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A credibilidade interna da política monetária e da supervisão bancária

O timing da construção da credibilidade interna da política monetária e da supervisão constitui diferença a ser observada. A experiência chilena adquirida na administração da crise de 1982 mostrou que os passivos bancários podem ser fontes de vulnerabilidade financeira se o risco de moeda não for corretamente gerenciado. Essa credibilidade interna chilena foi sendo construída ao longo da aprendizagem e do fortalecimento institucional, a partir da nova institucionalidade e da crescente liberalização financeira. Esta tornou mais transparentes os riscos e os custos, reduziu o risco regulatório e informacional por meio da redução de barreiras de entrada e saída de fluxos financeiros e modificou a estratégia de captação dos bancos.

Enquanto os bancos em países desenvolvidos na década de 1990 desempenhavam papel relevante na captação de fundos, no Chile, contrariamente, tal participação era pequena.217 A captação tem sido feita por corporações, 218 apesar da diferença entre bancos e organizações ter diminuído em períodos recentes. O aumento na intermediação de fluxos financeiros por bancos chilenos e a mudança na estratégia de captação são indicadores dessa credibilidade, que depende crucialmente de incentivos para corrigir e gerenciar corretamente o risco agregado, principalmente o de taxa de câmbio e o de derivativos, instrumentos adicionais para gerenciar riscos do aumento na exposição externa. Além disso, a regulação bancária e a política macroeconômica têm impacto direto no aumento da exposição e nos incentivos bancários para o hedge cambial. Ou seja, essa expansão é um indicador desse aumento na credibilidade. A

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COWAN, Kevin; DE GREGORIO, José. International Borrowing, Capital and Exchange Rate: Lessons from Chile. Documentos de Trabajo n. 322, maio 2005. Banco Central do Chile.

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Em Cowan e De Gregório, o mercado internacional requer de corporações rating igual ou superior ao rating de risco soberano e tamanho mínimo de US$50 milhões.

desregulamentação da conta de capitais e o desenvolvimento do mercado de derivativos chilenos aumentaram o papel dos bancos em fluxos financeiros internacionais.

A regulação bancária desempenha importante papel no tamanho e na natureza dos fluxos de capital no Chile.219 Nos anos 1970 era necessário o casamento na composição de moedas entre os ativos e os passivos, e as posições de empréstimos eram indexadas ao dólar. Esse casamento não significava que os bancos estavam sujeitos a grandes riscos sistêmicos por exposição de moedas, o risco havia-se deslocado para o balanço de corporações. Os bancos trocaram o risco de moeda pelo risco sistêmico, o de

default. Os reguladores bancários não detinham habilidades suficientes para lidar com

isso, dado o sistema de câmbio fixo. A supervisão não tinha como exigir provisões de capital e fiscalizar os limites da exposição de risco de taxas de juros. A combinação de

moral hazard e risco sistêmico por causa da exposição cambial, com o câmbio fixo, foi

a determinante do resultado. Além disso, na década de 1970 existia uma estrutura de incentivos e de seguro de depósitos, bem como uma ausência de fiscalização adequada do risco nos bancos, estimulando a não-discriminação da direção do moral hazard entre bancos e corporações.220 Os bancos, mais arriscados em sua política de crédito, empurravam o mercado para uma política similar, e isso proporcionou os caminhos alternativos, analisados por Ramirez e Resende.221

Outro elemento que explicita uma maior credibilidade chilena é o espaço institucional de regulação da supervisão, mais amplo e mais transparente que o brasileiro, pois inclui cartões de crédito e de débito e sociedades de factoring. Além disso, avaliação de empresas de rating é pública, assim como o conhecimento de quem são os controladores e os principais acionistas dos bancos e suas respectivas participações acionárias. As informações dos fundos mútuos são publicadas em jornais, analogamente às informações brasileiras. São disponíveis inclusive informações sobre a situação financeira de empresas de assessoria financeira a bancos, dos administradores de fundos mútuos e de empresas de leasing imobiliário. Um exemplo da extensão dos instrumentos regulatórios é a capacidade de a SIB multar o Banco de Chile em US$ 3 milhões222 por causa das contas secretas de Pinochet no exterior. Este é um instrumento legal de direito regulatório que garante o poder regulatório sobre a corrupção de

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COWAN; DE GREGORIO, op. cit.

220

. COWAN; DE GREGORIO, op. Cit.

221

RAMÍREZ; RESENDE, 1989.op. cit.

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maneira mais eficaz do que um processo judicial de arresto de bens, pois atua no processo.

