação de solo e povoamento do território como mecanismo de proteção ao

338 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil — São Paulo: Editora Planeta do

Brasil, 2007. p. 122; 214.

domínio português, Portugal fez vender a ideia de que o Brasil era um lugar próspero para imigrantes que quisessem viver sob seu domínio. Esses, desde que fossem brancos, poderiam estabelecer pequenas colônias com autorização da coroa.

Este mecanismo de captação de imigrantes brancos, principalmente após a proibição do tráfico de escravos em 1850, buscava atrair mão de obra livre e barata. Assim como a política imigratória do século XIX e das primeiras décadas do século XX se baseava na abertura das fronteiras brasileiras visando a colonização do território e o preenchimento da mão-de-obra agrícola num cenário após o fim da escravatura, a legislação brasileira daquele período refletiu essas intenções referentes ao fluxo migratório de estrangeiros para o Brasil340.

Neste espectro, os imigrantes que chegaram ao Brasil para substituir a mão de obra escrava também eram marginalizados pela elite latifundiária que ocupara as terras até então. Exemplo disso foi a decisão (Decisão n. 47, de 28 de janeiro de 1879) que proibiu os imigrantes que viviam em colônias se dirigirem à Corte, independente do motivo.

Embora o senso comum trate o Brasil como um país formado por imigrantes, esta afirmação não se mostra verdadeira quando estudado como efetivamente os estrangeiros foram [des]tratados ao declararem intenção em estabelecer residência no país341.

Apesar do número escasso de normas específicas sobre migrações internacionais, é possível identificar 06 (seis) leis que se referem à matéria no século XIX, 02 (duas) das quais são as constituições de 1824 e de 1891. As demais dizem respeito ao julgamento de crimes cometidos pelos estrangeiros no Brasil e por brasileiros contra o Império brasileiro, ainda que no exterior (Lei nº 2.615, de 1875), ao incentivo da imigração de chineses e japoneses para o Brasil (Lei nº 97, de 1892)342 e,

também destacável, o Decreto nº 212, de 1890, que excluiu a exigência de visto para estrangeiro que pretendesse entrar ou sair do Brasil em tempo de paz343.

As décadas mais marcantes da primeira metade do século XX com relação à legislação e à política migratória no Brasil são as décadas de 1930 e de 1940: enquanto

340 CLARO, Carolina de Abreu Batista. As Migrações Internacionais no Brasil sob uma perspectiva

jurídica: análise da legislação brasileira sobre estrangeiros entre os séculos XIX e XXI... p. 123.

341 BERNER, Vanessa Batista. Imigração e Cidadania na Constituição Federal Brasileira de 1988. In:

GUERRA, Sidney Cesar Silva; Barroso Filho, Jose; Sellos-Knoerr, Viviane Coelho. (Org.). 30 anos da Constituição da República Federativa do Brasil. 1ed.Curitiba: Instituto Memoria, 2018, v. 1, p. 02.

342 CLARO, Carolina de Abreu Batista. Ob. Cit. p. 123. 343 Ibidem. p. 125.

a primeira produziu 16 (dezesseis) leis, a segunda deu ensejo a 22 (vinte e duas) normas jurídicas sobre migrações interacionais, sobretudo relacionadas ao período da guerra344.

Nesse período, o governo Vargas na década de 1930, a exemplo do Decreto nº 3.010, de 20 de agosto de 1938, que fixa cotas para o ingresso de estrangeiros no Brasil, tratou de promover a eugenia e fomenta o a imigração para fins de trabalho agrícola345.

Em resumo, as primeiras cinco décadas do século XX, sob forte influência das últimas décadas do século XIX e das duas guerras mundiais, tratou dos seguintes temas nas leis sobre imigração no Brasil: Incentivo à imigração de europeus; Cotas para admissão de estrangeiros no país; Extradição; Expulsão de “estrangeiros indesejáveis”; Concessão de vistos de entrada para estrangeiros, com seus respectivos procedimentos, taxas e multas; Concessão de direitos aos estrangeiros, nos termos daqueles dos brasileiros, com exceção do exercício de direitos políticos; Adaptação, ao meio nacional, de estrangeiros descendentes de brasileiros; e Órgãos federais competentes sobre políticas e procedimentos de imigração346.

Neste sentido, considerando que milhares de imigrantes foram atraídos forçada e, de certo modo, enganosamente ao Brasil, não se pode desconsiderar a necessidade de tratar o tema das migrações com elevada cautela e atenção.

Nas últimas décadas, não muito diferente, desde a entrada em vigor do Estatuto do Estrangeiro, o Brasil viveu um período de legislação retrógrada e extremamente seletiva em relação aos imigrantes. Isso, mesmo com a existência de quatro anistias (1981, 1989, 1998 e 2009) que reconheceram cidadania aos imigrantes em situação irregular347.

