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3. A CONVENCIONALIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO ESTATAL

3.3 PARÂMETROS GERAIS DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE:

CONVENCIONALIDADE: CONCEITO, FUNDAMENTO, COMPETÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA

Em termos conceituais, defende Thiago Oliveira Moreira que o Controle de Convencionalidade consiste em uma sindicância de compatibilidade entre o direito interno e o internacional dos direitos humanos.284

282 MOREIRA, Thiago. O Exercício do Controle de Convencionalidade pela Corte IDH: uma década

de decisões assimétricas. In: MENEZES, Wagner (org.). Direito Internacional em Expansão. Anais do

XV CBDI. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. p. 255.

283 85. De acuerdo con el artículo 1.1 de la Convención los Estados Partes “se comprometen a respetar los

derechos y libertades reconocidos en ella y a garantizar su libre y pleno ejercicio a toda persona que esté sujeta a su jurisdicción”, de lo cual se desprende que esta es uma disposición de carácter general cuya violación está siempre relacionada con la que establece um derecho humano específico. Como ya lo dijo la Corte en un caso anterior, el artículo 1.

284 GUERRA, Sidney; MOREIRA, Thiago Oliveira. Contornos Atuais do Controle de

Convencionalidade Doméstico. In.: Los Desafíos Jurídicos a La Gobernanza Global: una perspectiva

Na visão de André Ramos de Carvalho, dito controle consiste na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais do direito, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais).285

Assim, o Controle de Convencionalidade consiste no processo de aferição, em caso concreto, para verificar se um ato ou um normativo do direito interno resulta em incompatibilidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado, em matéria de Direitos Humanos. O que, caso comprovada a incompatibilidade, resultaria na necessária reforma ou revogação da referida norma incompatível, conforme apropriado, visando a máxima eficácia dos Direitos Humanos, assim como a preservação da validade dos instrumentos internacionais que fundamentam este campo.

Vale frisar que tais efeitos não devem ser aplicados ao Direito Interno caso este seja mais benéfico à pessoa interessada, respeitando assim o princípio pro persona, que defende que havendo mais um de uma interpretação cabível, deve prevalecer a mais favorável ao indivíduo destinatário do direito.286

Além disso, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos prevê em seu art. 29 que não caberá interpretação que vise “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados”.

Assim, pode-se afirmar que a convencionalidade permite estabelecer critérios mínimos de tratamento e respeito à pessoa humana, em escala universal, uma vez que a garantia de tais proteções deixa de ser de responsabilidade exclusiva do Estado e passa a ser objeto de interesse geral da humanidade.287

No mundo contemporâneo, o Estado de Direito representa, portanto, um conceito presente não apenas na ordem interna dos Estados, mas também em esfera internacional. Quando se estudam matérias como Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Penal Internacional, Direito dos Refugiados e Direito Humanitário,

285 CARVALHO RAMOS, André de. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 401. 286 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 6ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 142.

287 SANTOFIMIO GAMBOA, Jaime Orlando. El Concepto de Convencionalidad: vicissitudes para su

constucción sustancial en el sistema interamericano de derechos humanos: ideas fuerza receptoras.

percebe-se que são estabelecidos padrões básicos ao Estado de Direito, que devem ser observados na seara interna e internacional.288

Neste aspecto, o Estado de Direito, contemporâneo e multidimensional, representa um reflexo de ordem pública, implicando o reconhecimento de que os Direitos Humanos lastreiam sua base jurídica.

Dito Controle pode e deve ser efetivado através da competência internacional, que se divide em global e regional, assim como através da jurisdição doméstica do Estado.

Como visto, em âmbito internacional existem diversos órgãos que tem competência para promover o Controle de Convencionalidade, ainda que de modo implícito.

Em sede da ONU, por exemplo, com transpassar do tempo em que foram surgindo novos pactos de direitos humanos, implementaram-se seus respectivos órgãos de fiscalização, os denominados “treaty bodies”, comitês que monitorariam a implementação dos principais tratados que tenham como objeto Direitos Humanos.

No âmbito regional, o Sistema Interamericano conta, por exemplo, com a CIDH e a Corte IDH, ambas com competência para monitorar a implementação e o respeito de instrumentos internacionais de direitos humanos no continente americano.

