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A nova institucionalização da supervisão bancária

A intensidade das dificuldades decorrentes do endividamento bancário externo privado chileno na década de 1980 foram acompanhadas de prudência e introdução das reformas institucionais. O timing e os princípios que fundamentam a nova institucionalização da supervisão bancária chilena constituem diferenças relevantes em relação a transparência e os princípios que norteiam a reforma brasileira. Os princípios em relação a ética de governança dessa nova institucionalidade foram: a) elevar o grau de informação ao público sobre a situação efetiva dos bancos; b) divulgar publicamente fatos relevantes; c) modificar as normas da contabilidade bancária, formalizando informações para controle difuso. Esses principios de ética de governança e sua

transparência ainda se encontram em construção no Brasil, e somente após as primeiras crises bancárias foram sendo incorporados.

As reformas financeiras chilenas proporcionaram incentivos mais adequados, fórmulas privadas de controle e de ajuste, além de explicitarem a variável risco para depositantes, propiciando controle difuso. Avançar no maior grau de regulação estatal com controle mais estrito do nível de risco e tornar mais efetiva a privatização do sistema financeiro, explicitando os canais de ajuste privado, ante problemas patrimoniais de bancos foram os roadmaps chilenos institucionalizados anteriores aos brasileiros. As bases atuais da legislação bancária incluíram mecanismos preventivos, assegurando a tomada de medidas corretivas, e introduziram incentivos para que depositantes discriminassem as diferentes instituições de acordo com o risco de sua carteira de inversões. Bancos foram estimulados a tornar-se mais seguro. 216 No entanto os incentivos no Brasil para que depositantes possam discriminar as diferentes instituições de acordo com o risco de sua carteira de inversões não é tão transparente e permite erros de julgamento.

A garantia de 90% sobre os depósitos a prazo inferiores a 120 unidades de fomento por pessoa é uma garantia máxima por pessoa jurídica ou física, de maneira que não é possível distribuir depósitos no sistema para diversificar o risco. A busca de canais alternativos para resolver os problemas patrimoniais ou de liquidez foi implementada mediante mecanismo automático de capitalização de bancos e incorporação explícita, de modo que o banco pudesse ser capitalizado por outras instituições financeiras. Acordos privados coerentes com a globalidade da legislação em matéria de controle de risco e de concentração de créditos foram autorizados. O novo marco institucional são as Leis nos. 18.576, de 1986; 18.660, de 1988; e 18.707, de 1989.

A remoção da barreira legal para as limitações do sigilo bancário, mantendo somente a privacidade do depositante, foi considerada um marco institucional de transparência. Nessa nova realidade empresas privadas classificadoras de risco opinam sobre a condição dos bancos, o que permite aos depositantes realizar escolhas. A nova legislação incorpora exigências adicionais de liquidez para bancos e abre espaço para a

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RAMÍREZ, Guillermo; RESENDE, Francisco R. Serie Estúdios Econômicos. Banco Central de Chile, nº 35, 1989.

diretoria do banco apresentar propostas de convênio com credores, excetuando-se os que gozem de preferências em obrigações à vista, sem prejuízo de a SIB, supervisor bancário, designar administrador responsável.

O estabelecimento de negócios pelos bancos com partes relacionadas sofre fortes restrições. Empréstimos a empresas do mesmo grupo de acionistas são considerados um só empréstimo. A nova institucionalidade forneceu capacidade legal para que a SIB fizesse objeções a contratos entre o banco e as partes relacionadas. Algumas restrições dessa natureza foram adicionadas à regulação brasileira posteriormente às crises bancárias, quando foi institucionalizada a supervisão consolidada.

O processo de ajuste patrimonial de bancos chilenos baseia-se em princípios de canais privados de ajuste ─ estimulando assim as gerências de bancos a reportar prontamente as anomalias ─ e em um mercado desenvolvido de informação bancária. A lei contempla situações precisas, que levam a colocar em marcha o processo de ajuste no caso do não-cumprimento de reservas técnicas. As reformas institucionais, a transparência e os canais de comunicação da política de supervisão bancária reduziram os riscos e os custos de transação de operações bancárias.

