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Esta narrativa histórica mostra como a abertura a mercados externos, a reforma do Estado e o fortalecimento institucional da política monetária e da supervisão bancária, além da adoção de meta de inflação com taxas de câmbio flutuantes, ocorreram no Chile e no Brasil, destacando a convergência desses processos nos dois países. O Chile foi o primeiro país a fazer a reforma do Estado, em 1973, no governo Pinochet, implantando a liberalização comercial e financeira, da conta de capital, a privatização e a reforma tributária. O Brasil inicia essa reforma na década de 1990, que permanece incompleta até os dias de hoje.

As escolhas divergentes de Brasil e Chile no período inicial tornam-se convergentes após a crise da Ásia. Os fatos ilustram que dois movimentos atuam sobre a estabilização monetária e financeira e o fortalecimento da supervisão bancária. Internamente, a transição democrática e a aprendizagem política da relevância da estabilidade monetária em ambiente de controle político difuso. O segundo movimento está associado às forças dos mercados financeiros internacionais para disciplinar políticas macroeconômicas domésticas em ambiente de direitos de propriedades sobre ativos financeiros em mercados globais com controle político difuso.

Como as estruturas sociais são construídas a partir do conhecimento compartilhado de recursos materiais e de práticas onde os significados coletivos constituem as estruturas que organizam as ações, a difusão e aceitação dessas idéias de liberalização econômica e financeira e de valores republicanos individuais podem se constituir em significados coletivos e interferir no desenho institucional de bancos centrais em democracias e conseqüentemente na estabilidade do valor da moeda e no aprimoramento da reputação de bancos centrais.

No entanto, perguntas adicionais sobre o comportamento de outros países na América Latina levaram-nos a desenvolver o Capítulo 5, no qual se verificam essas semelhanças, respostas a crises bancárias e financeiras.

CAPÍTULO 4

A TERAPIA INSTITUCIONAL DAS CRISES E AS

DIFICULDADES INSTITUCIONAIS NA AMÉRICA

LATINA

No Capítulo 2, observamos a história das mudanças na ordem global internacional e em bancos centrais, e no Capítulo 3, a evolução de políticas monetárias, cambiais e de supervisão bancária específicas no Brasil e no Chile, o aumento na disciplina macroeconômica e o fortalecimento institucional do Banco Central e da supervisão bancária. Este capítulo amplia a descrição dessa evolução político- institucional para países selecionados da América Latina e mostra eventos que ilustram as respostas políticas às crises financeiras e bancárias com origens em racionamento ou reversão de fundos financeiros internacionais e supervisão bancária frouxa para apoiar esse diálogo metodológico entre o método histórico e a generalização estatística do Capítulo 7.

Essas evidências históricas do percurso dessa evolução institucional como respostas domésticas às mudanças na ordem internacional e às resoluções de crises financeiras e bancárias procuram responder segundo o modelo teórico do Capítulo 2 às seguintes perguntas:

1) Qual o papel da interrupção ou da reversão dos fluxos financeiros privados internacionais no cronograma do aprimoramento institucional doméstico?

2) Serão as reformas político-institucionais em reguladores bancários na América Latina, ou seja, a disciplina em políticas monetária e de supervisão bancária, e a governança com controle político difuso uma conquista de democracias e uma tendência da globalização? 3) Será a governança com controle político difuso em reguladores financeiros o reflexo de consensos políticos e ideacionais ante a aversão a riscos e a incertezas em políticas macroeconômicas e de regulação bancária?

4) O que explica as dificuldades institucionais para o ajuste na América Latina?

Este capítulo contém, em três seções, os eventos selecionados sobre as evidências históricas das reformas estruturais e financeiras nos seguintes países: Chile, Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e México, países com experiências prévias de

economias mistas na América Latina e que serão considerados na generalização estatística do capítulo 7. A seleção dos países levou em consideração a vivência de crises financeiras ou bancárias, o objetivo institucional do banco central de manter o poder de compra da moeda, a autonomia de jure ou de facto e adoção de a metas de inflação. A base legal da Argentina assegura independência, no entanto não adota metas de inflação, portanto é o caso desviante.

A pergunta dois será respondida no modelo empírico do capítulo oito posto que aquela generalização estatística considera países que disciplinaram suas políticas monetárias e de supervisão bancária, adotaram metas de inflação com governança com controle político crescentemente difuso após a crise da Asia, exceto a Argentina. Todos os seis países enfrentaram fragmentação político partidária crescente após a redemocratização, no entanto no Chile e no México formaram-se coalizões políticas com representação no Congresso Nacional no início de governo relativamente estáveis e a Argentina apesar da fragmentação política crescente, a dominância política centrada em partido único com dominância no Congresso persiste.

