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2.8 A autoridade política de reguladores nacionais: FED, Bundesbank, Banco Central

2.8.3 Banco Central Europeu

O Banco Central Europeu (BCE) representa um modelo institucional entre Estados, um novo contrato social para a definição da autoridade. O Tratado de Maastricht definiu como compromisso institucional a estabilidade de preços. Em 1997, o Instituto Monetário Europeu forneceu os princípios para a estratégia monetária: efetividade, accountability, transparência, objetivos de médio prazo, continuidade, consistência, consistentes com as metas praticadas pelo Bundesbank e posteriormente executadas pelo BCE.

O (BCE) integra o Sistema Europeu de Bancos Centrais, (SEBC), é de propriedade de bancos centrais nacionais desde 1999 e executa a política monetária do euro na eurozona, constituída por países que renunciaram a moedas nacionais e adotaram a moeda única. O mandato de seus dirigentes é de oito anos. Suas responsabilidades são: a política monetária, as operações com divisas, a posse e a gestão de reservas oficiais de divisas de Estados-Membros e a promoção do sistema de pagamentos.

O BCE toma as decisões políticas de acordo com a norma européia para manter a estabilidade de preços na eurozona. A legislação comunitária dispõe ao BCE e ao

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SEBC uma série de potestades e prerrogativas, tais como poderes regulatórios, de inspeção e de sanções por não-cumprimento de decisões, além de poder tomar decisões orçamentárias e manter um alto grau de confidencialidade sobre suas deliberações.

A estratégia da política monetária é a que era mantida pelo Bundesbank anteriormente a 2002, e outras estratégias mais novas, como as metas de inflação, são perseguidas pelo Banco da Inglaterra e pelo Banco da Espanha. A partir daí, o BCE definiu uma estratégia baseada em dois pilares: o crescimento da oferta monetária  agregado monetário conhecido por M3  e a aplicação de taxas de juros para as metas de inflação. Seus instrumentos próprios são os que afetam a gestão de liquidez de entidades de crédito, operações de crédito de longo prazo, ajuste de liquidez, depósitos compulsórios. Seus principais instrumentos são a taxa de juros e o tipo de câmbio. Para a gestão das taxas de juros, colocou em funcionamento o Target, sistema de transferência de pagamentos que interliga os 15 sistemas de pagamentos nacionais com os mecanismos do BCE para reduzir o tempo de transferência do dinheiro entre países da União Européia.

A independência do BCE é uma garantia de credibilidade, e para tanto ele constrói sua reputação buscando sua credibilidade ao não permitir a interferência dos poderes públicos. Sua independência é assegurada por garantias institucionais de proteção legal: proibição de receber, solicitar ou emitir instruções de órgãos externos ao BCE, proibição de conceder créditos a organismos públicos e de comprar dívida pública primária. Também dispõe de privilégios e imunidades tais como: o sigilo profissional; garantias pessoais; garantias de autonomia no mandato de oito anos. Sua autonomia é garantida por condições materiais e financeiras e por um sistema próprio de controle de gestão de proposta orçamentária do Comitê Executivo ao Conselho de Governo.

Concluímos que o FED, de propriedade privada, dispõe de autoridade política de

facto, tem credibilidade e adota um sistema de meta monetária, e, recentemente no

período Volcker Greenspan, adota um sistema similar a inflation target não explícito e mandato de diretores superior aos ciclos políticos. Entre 1987 e 1996, a inflação média foi de 3,7%, segundo dados de Adolph.128

O Bundesbank adota um sistema híbrido de meta para inflação e para agregados monetários, e o BCE, de propriedade de bancos centrais europeus, iniciou adotando

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ADOLPH, Christopher. Three simple tests of career influences on monetary policy. Seattle: University of Washington, 2005. p. 16. www.chrisadolph.com,cadolph@u.washington.edu.

meta para agregados monetários e persegue atualmente meta inflacionária. Todos esses reguladores procuraram obter convergência nas expectativas dos acionistas e dos agentes em relação à estabilidade de preços e financeira em extensos horizontes temporais, assegurada por mandato de seus diretores superior ao ciclo político.