Tal situação só experimenta efetiva alteração quando em 2017 há a edição e promulgação da Nova Lei de Migrações, Lei nº 13.445, de 24 de maio daquele ano, responsável por instaurar um novo período normativo, com relação ao tema de migrações, no Brasil.

Nota-se que perdurou no Brasil, até tempos recentes, uma legislação que tratava os imigrantes como cidadãos de segunda classe, indesejados e/ou rejeitados, contradizendo a imagem de um lugar próspero para quem quisesse vir fazer morada.

344 Ibidem. p. 129. 345 Ibidem. p. 130. 346 Ibidem. p. 136-137.

347 FARIA, Maria Rita Fontes. Migrações Internacionais no Plano Multilateral: reflexões para a

De outro modo, sabe-se claramente que muitos dos dilemas vividos para marginalização dos imigrantes dizem respeito aos interesses econômicos, desde a época dos detentores de capitanias aos latifundiários e elite econômica, contraditos aos direitos que deveriam ser assegurados à pessoa em situação migratória.

Em tempos de desemprego e faltas de perspectiva de ascensão social e aumento de renda, o acirramento do nacionalismo é a resposta de alguns Estados e partidos à crise da globalização: o nacionalismo recorre ao sentimento de identidade nacional e de comunidade para se posicionar na competição global entre países, acirrando a rivalidade que, não raramente, expressa-se pela xenofobia. Nesta linha, a xenofobia apresenta-se como um eficiente instrumento para se ganhar votos ao explorar os sentimentos e frustrações das pessoas afetadas pela crise, situando como sua causa a presença estrangeira e apresentando, como solução lógica, o fechamento das fronteiras e a exclusão dos imigrantes, com o uso do direito penal. Facilita a inclusão do discurso xenófobo nas plataformas eleitorais o fato de os prejudicados por ele, os imigrantes, não votarem, como acontece em diversos países, inclusive no Brasil348.

Assim, importa reconhecer a necessidade de garantir uma adequação da dinâmica imposta pelo capitalismo mundial aos direitos que são assegurados à pessoa humana, sendo assim aos migrantes, inerentes à sua condição humana e para “manutenção” da sua dignidade.

Neste sentido, por fim, o estudo acerca da política [não] empregada pelo Brasil para proteção da pessoa em situação migratória se mostra extremamente relevante para este escrito e, também, para uma adequada compreensão acerca dos possíveis [des]cumprimentos de normas oriundas do plano internacional em relação aos migrantes.

348 AMARAL, Ana Paula Martins; COSTA, Luiz Rosado. A (não) criminalização das migrações e

políticas migratórias no Brasil: do Estatuto do Estrangeiro à nova Lei de Migração. In.: JUSTIÇA

4.1 O CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO E O TEMA DAS MIGRAÇÕES

O Brasil vivenciou, ao longo de sua formação social, diversos períodos que promoveram alterações quanto a política migratória nacional, assim como quanto à regulação da referida matéria349.

Certamente, esta narratória se instala após a chegada dos Portugueses ao Brasil, a partir de quando se vendeu a ideia que o país era em um lugar próspero para imigração350.

Aliás, como já visto acima, o Brasil, realmente, transformou-se em um lugar próspero para exploração. Enquanto os Portugueses, autointitulados “donos da terra”, eram beneficiados política e economicamente com os frutos da descoberta, outros imigrantes eram tratados como subclasse ou até mesmo expulsos da terra Brasil.

Durante as diversas viradas constitucionais, embora com mudanças não tão acentuadas, o país vivenciou diversos modelos de tratamento à pessoa em situação migratória, como se verá.

Neste tópico, abordar-se-á alguns dos temas relevantes tratados nas Constituições Federais brasileiras e em algumas das suas respectivas matérias infraconstitucionais acerca das pessoas em situação migratória. Reconhecendo a impossibilidade de abordar todas as disciplinas, preferiu-se tratar apenas as que são consideradas de maior relevância para este estudo.

Em 1824, outorgada a primeira Constituição brasileira, sob a égide da monarquia, percebeu-se um tímido tratamento ao direito dos imigrantes. Esta Carta Magna fez parte do período onde o estrangeiro era tido como inimigo da nação351.

Contudo, contrariando a intolerância religiosa imposta pelas Ordenações Manuelinas (1521-1603) e pelas Ordenações Filipinas (1603-1867)352, dita Constituição

determinava em seu artigo 5º que, apesar do Brasil ser um país católico, todas as

349 Cf. RAMPAZZO, Lino; MARINO, Aline Marques. Mudanças na Legislação Migratória Brasileira:

Propostas a partir da Internacionalização dos Direitos Humanos. In.: Direito Internacional dos

Direitos Humanos II. XXIV CONGRESSO NACIONAL DOCONPEDI -

UFMG/FUMEC/DOMHELDER CÂMARA. Leister – Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 426-454.