Uma crise representa um ponto de inflexão, pois modifica a dinâmica do trajeto. Após as crises, em visão retrospectiva, percebem-se as deficiências de cognição dos elos causais, ex-ante, e as estimativas incorretas de benefícios e custos. Além disso, elas produzem novos perdedores, os penalizados pela instabilidade, os quais reestruturam grupos de interesse, atuam sobre as regras definidas em instituições e forçam o sistema a se transformar pelos altos custos sociais, econômicos e políticos percebidos pela postergação do ajustamento, induzindo bancos centrais e reguladores bancários a recuperar sua reputação institucional, a redefinir novas regras e a recuperar sua legitimidade. A dinâmica na resolução das crises, a oportunidade e a seqüência temporal de escolhas institucionais foram diferenciadas, entretanto os processos são convergentes.

Krugman nomeia as várias gerações de crises.156 A primeira geração de crises, a de Bretton Woods, inicia-se na estrutura macro do sistema internacional e propaga-se ao nível micro dos Estados, que por sua vez reconstroem instituições nacionais que interagem na reconstrução do nível macro do sistema internacional. Na primeira crise monetária internacional, o ataque especulativo de Estados desenvolvidos,

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KRUGMAN, Paul. Crises: The Next Generations? Draft for the Razin Conference. Tel Aviv University, March, 2001.

principalmente a França ante os Estados Unidos, para a conversão de dólares em ouro, envolve a atuação de Estados nacionais num sistema anárquico centrado em Estados com atores soberanos. Essa foi a causa da queda do regime de Bretton Woods, em 1971, e do Acordo Smithsoniano, em 1973, sistemas inconsistentes com regimes democráticos e políticas keynesianas.157

O novo regime, pós-Bretton Woods, o de taxas de câmbio flutuantes em países desenvolvidos, contribuiu para modificar a estrutura do sistema monetário internacional, do unipolar para o multipolar, e a dinâmica nas relações financeiras internacionais.

A segunda geração de crises, a da dívida, ocorreu na América Latina, com origens na inconsistência temporal de políticas de governos e de empresas estatais, quando seus Bancos Centrais tentaram controlar o câmbio fixo ou fixo reajustável em economias mistas relativamente fechadas, com setor público excessivamente endividado no exterior: Argentina, Brasil, Colômbia, Bolívia, México e Peru. No entanto, a crise do Chile é mais semelhante à da década seguinte, pois tem origem em contratos de empréstimos privados com taxas de juros flexíveis, insolvência em instituições financeiras após a liberação financeira, acelerada por entradas excessivas de capitais externos em sistema bancário pouco robusto. A conseqüência da segunda geração de crises foi a reforma estrutural e a liberalização econômica, comercial e financeira nos países com economias mistas, e no Chile acrescenta-se o fortalecimento institucional da supervisão bancária e a autonomia do Banco Central e da supervisão.

Na segunda geração de crises, a elevação nas taxas de juros norte-americanas em fins da década de 1970 e início da de 1980 para sanear desequilíbrios internos, a estag- inflação e o esforço dos países devedores em manter suas taxas fixas de câmbio diante de ataques especulativos sem reconhecer sua fragilidade financeira tornaram visíveis os custos dos desequilíbrios latentes, segundo modelos de Bernanke e Gertler.158 Bancos internacionais, de maneira multicêntrica, realizaram empréstimos em demasia a países em desenvolvimento e sustentaram desequilíbrios na atuação do Estado e de empresas em países emergentes. Assim, vivenciaram ameaças de perdas patrimoniais definitivas após a elevação nas taxas de juros norte-americanas, no período de interdependência, o

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EICHENGREEN, Barry. Globalizing Capital. A history of the International Monetary System. Princeton, Princeton University Press, 1996.

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BERNANKE, Ben; GERTLER, Mark. Agency Cost, Networth and Business Fluctuations. American Economic Review, v. 73. p. 257-76. June 1989.

que tornou insolventes Estados devedores, ameaçando a estrutura bancária, principalmente a norte-americana.

A terceira geração de crises foi representada pelo pânico de credores e investidores internacionais em sistemas financeiros domésticos pouco robustos ante o risco político, o cambial e o de regulação. Perante a percepção do risco político e cambial, o racionamento de crédito externo e a reversão de fundos internacionais associados a políticas domésticas insustentáveis no tempo afetaram países como México, Argentina, Brasil, Colômbia e Peru, e em menor intensidade o Chile. Na interpretação teórica de Krugman, a existência de múltiplos equilíbrios econômicos, sendo um bom e outros ruins, requer uma política de estabilização financeira para redirecionar as variáveis na direção do equilíbrio bom, inclusive com controle de capital.

