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As dificuldades institucionais brasileiras

4.1 As reformas estruturais e financeiras

4.2.1 As dificuldades institucionais brasileiras

As dificuldades institucionais brasileiras estão associadas aos padrões de difusão do capitalismo brasileiro e à sua lentidão. Nas hipóteses de Gilda Portugal Gouvea: a) as instituições capitalistas geralmente encontram resistência das elites das sociedades não capitalistas, pela competição social política e econômica acirrada; b) as reformas capitalistas tendem a encontrar feroz resistência de elites políticas com fracas pretensões de legitimidade; c) as sociedades ameaçadas sofrem colapso interno em vez de aceitarem a reforma, e a ameaça externa leva à crise financeira, daí o colapso do poder político observado pela decomposição partidária em países como Brasil; d) a adoção de instituições capitalistas é favorecida por condições geográficas─ Estados costeiros próximos a sociedades capitalistas mediante rotas internacionais de comércio, etc.; e) finalmente, instituições capitalistas são favorecidas em sociedades vinculadas a mercados globais por conexões culturais. 201202

As dificuldades institucionais brasileiras em mercados financeiros têm origem na transferência das atribuições de emissão de papel-moeda e de redesconto ao Banco do Brasil pelo Decreto 4.182, de 13 de novembro de 1920, por meio da Carteira de Emissão e Redesconto (Cared) e da Caixa de Mobilização Bancária (Camob) e pela criação da Sumoc, entidade autônoma precursora do Banco Central, responsável pela regulação das emissões e dos pagamentos, operacionalizados pela Cared, e pela formulação das políticas bancária, cambial e de comércio exterior, operacionalizada pela Camob.

Anteriormente à criação do Banco Central do Brasil, a Sumoc, dependente operacionalmente do Banco do Brasil, jamais pôde desempenhar todas as suas funções, sua atuação centrou-se mais nas áreas de normas e fiscalização de instituições financeiras, de registro de capitais estrangeiros, de aperfeiçoamento das estatísticas das instituições financeiras, de balanço de pagamentos e de estudos econômicos. Desde

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World wide Governance Indicators. World Bank.

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Economic Freedom of the World. Annual Report, 2006.

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LOUREIRO, Maria Rita. Os economistas no governo . FGV. 1997.

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1937, especialistas internacionais sugeriram ao governo brasileiro a criação de um banco central, mas somente em 1964 procurou-se institucionalizar um modelo clássico no Brasil, com controle de moeda, depósitos compulsórios sobre depósitos à vista, empréstimos de liquidez, operações de mercado aberto, operações cambiais, sem operações de fomento, fiscalizando instituições financeiras e extinguindo o orçamento monetário. Entretanto, dificuldades institucionais originais, apesar de irem se reduzindo, persistiram até 1995. A fundação do Banco Central no início da ditadura militar objetivava ordenar o projeto de desenvolvimento nacionalista assegurando fontes de financiamento público, pois era facultado ao Banco Central conceder créditos ao Tesouro, segundo critérios estabelecidos, vedando-se tal possibilidade em 1988.

As inúmeras dificuldades financeiras ilustram os problemas de governança no funcionamento recente do Banco. O Tesouro gerava déficits, e o Banco do Brasil realizava a expansão primária de moedas para cobrir esses déficits, função de bancos centrais. Além disso, as funções do Banco do Brasil eram contraditórias, pois ele exercia simultaneamente a função de autoridade monetária e de banco comercial, já que em 1930 foi dado a ele o monopólio sobre as operações de câmbio e foi criada a Carteira de Emissão e Redesconto, funções de bancos centrais.