A conclusão desta seção é que a reputação é produto da autoridade e que a legitimidade política não são asseguradas pela independência, pela autonomia legal ou pela estrutura de propriedade, mas pelo compromisso institucional com a estabilidade de preços entre gerações presentes e futuras. Estabilidade de preços explícita com o uso de instrumentos como inflation target ou implícita com sistemas híbridos entre metas para inflação com agregados monetários com um sistema da comunicação claro e explícito seja instituição pública ou privada. Essa estabilidade tem origens na estabilidade de preferências políticas com apoio político de maiorias, o que define a consistência temporal da estabilidade de preços como uma política de Estado, ou seja, a existência de uma ética de governança incorporada em preferências políticas e individuais com controle político difuso.

Além dos instrumentos, decidimos incluir uma seção sobre as inovações tecnológicas e financeiras neste amplo espectro por identificarmos que as inovações em visão prospectiva podem também interferir na incerteza e, conseqüentemente, na reputação de instituições como bancos centrais.

Supomos que o desenho diferenciado dessas instituições na América Latina tiveram origens históricas e vinculações políticas provenientes de escolhas fundamentadas no conflito de idéias entre o liberalismo econômico e o intervencionismo, portanto apresentamos no capítulo subseqüente o marco histórico dos bancos centrais do Brasil e do Chile.

CAPÍTULO 3

MARCO HISTÓRICO DOS BANCOS CENTRAIS DO

BRASIL E DO CHILE

Este capítulo é composto por três seções e trata do marco histórico dos Bancos Centrais do Brasil e do Chile. A primeira seção sintetiza a criação e a evolução dos dois Bancos Centrais. Na segunda seção estão expostas as mudanças institucionais no Chile, e na terceira, as mudanças institucionais no Brasil, segmentadas em períodos definidos pela pesquisa, considerando-se políticas monetárias, cambiais e de supervisão bancária.

3.1 Criação e evolução dos Bancos Centrais do Brasil e do Chile

O Banco Central do Chile (BCC) foi criado em 1925, e o Banco Central do Brasil (BCB), em 1965, pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Este foi antecedido pela Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), criada no final de 1921.

O BCC foi regido até o presente por cinco legislações. A primeira foi de 1925 a 1953, a segunda, de 1953 a 1960, período no qual o Banco expande suas funções e passa a desempenhar papel ativo no desenvolvimento do país, com ênfase no pleno emprego, sendo-lhe permitido conceder créditos ao Tesouro e a organismos estatais. Nesse período, a sua diretoria incluía quatro representantes do Parlamento. A terceira, de 1960 até 1975, iniciou-se com as mesmas funções, porém houve a criação do Comitê Executivo, formado pelo presidente, pelo vice-presidente e pelo gerente-geral, com responsabilidades administrativas em relação ao controle de crédito e à fixação de encaixes. A quarta, com início em 1975, subordina sua atuação pela criação do Conselho Monetário em âmbito ministerial, encarregado de fixar a política monetária, de crédito, de mercado de capitais, tarifária, cambial e a de poupança. Finalmente, a atual Lei Orgânica tem origens na Constituição de 1980, referendada por plebiscito popular, que limita o financiamento fiscal e reforça a autonomia. A atual Lei Orgânica foi aprovada em 1989 e concebe o Banco como órgão autônomo, de caráter técnico. Suas principais funções são zelar pela estabilidade da moeda e pelo funcionamento normal dos pagamentos internos e externos. A supervisão bancária é exercida por outra instituição, também autônoma, a Superintendência de Bancos e Instituições Financeiras. Já no Brasil, as funções de Banco Central foram exercidas por três instituições: pelo Banco do Brasil, entre 1921 e 1986, com a delegação pelo Tesouro Nacional das