De modo principal, diga-se, os Estados podem e devem realizar o Controle de Convencionalidade doméstico. Neste todos os órgãos e agentes a serviço do Estado devem realizar a sindicância de compatibilidade, de modo que se aplique a norma mais vantajosa a pessoa.

No cenário atual, Controle de Convencionalidade obriga os Estados que são parte da Corte IDH, por meio de todos os seus agentes, sejam do poder executivo, legislativo ou judiciário, promoverem a conformação de todo seu ordenamento jurídico à Convenção Americana de Direitos Humanos, à jurisprudência da Corte IDH, assim como demais instrumentos vinculantes de Direitos Humanos.289

Neste esteio, é possível considerar as cortes internacionais como jurisdição do Estado, vez que o Controle de Convencionalidade deverá ser utilizado como

288 AGUILAR CAVALLO, Gonzalo. El control de convencionalidad en la era del constitucionalismo

de los derechos. Comentario a la sentencia de la Corte Suprema de Chile en el caso denominado Episodio Rudy Cárcamo Ruiz de fecha 24 mayo de 2012. In.: Estudios Constitucionales, Año 10, Nº 2,

2012, pp. 743.

289 CALDAS, Roberto de Figueiredo. Estructura y Funcionamiento del Sistema Interamericano de

Derechos Humanos: sus herramientas para un efectivo diálogo judicial. In.: SAIZ ARNAIZ,

Alejandro (Dir.); ROA ROA, Jorge Ernesto; SOLANES MULLOR, Joan (Coords.). Diálogos Judiciales en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Valencia: Tirant lo Branch, 2017, p. 50.

instrumento para garantir uma aplicação qualificada não só das normas oriundas dos instrumentos internacionais, mas também das decisões emanadas de cortes e tribunais internacionais de direitos humanos.290

Nada mais é que uma obrigação derivada da regra pacta sunt servanda, discutida anteriormente, positivada através do art. 26 da Convenção de Viena, que gera para o Estado uma obrigação de adequar seu Direito Interno, práticas administrativas e judiciais às obrigações internacionais assumidas.291

Embora ainda esteja em um desenvolvimento por se tratar de tema relativamente novo, o Controle de Convencionalidade é justificado e tem seu fundamento por fontes diversas.

No âmbito do Direito Interno, há fundamentação quando o Estado prevê em sua Constituição, ou através de sua jurisprudência, a prevalência hierárquica dos tratados internacionais, como aconteceu no Brasil.292

Dito controle também encontra fundamentação no Direito Internacional, quando a) o Estado resta impossibilitado de alegar impedimento de um tratado em razão do seu Direito Interno (Art. 27 da Convenção de Viena), b) há obrigação do Estado promover adequação do seu ordenamento jurídico interno ao compromisso assumido internacionalmente (Art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos) e c) o Estado assume obrigação de garantia às pessoas da fruição dos Direitos Humanos consagrados em instrumentos internacionais.293

Decorrente deste dever geral de adequação do direito interno e para assegurar a máxima eficácia dos Direitos Humanos consagrados internacionalmente, quando o agente estatal está diante de uma situação concreta surge um dever de observância aos direitos e garantias que são asseguradas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Embora não haja um mandamento doutrinário ou legal que promova um recorte apenas à matéria de Direitos Humanos, como será estudado, ver-se-á que tanto as decisões que tratam da matéria, quanto os estudos relativos à ela, tem aceitado que, ao

290 Ibidem. p. 68

291 AGUILAR CAVALLO, Gonzalo. Ob. Cit. p. 729.

292 Vide Art. 5º, §2º, da CF/1988 e julgamento pelo STF do RE 466.343-SP

293 AGUILAR CAVALLO, Gonzalo. El Control de Convencionalidad: análisis en derecho

se falar em Controle de Convencionalidade, fala-se em controle relativo à efetivação da aplicação dos Direitos Humanos.294

É certo que, neste cenário, não se exige uma hierarquização entre a norma interna e a de origem internacional para aferição de força normativa. O que se exige do juiz é a aplicação da regra que for mais benéfica à pessoa, baseado no princípio pro

persona.295

Dito controle representa um mecanismo para obter a aplicação harmônica do direito vigente, garantindo assim uma efetiva integração do direito internacional ao direito doméstico dos estados.

Assim, representa uma significativa garantia de penetração do Direito Internacional sobre o Direito Interno de um Estado, conforme os compromissos que este assumir internacionalmente.