350 REIS, Rossana Rocha. A política do Brasil para as migrações internacionais. In.: CONTEXTO

INTERNACIONAL, vol. 33, n. 1, 2011, p. 47.

351 MOREIRA, Thiago Oliveira. A Concretização dos Direitos Humanos dos Migrantes pela

Jurisdição Brasileira. Curitiba: Instituto Memória. Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2019. P

360

religiões eram permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas353.

De outro modo, através do seu artigo 6º, foi concedida a cidadania a todos os que haviam nascido no Brasil, mesmo de pais estrangeiros, assim como os estrangeiros naturalizados, independentemente de sua religião354. Dita Constituição reconheceu,

ainda, o direito de votar aos naturalizados.

Fator destacável é que a Constituição de 1824 também trazia algumas exclusões aos Estrangeiros, como o direito de se candidatar ao cargo de Deputado (art. 95), o de ser sucessor à coroa (art. 119) e o de ser Ministro de Estado (art. 136).

Neste mesmo sentido, os direitos individuais eram destinados somente aos “cidadãos”, o que logicamente leva à exclusão dos imigrantes estrangeiros.355 Nota-se,

aqui, uma expressiva representação de que o estrangeiro era realmente tratado como estranho. Embora ser humano, era uma pessoa sem direitos sociais e liberdades individuais reconhecidos constitucionalmente.

Naquele tempo, competia ao Imperador a tarefa de criação de novas colônias e a introdução de imigrantes europeus no território brasileiro, dando prosseguimento à política de criação de núcleos coloniais praticada por D. João VI356.

Em uma nova fase, considerando a extinção do trabalho escravo, entre 1888 e 1920 o Brasil vivenciou um período de forte imigração, onde pessoas de outra nacionalidade representavam cerca de 11% da população357.

Neste período, que ficou conhecido como a “grande imigração”, os imigrantes eram atraídos em sua maioria para o trabalho nas fazendas de café. Contudo, como já

353 Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. [...] Art. 5. A Religião

Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.

354 [...]Art. 6. São Cidadãos Brazileiros: I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou

libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio. III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em sorviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia. V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.

355 MOREIRA, Thiago Oliveira. Ob. Cit. p 360.

356 IOTTI, Luiza Horn. A política imigratória brasileira e sua legislação – 1822-1914. P. 02.

357 MORAES, A. L. Z. de. Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no

Brasil. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Programa de Pós- Graduação em Ciências Criminais,

mencionado, as suas más condições de trabalho, análogas a dos escravos, faziam com que muitos deles fugissem em direção das cidades.

O período republicano foi marcado pela Constituição Federal de 1891, que ratificou a “Grande Naturalização”358. Este mecanismo se deu através da naturalização

tácita e expressa. A naturalização tácita foi instituída através do art. 69, inciso 3º, que reconheceu como cidadãos brasileiros “os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem”. Já a naturalização expressa se deu conforme o art. 69, inciso 5º, que reconheceu naturalização aos “estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade”.

Como se depreende, dita constituição marcou um período onde os estrangeiros continuaram a ser tratados como uma subclasse social, embora dita Constituição inaugurou o período onde os direitos e garantias individuais eram reconhecidos formalmente aos estrangeiros residentes no Brasil359.

Segundo Ana Luisa Moraes360, a construção da identidade étnica brasileira, na

primeira república, se dava com uma separação social de quem era estrangeiro. Neste período, segundo a autora, o imigrante era tratado como uma figura socialmente indesejada e responsável pelo não desenvolvimento do país.

Neste sentido, durante a vigência da Constituição de 1891, foi editado o Decreto-lei nº 1.641, de 07 de janeiro de 1907, como sendo a primeira norma que tratava especificamente sobre a expulsão de estrangeiros do território nacional, sob justificativa da segurança nacional. Tal Decreto ficou conhecido como “Lei Adolfo Gordo”, em razão da relatoria do então parlamentar que legou seu próprio nome ao normativo361.

358 Ibidem. p. 51

359 BRASIL. Constituição Federal de 1891. Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros

residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade[...].

360 MORAES, A. L. Z. de. Ob. Cit. p. 55-56. 361 Ibidem. p. 102.

Aliás, embora a segurança nacional não seja tema novo na política migratória brasileira, — a “Lei Adolfo Gordo” foi a primeira lei brasileira a mencioná-la expressamente como tema da política migratória362.