No Brasil, o início da construção da credibilidade da supervisão é recente, iniciou-se após a crise bancária de 1995 com a recuperação do Proex e do Proer, mas em 1999 essa credibilidade enfrenta uma crise a reboque dos problemas dos Bancos Marka e Fonte Cidam, e em 2005 uma nova crise, a do Banco Santos. O Banco Central do Brasil não aprendeu com os erros do Chile, tendo de aprender com seus próprios erros. Até a instalação do novo sistema de pagamentos em tempo real, a atuação em casos de insolvência ou o não-cumprimento de obrigações poderiam ferir o princípio número 1 de governança difusa ao transferir para a sociedade o ônus financeiro transformado em problema fiscal ─ o princípio da eqüidade de direitos e de tratamento entre grupos de interesse de gerações presentes e futuras.

A recuperação da autoridade política brasileira inicia-se em 1988 com o fechamento da Conta Movimento. No entanto, só se consolida em 1994 com a estabilização econômica e após 1995 com a intervenção em bancos estaduais. Em 1999, tem continuidade o processo de reconstrução da credibilidade interna da política monetária, mesmo com o compromisso de metas inflacionárias ser colocado em xeque pelos meios de comunicação e por atores políticos a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), além de ser discutida a constitucionalidade deste Comitê no Judiciário.

O Banco Central do Brasil tem buscado encontrar formas organizacionais para suprir as deficiências de regulação, mas são alternativas recentes. A Diretoria de Fiscalização realizou várias reorganizações administrativas e atualmente sete departamentos executam essas atividades. Além disso, a base legal e regulamentar de direitos regulatórios apesar de ser ainda insuficiente para garantir a integridade de mercado expandiu área de atuação e aprimorou normas de supervisão com audiências públicas. O sigilo bancário ainda é regulamentado, constituindo-se em entrave. Além disso, a sobre-regulação onera custos privados pela existência de múltiplos principais, Receita Federal, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Banco Central, que adotam critérios de consolidação contábeis diferentes, critérios que oneram os custos da observância desnecessários ao perfil de todos os bancos e provocam ineficiências alocativas. A percepção de bancos internacionais apontou que o tratamento fiscal é

diferenciado entre hedge de commodities realizado no mercado interno e no mercado externo penaliza os realizados no mercado externo.

No Chile, desde 1990, a autonomia e a opção por metas de inflação, graduais e anuais, contribuíram para a construção da credibilidade interna, tornando visível o compromisso do regulador com a estabilidade.

No Brasil, a ausência de reconhecimento, conhecimento compartilhado, da relevância da variável reputação de um Banco Central na construção da credibilidade interna e externa de um país da periferia do sistema financeiro internacional é exposta mensalmente pelos órgãos de imprensa, que exploram as divergências internas, inclusive no governo, para vender notícias. A dispersão e diversificação de crenças individuais e políticas quanto aos benefícios e custos de uma economia de mercado e pouco conhecimento dos efeitos de expectativas no comportamento dos agentes e sua influência em resultados econômicos, permitem essa forma de mobilização da opinião pública pela imprensa. A forma de mobilização da opinião pública pela imprensa chilena parece ser mais construtiva, pois expõe os argumentos e informa sobre as diversas visões. O Conhecimento econômico e a intensidade da participação política dos indivíduos transfere a luta de interesses para a imprensa escrita. Além disso, como os Diretores tem mandato, a substituição de diretores, seus perfis pessoais e motivações fazem parte de uma discussão pública na imprensa, os interesses e os compromissos podem ser observados pelos meios de comunicação. Já a imprensa brasileira, contrariamente, explora o conflito, posto que o conhecimento compartilhado sobre autonomia e benefícios de bancos centrais e seus significados coletivos para assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda são insuficientes o que dificulta a coesão social. A cada elevação das taxas de juros jornalistas entrevistam inúmeros grupos de interesse contrários à medida, exploram o conflito.

A eqüidade de direitos entre as gerações presentes e futuras no Chile é superior à brasileira. A taxa de juros representa o indicador da valorização intertemporal entre as gerações presentes e futuras, quanto mais baixa ela for, maior a eqüidade entre as gerações presentes e futuras. As elevadas taxas de juros básicas brasileiras refletem a dominância fiscal e a valorização da geração presente em detrimento das gerações futuras, que quitam as dívidas públicas. As expectativas de taxas de juros elevadas reduzem o valor presente do fluxo de renda futuro e adicionam o ônus fiscal às gerações futuras pela dimensão da dívida presente. O risco e a incerteza provenientes da inflação

elevada não prevista penalizam credores em benefício de devedores, e, além disso, a maior convergência entre as expectativas e as metas de inflação anunciadas e verificadas são indicadores de maior eqüidade entre direitos e tratamento dos cidadãos.

Os resultados chilenos são superiores aos brasileiros, conforme dados utilizados no capítulo 7. Conforme o gráfico 2, tanto as taxas de juros como as de inflação

chilenas são significativamente inferiores às verificadas no Brasil. Gráfico 5..3

Comparação de taxas de juros e de taxas de inflação