Neste esteio, trata-se da efetivação dos atos normativos provenientes do sistema jurídico internacional no direito interno, sejam eles tratados ou decisões de cortes internacionais, notadamente como atualmente acontece com as decisões da Corte IDH.

O Controle de Convencionalidade, abordado neste estudo, representa uma técnica que visa assegurar a aplicação dos mais altos padrões de proteção aos Direitos Humanos em vigor no Estado, o que representa um dos objetivos básicos do Estado de Direito. Tal garantia deve estar a cargo do agente estatal responsável direto pelo asseguramento dos direitos individuais e coletivos das pessoas e, somente no caso de falha na realização a nível local e federal, o órgão de jurisdição internacional passaria a operar.

Este mecanismo representa uma das características do Direito Internacional contemporâneo, qual seja a garantia da proteção ao indivíduo em diferentes níveis de atuação, retirando o monopólio de poder antes centralizado no Estado.296

Neste novo paradigma contemporâneo, exige-se do Estado um sistema jurídico versátil, arrojado e preparado para enfrentar os desafios postos pela globalização, fazendo com que o agente estatal seja capaz de pensar de acordo com parâmetros

294 CABRALES LUCIO, José Miguel. Algunas Consideraciones sobre los Desafíos Interpretativos

(teóricos y prácticos) del Control de Convencionalidad en México. In.: BECERRA R., José de Jesús;

MEJÍA R., Joaquín A; FLORES, Rogelio (Coords.). El control de convencionalidad en México, Centroamérica y Panamá. Tegucigalpa: Casa San Ignacio, 2016, p. 225.

295 NOGUEIRA ALCALÁ, Humberto. El uso de las comunicaciones transjudiciales por parte de las

jurisdicciones constitucionales en el derecho comparado y chileno. In.: BOGDANDY, Armin von;

MORALES ANTONIAZZI, Mariela; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, democracia e integração jurídica: emergência de um novo direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 281.

exigidos pelo Direito Internacional, preparado para interações legais em um mundo em permanente mudança, promovendo enriquecimento mútuo através da influência recíproca.

O Controle de Convencionalidade é um mecanismo sui generis largamente utilizado pelo Sistema Interamericano297. Em resumo, é uma obrigação jurídica com

sustento no SIPDH que impõe às autoridades estatais a) realizar uma interpretação conforme entre o ordenamento jurídico interno e os estándares interamericanos de proteção aos Direitos Humanos, b) inaplicar as normas interpretadas em desconformidade a tais estándares, c) utilizar os mecanismos jurídicos adequados para garantia da conformação legal do Direito Interno com o Direito Internacional proveniente da Corte IDH e d) utilizar o Controle de Convencionalidade para garantia de eficácia das sentenças exaradas pela Corte IDH.298

O controle de convencionalidade surgiu, então, como mecanismo de verificação de compatibilidade entre a norma interna e os tratados internacionais de direitos humanos que estejam em vigor naquele Estado.299

Neste esteio, se busca com o dito mecanismo de controle normativo um correto diálogo jurídico entre os Estados e a Corte IDH para garantia da efetivação dos Direitos Humanos previstos no Sistema Interamericano. Este diálogo jurisdicional resulta em uma redução de litígios que possa trazer responsabilização internacional para o Estado.300

O Controle de Convencionalidade representa, assim, um controle que visa à garantia de que o Estado cumprirá os compromissos que assumiu internacionalmente, tratando-se de um instrumento “à serviço dos direitos humanos internacionalmente consagrados”.301

297 CALDAS, Roberto de Figueiredo. Estructura y Funcionamiento del Sistema Interamericano de

Derechos Humanos: sus herramientas para un efectivo diálogo judicial. In.: SAIZ ARNAIZ,

Alejandro (Dir.); ROA ROA, Jorge Ernesto; SOLANES MULLOR, Joan (Coords.). Diálogos Judiciales en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Valencia: Tirant lo Branch, 2017, p. 50.

298 Ibidem. p. 58-59.

299 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 5ª ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2018. P. 28

300 CALDAS, Roberto de Figueiredo. Ob. Cit. p. 62.

301 GUERRA, Sidney; MOREIRA, Thiago Oliveira. Contornos Atuais do Controle de

Convencionalidade Doméstico. In.: Los Desafios Jurídicos a La Gobernança Global: uma perspectiva

3.4 O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE INTERAMERICANO