A América Latina tem tido por extensos períodos a reputação de região propensa a crises.159 Nessa região, as duas gerações de crises incluem o México em 1976, 1982 e 1994; o Chile em 1982; o Brasil em 1983 e 1999; a Argentina em1980-1982, 1989 e 2001; Colômbia em 1998, o Uruguai em 1980-1982, e em 2002. O Peru enfrentou depreciação do câmbio e recessão em 1983. A segunda geração de crises nessa região, a da dívida, contribuiu para o início de reformas estruturais, reduzindo o papel do Estado em economias mistas, enquanto a terceira contribuiu para as reformas cambiais, financeiras e bancárias e para o fortalecimento institucional e a autonomia da supervisão bancária e de Bancos Centrais, após a crise cambial do México em 1994 e a da Ásia entre 1997 e 1998.

A crise da Ásia, os eventos sucessivos na Tailândia, na Indonésia e na Coréia em 1997, e os da Rússia em 1998 tiveram início a partir da pressão sobre moedas em países de câmbio fixo reajustável, quando Bancos Centrais procuraram sustentar internamente o valor de sua moeda, seguido do comportamento de “rebanho eletrônico”─ o pânico de investidores─, a esgotar as reservas internacionais do Banco Central, tudo isso associado ao racionamento de crédito ou liquidez no sistema bancário.

Esses eventos nos mostraram que quando um país é interligado ao sistema financeiro internacional, a existência de desequilíbrios econômicos e financeiros e de riscos internos crescentes, reais ou potenciais, tanto econômicos quanto de regulação ou

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políticos, provenientes de políticas insustentáveis no tempo, a ação coletiva de investidores externos força o ajuste doméstico, que se previamente postergado, apresenta enormes custos sociais.

Na terceira geração de crises, a América Latina enfrentou vários processos comuns: a liberalização financeira prévia, as crises financeiras e os transtornos transferidos para a economia pelo aumento da dívida pública pela assunção de dívidas privadas. Porém, mesmo com políticas monetárias mais convergentes, países latino- americano vivenciaram crises cambiais, bancárias e financeiras em 1994, 1995, 1998, 1999, 2001 e 2002. Mesmo o Chile com bons fundamentos macroeconômicos e regime cambial com bandas administradas apresentou uma ligeira retração de produto de 1% em 1999. A percepção, fragmentação política e a aversão ao risco político crescente postergaram ajustes e dificultaram a formação de consensos políticos e de acordos para cooperação previamente às crises. As políticas de câmbio fixo reajustável e o currency

board, quando insustentáveis no tempo, em sistemas bancários pouco robustos e

endividados no exterior, com falhas nos sistemas de supervisão bancária e descontrole financeiro, sob ameaça de riscos precipitaram as crises de solvência.

As conseqüências dessas crises bancárias nos anos 1990 promoveram maior disciplina macroeconômica, a adequação crescente do marco regulatório doméstico a padrões internacionais, maior autonomia para a regulação e para a supervisão bancária, melhor competência e eficiência nos mercados de crédito e de capital para preservar a solvência.160 Além desses, incluiu-se nos compromissos institucionais de Bancos Centrais a estabilidade financeira e do valor da moeda.

Ou seja, as dinâmicas do comportamento difuso dos agentes econômicos─ tais como a captura do Estado por grupos políticos; a instabilidade provocada pelas crises políticas; as ações coletivas de investidores internacionais e domésticos produziram respostas políticas.

As diversas crises da dívida, do México e da Ásia, produziram as seguintes respostas institucionais: aprimoramento institucional; substituição de instrumentos de comando e controle por sinalizações de compromissos; adoção de padrões de

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HELD, Gunther; SZALACHMAN, Raquel. Experiencias en America Latina y el Caribe. Argentina, Costa Rica, Chile, Republica Dominicana, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Venezuela. HELD, Gunther; SZALACHMAN, Raquel (Ed.). CEPAL e PNUD. RLA90/001- Proyecto Regional Conjunto. 1992.

governança que apoiassem e monitorassem as escolhas descentralizadas e reduzissem incertezas e riscos econômicos e regulatórios.

O Chile, o precursor, realiza a reforma no papel do Estado, liberaliza e aprofunda as relações interfinanceiras internacionais, o controle monetário e o de solvência. Por algum tempo o Brasil resiste, mas a dinâmica é convergente após a crise da Ásia. A Colômbia segue o modelo chileno a partir de meados da década de 1980. O México, outro exemplo de país resistente, nacionaliza bancos insolventes e posteriormente os privatiza, e finalmente, na crise da Ásia, assume a carteira vencida e vende esses bancos a grupos estrangeiros, sendo a Argentina o caso desviante ─ a inflação é crescente, com independência legal do seu Banco Central, e perdas financeiras são transferidas a detentores de títulos indexados pela inflação administrada. Portanto, nesses países a regulação financeira permanece como uma área política na qual os incentivos eleitorais desempenham papel importante.161