Considerando as diversas discussões jurídicas acerca da constitucionalidade do dito regulamento, foi introduzido o parágrafo 33 do artigo 72 da CF de 1891, através de emenda constitucional em 1926, que passou a permitir expressamente o “Poder Executivo expulsar do territorio nacional os suditos estrangeiros perigosos á ordem publica ou nocivos aos interesses da Republica”.

Contudo, nesta fase pós abolição da escravatura, a vinda de imigrantes era solicitada e incentivada pelo Brasil, uma vez que precisava da mão de obra branca vinda, principalmente, da Europa.

Numa nova virada, estimulado pela fase onde o imigrante era tratado como estrangeiro363, o Brasil - e diversos outros países – passou a adotar uma postura

restritiva quanto ao ingresso de imigrantes. A Revolução Russa de 1917 e a Grande Depressão de 1929 fizeram que houvesse preocupação quanto ao recebimento de estrangeiros e sua permanência no país, tanto por motivos políticos (ameaça ideológica) quanto econômicos (o estrangeiro “roubando” empregos do nacional). O Estado passou a intervir no domínio econômico e o fez em nome do desenvolvimento nacional, com surto nacionalista e o aumento da xenofobia. Criou-se, por decretos em 1934, restrições à entrada de imigrantes, dividindo-se os imigrantes entre agricultores e não agricultores, sendo os primeiros obrigados a tal trabalho sob pena de expulsão por descumprimento de obrigação assumida (a chamada migração dirigida)364.

Tal postura resultou que a Constituição de 1934, conhecida como a Segunda República, adotou um regime de cotas para limitar o ingresso de pessoas de uma mesma origem que, nos termos do seu artigo 121, parágrafo §6º, estabelecia o máximo de dois

362 AMARAL, Ana Paula Martins; COSTA, Luiz Rosado. A (não) criminalização das migrações e

políticas migratórias no Brasil: do Estatuto do Estrangeiro à nova Lei de Migração. In.: JUSTIÇA

DO DIREITO v. 31, n. 2, 2017. p. 215.

363 Ibidem. p. 57. [...] houve uma alteração conceitual significativa: de imigrantes, passaram a ser

estrangeiros. E, enquanto o imigrante pode ser integrado na nova sociedade, inclusive pelo caráter de definitividade que representa a migração e a própria colonização, o estrangeiro será sempre o de fora e que não faz parte da nação, tampouco da construção do incipiente nacionalismo. Essa alteração da nomenclatura, aliás, facilitou o trabalho dos parlamentares, ao aprovarem as leis de expulsão [...] destinadas justamente aos “estrangeiros”, em especial aos “indesejáveis” avaliados sob parâmetros como o de utilidade e nocividade, muito afetos ao positivismo em voga na época.

364 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de Direitos Humanos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p.

por cento sobre número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil nos últimos 50 anos365.

Não bastasse isso, dita Constituição também impôs restrições de acesso aos imigrantes para garantia de uma integração étnica e de sua capacidade física e civil366,

numa clara positivação da xenofobia que visava preservar hierarquias raciais.

Também previsto na Constituição de 1934, era proibida a concentração de imigrantes na União, cabendo à lei ordinária regular a distribuição da população em situação migratória no Brasil367.

Nesta fase de fomento ao nacionalismo, marcada pela implementação de ações de nacionalização, cujo objetivo era restringir a participação de estrangeiros na esfera política e econômica368, o Brasil passa a viver um regime ditatorial, positivado pela

Constituição de 1937.

Conforme relata Ana Luisa Moraes, com a chegada da Constituição de 1937, formalizando o Estado Novo, várias restrições impostas aos imigrantes foram mantidas, como forma de conter o perigo vindo do exterior369.

A Constituição de 1937, com suas feições ditatoriais, só fez aumentar as restrições. Apesar de mencionar ainda o princípio da igualdade de todos, o direito à livre circulação era restrito ao nacional, pois o art. 122, item 2 estipulava que a lei deveria

365 VILELA, Elaine Meire; SAMPAIO, Daniela Portella. Um olhar sobre as autorizações de

permanência a estrangeiros no Brasil, entre 2005 e 2011. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 32, n.1,

p. 25-48, jan./abr. 2015. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n1/0102-3098-rbepop-32- 01-0025.pdf>. Acesso em 26 de fev de 2020.

366 CF 1934. Art. 121, §6º: A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias

à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos.

367 Ibidem. § 7º: É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União,

devendo a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena.

368 “Nesse projeto totalitário, nacionalista e nacionalizante, a pluralidade não era tolerada, e cada vez mais

se consolidava a aversão ao estrangeiro. Em razão disso, se, entre 1907 e 1913, foram dados os primeiros passos para a regulamentação da expulsão de estrangeiros, a partir de 1930 essa política foi aprimorada e