funções de emissão de papel-moeda e de redesconto até a extinção da Conta Movimento; pela Sumoc, entre 1945 e 1965, criada em decorrência de compromissos assumidos pelo Brasil em Bretton-Woods, exercendo essas funções desde sua instalação até a criação do Banco Central; e a partir de 1965 pelo BCB. A supervisão e a fiscalização bancária são de responsabilidade do Banco Central. Essa multiplicidade de órgãos exercendo as funções de Banco Central até a extinção da Conta Movimento do Banco Central no Banco do Brasil, além de outros problemas institucionais, dificultou a execução da política monetária e de supervisão brasileira. Em 1988 é extinta a Conta Movimento, mas somente em 1995, com a intervenção e a liquidação dos bancos estaduais, o Banco Central do Brasil inicia a construção de sua autoridade política, ainda não concluída em 2008. As dificuldades institucionais brasileiras têm origens históricas e são descritas na seção 5.2.1 do capítulo 5.

Em 1974, as escolhas políticas dos dois países foram diferenciadas. O Chile priorizou a liberalização financeira, a restauração da estabilidade e a reestruturação econômica desde 1973, com endividamento privado externo, enquanto o Brasil optou pela promoção do crescimento econômico com endividamento público externo. No governo militar de Figueredo, após as primeiras dificuldades na balança de pagamentos, o governo brasileiro assinou sete cartas de intenção enviadas ao Fundo Monetário Internacional e, no entanto não cumpriu os compromissos que buscavam reduzir a demanda interna. Na crise da dívida, durante governo militar, o Chile contrata vários programas com o Fundo Monetário Internacional, e o Brasil, durante o governo Sarney, primeiro governo da transição democrática resiste ao priorizar o crescimento e não o ajuste fiscal e as políticas recessivas impostas pelo Fundo por condicionalidades visando a equilibrar a balança de pagamentos. Os empréstimos necessários eram feitos por bancos. A reestruturação da dívida externa brasileira é concluída somente em 1993, com Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda, após o início da reforma estrutural e da liberalização de mercados, segundo as chamadas condicionalidades ampliadas do Fundo Monetário Internacional.

As sucessivas mudanças organizacionais brasileiras podem ser explicadas pela aprendizagem na resolução de problemas, como a crise da dívida, e pelas novas mudanças institucionais negociadas em sistemas políticos sob a pressão de grupos de interesse. O processo de aprendizagem iniciou-se em 1982, com a contribuição do Fundo Monetário Internacional, na definição dos critérios de mensuração das

“Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP)” e no processo de verificação do cumprimento das metas de redução do déficit público assumidas pelo país com o próprio FMI,129 seguida por mudanças institucionais após a democratização.

Finalmente, após um longo processo de reorganização, ação e reação de grupos de interesses com relação à organização institucional, dá-se o encerramento da Conta Movimento em 1988 e desvincula-se das atividades de fomento do Banco do Brasil.

Porém, persiste na Federação a fragmentação de autoridade compartilhada com estados brasileiros. Governos estaduais autorizavam a criação de bancos estaduais que financiavam atividades públicas com endividamento excessivo, sem capacidade de pagamento, expandiam crédito sem controle do Banco Central até 1995. Essas dificuldades políticas persistem até 2005, não assegurando autonomia de jure. A autonomia do Banco Central e a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal de 1988 não têm sido prioridade, ou seja, aguardam maior consenso político.

A autoridade política interna do Banco Central do Brasil começa a ser reconstruída pelo consentimento político de governadores a partir de 1995. Esse consentimento de governadores permitiu a intervenção e posterior privatização, liquidação e transformação dos bancos estaduais e a federalização das dívidas estaduais. Esta autoridade é reforçada em 1999 por decreto presidencial que institui a meta inflacionária como instrumento de política monetária, e em 2000, pela definição de limites no endividamento público - a Lei de Responsabilidade Fiscal. Entretanto, não existe coesão política para uma nova institucionalização do Banco Central do Brasil e reformulação da Lei nº 4595, que o criou. Até o final de 2005, nenhum projeto de lei sobre uma nova institucionalidade do Banco Central foi discutido no Congresso Nacional brasileiro.