Nesse novo contexto, o fisco não dispõe de incentivos para interromper o funcionamento dos canais privados de ajuste, e os depositantes devem respeitar a restrição orçamentária dos bancos sem salvatagem oficial. A existência de um Banco Central autônomo, com restrição de capital ou preso a certa regra monetária ou cambial, facilita esse processo.

No Brasil, não existe clareza com relação ao rumo e à necessidade de uma nova institucionalidade, o conflito político dificulta percepção. O aparato legal é insuficiente para garantir a integridade de mercados e inexistem defesas públicas em órgãos de imprensa, tanto na instituição quanto fora dela, com relação à necessidade e à relevância de uma nova institucionalidade. A nova Lei de Falências reduz a prioridade e a possibilidade de o fisco interromper os canais privados de ajuste. A recuperação judicial reduz a prioridade do fisco em relação aos ativos da empresa, e parcelamentos de dívidas podem ser adotados, mas inexiste clareza de instrumentos privados para aumentar o grau de informação ao público bancário. A Central de Risco de Crédito representa um avanço, mas a opacidade de informações de risco aos depositantes é maior. A informação das instituições não enquadradas em limites regulatórios não é publica, permitindo erros de julgamento de depositantes. O avanço brasileiro no

processo de ajuste patrimonial de bancos parte de princípios de canais privados de ajuste, por instrumentos de controle público, e os estímulos para que as gerências de bancos reportem prontamente as anomalias é frágil. A fiscalização do Banco Central ao identificar insuficiência da capital propõe montante a ser integralizado, o controle é público, e não existe base legal para que as gerências de bancos reportem anomalias. A base legal existente para gerências refere-se a lavagem de dinheiro e as punições quando identificadas criminalizam o agente, não existem incentivos e punições administrativas asseguradas em lei, e a insegurança jurídica e judicial é elevada. Além disso, o mercado de informação bancária encontra-se em fase embrionária de desenvolvimento, inclusive porque é baixo o acesso da população a bancos.

A legislação cambial brasileira continuava presa até 2005 à legislação do Estado Novo, de 1933, e muitas transações lícitas eram ainda consideradas crimes pela legislação cambial ultrapassada e inadequada à globalização. Essa situação gerava custos de transação e inúmeros processos administrativos e judiciais, o que foi alterado relativamente pelas mudanças recentes.

Ainda existe repressão financeira brasileira representada pelo volume de compulsórios e pelo direcionamento de crédito: os depósitos compulsórios são elevados, 45% sobre os depósitos à vista e o direcionamento ao crédito rural. A base legal assegura o direcionamento de crédito de captação de poupanças para aplicações imobiliárias e em crédito rural e o fisco ainda dispõe de prerrogativas que dificultam canais privados de ajuste no caso de dificuldades patrimoniais. Além disso, o sigilo bancário compromete o mercado de informação bancária. O ônus fiscal dos requerimentos compulsórios penaliza relativamente os tomadores de crédito, ferindo o princípio de governança número 1.

A institucionalidade da supervisão bancária brasileira e o aparato legal e a segurança jurídica para o combate a atos ilícitos são insuficientes, não existe um instrumento administrativo no Banco Central que puna financeiramente a instituição que cometeu o ato ilícito, a punição é criminal apurada judicialmente. No caso o controle político de processos de apuração e a própria dimensão de recursos humanos e materiais dificultam o monitoramente. O monitoramento de transferências financeiras ao exterior é realizado pelo Banco Central e não existem punições administrativas financeiras. Esses atos são investigados pela Coordenação de Acompanhamento Financeiro (COAF) do Ministério da Fazenda, com quadro de pessoal insuficiente.

Diretores que autorizaram liquidações bancárias sofrem processos judiciais e a administração pública não assume a sua defesa, esses custos são pessoais e privados. Estes três elementos são insuficientes para a intervenção da supervisão. Esta insegurança jurídica e judicial no caso de problemas patrimoniais bancários e de insolvências retarda a intervenção do supervisor. Os riscos jurídicos retardam a intervenção nos bancos, mesmo quando essa necessidade é visível em decorrência dos desvios das instituições bancárias. O resultado da postergação da intervenção é o aumento dos custos sociais, segundo percepção de ex-presidente do Banco Central.