As discussões sobre a reforma bancária e a criação de um Banco Central ortodoxo e a eliminação das características de autoridade monetária do Banco do Brasil vêm desde 1931, quando o diretor do Banco da Inglaterra, em visita ao país, fala sobre a necessidade de um “banco central de reserva”, independente e ortodoxo. Contudo, o Banco Central só foi institucionalizado em 1988.203 O Banco Central supria o Banco do Brasil de recursos, com volumes aplicados em políticas públicas agrícolas e industriais. Além disso, os depósitos voluntários estavam no Banco do Brasil, mantendo sua característica de autoridade monetária. Esse sistema híbrido de carteira de fomento no Banco Central foi criado por pressões do Congresso Nacional, que queria um Banco Rural ─ o jogo de interesses e as pressões eram imensos. Em seu depoimento, Nogueira cita a “trindade maldita”, denominação de congressistas para o trio formado por Dênio Nogueira, Roberto Campos e Octavio Gouvea de Bulhões, que recusaram a emissão de papel-moeda para socorrer o Banco do Estado de São Paulo. A Conta Movimento transformou-se numa fonte de recursos, com amplo uso político e ampliação de poder do Banco do Brasil. Entre 1965 e 1985, todo relacionamento financeiro do Banco

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Central e do Banco do Brasil foi feito por essa conta, que financiou a emissão de moeda, o aumento da dívida pública, as despesas com a conta trigo, os estoques reguladores, a política de preços mínimos e outros. O volume financeiro dessa conta não era explicitado ao Congresso. Desde 1964, o governo procurou institucionalizar um modelo clássico de Banco Central, com controle de moeda, depósitos compulsórios sobre depósitos à vista, empréstimos de liquidez, operações de mercado aberto, operações cambiais, ausência de operações de fomento, fiscalização de instituições financeiras e extinção do orçamento monetário. No entanto, as dificuldades institucionais, apesar de sua gradativa redução, persistiram até 1995, e as de fiscalização de instituições federais permaneceram até 1999. 204

As crises são rupturas de época nas relações entre o Estado e a sociedade.205 As múltiplas autoridades ─ governos estaduais, setor financeiro privado e duas autoridades monetárias federais ─ propiciavam múltiplos atos de arbitragem calibrada pelo Executivo ante a existência de múltiplos atores com poder de veto. A corrosão da ordem monetária dava-se pelas forças centrífugas dos estados, centros de poder rival da autoridade monetária. Para Sola e Kugelmans, a construção institucional foi lenta, pois a fragilidade institucional e o federalismo eram pouco compatíveis com o controle fiscal e com o marco regulatório da autoridade política, assegurando transparência e

accountability institucional. O Plano Real introduziu novos parâmetros para regular as

relações entre o Estado e a sociedade.206A estabilidade econômica é uma construção política, e a desindexação eliminou a garantia de um mínimo de confiança em relações contratuais. O Plano Real aumentou o poder de barganha do Executivo com os governadores após a estabilização. A ajuda federal para a renegociação das dívidas dos estados e dos bancos estaduais foi condicionada a uma centralização política e ao reconhecimento da centralização da autoridade monetária e fiscal.207 Whitehead208 afirma que entre 1980 e 1990 o Brasil representou um caso extremo de prática desordenada de Banco Central, e dentre as novas democracias da região também é o Brasil o retardatário na estabilidade econômica em ambiente político instável.209 Adiciono aos exemplos de Whitehead, além do Brasil, o Peru, a Argentina, a Colômbia

204

GOUVEA, Gilda Portugal, op. cit.

205SOLA, Lourdes; KUGELMANS, Eduardo. Estabilidade econômica e o Plano Real─-uma construção política. 206

SOLA; KUGELMANS. op.cit. p85

207

SOLA; KUGELMANS, .op. cit.

208

WHITEHEAD, Laurence. Models of central banking; how much convergence in neo democracies. Oxford. Nuffield College .Mimeo. p. 115. 1997.

209

WHITEHEAD, Laurence. On Reform of the state and regulations of market. World Development, 21.(8),.aug.1993, p. 81.

e o México como retardatários na prática ortodoxa de políticas monetárias por Bancos Centrais.