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2. A TELEVISÃO: DO ANALÓGICO AO DIGITAL

2.1 A INVENÇÃO DA TV

2.1.4 Elementos em torno da evolução da TV

2.1.4.3 A Criação do Videoteipe

Enquanto o controle remoto primeiro alterou a recepção e, só posteriormente, transformou os modos de produção televisivos, ainda em 1957 são iniciados os primeiros experimentos com um equipamento que viria revolucionar imediatamente a forma de se fazer televisão. “Verdadeiro bálsamo tecnológico para um setor acostumado à improvisação irremediável das transmissões ao vivo, o VT pode ser considerado a etapa decisiva para a conquista de um padrão de qualidade audiovisual” (ALMEIDA, 1988, p. 37).

O advento do videoteipe (VT)77 no Brasil, por volta de 1960, pôs fim aos improvisos e contratempos até então bastantes corriqueiros nas transmissões televisivas dos anúncios publicitários ao vivo – como aquele caso do prato dito inquebrável que se espatifou ao ser jogado no chão por uma garota propaganda, no intuito de comprovar a resistência do produto (FILHO, 2001, p. 19). Além disso, o VT, quando passou a ser usado regularmente, em 1962, contribuiu para a melhoria da qualidade das produções, permitindo avanços no processo de pós-produção e possibilitando, inclusive, o envio desses materiais para outras praças e sua exibição simultânea. Dessa forma, as emissoras do Rio e de São Paulo passaram a gravar seus programas e vendê-los para outras emissoras, distantes destes centros urbanos.

Tal possibilidade de compra de programas previamente gravados permitida pelo videoteipe driblava temporariamente os custos de instalação de novos transmissores nas outras emissoras. Este equipamento permitiu também que as telenovelas, agora com seus capítulos gravados com antecedência,

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Do inglês videotape; fita magnética que permitiu a gravação de imagens e sons para posterior exibição/transmissão.

passassem a ser exibidas diariamente e com menos falhas. O processo foi gradual, contudo a adoção do VT em escala comercial, além de lucrativo para as emissoras e anunciantes, trouxe mudanças tanto para o telespectador, como para os criadores dos programas, pois alterou completamente o perfil não só das telenovelas, mas dos programas de uma forma geral.

O videoteipe vai facilitar – e tornar rentável comercialmente – a realização das novelas diárias, shows, transmissão de jogos de futebol gravados no eixo São Paulo-Rio, que poderão ser exibidos em várias praças, iniciando um processo de massificação. De início, os programas são gravados e embarcados de avião para todas as regiões do país, trazendo como uma das conseqüências a fragilização das produções locais e o conseqüente fortalecimento das emissoras paulistas e cariocas. (SIMÕES, 2004, P. 21).

O VT trouxe liberdade para o potencial criativo de diretores, autores e atores televisivos, afastando o fantasma dos riscos com problemas técnicos e permitindo, assim, que pensassem na composição de uma linguagem televisiva

[...] com os cortes de edição, a velocidade, um novo ritmo e até a possibilidade de situações inusitadas (Chico Anysio foi um dos primeiros a se aproveitar dos novos recursos, deixando muito telespectador embasbacado ao vê-lo contracenando consigo mesmo). (SIMÕES, 2004, P. 21).

No entanto, a nova linguagem possibilitada pelo videoteipe implicava em mais trabalho, empenho e dedicação por parte destes profissionais que, a partir do uso deste equipamento, se sentiam instigados pela busca de cenas perfeitas. Foi essa intensa procura pela perfeição que provocou, certa vez, o desabafo do humorista Zé Trindade, após 16 horas de gravação: “Se me aparecesse aqui o inventor desse tal de videoteipe, dava-lhe um tiro na testa”.78

De fato, o VT

78

Fonte: http://www.almanaquebrasil.com.br/especiais/ela-veio-para-subverter/ Acessado em 04/05/10.

[...] marca a passagem da “era da espontaneidade” da comunicação para uma fase mais técnica e elaborada, mas, sem dúvida, mais solene e impessoal. Modernizar significava também melhorar a qualidade de produção, modificando sua linguagem. (MIRA, [19-], 41).

Inicialmente o VT era usado apenas na dramaturgia e em outros programas de entretenimento. O jornalismo, por sua vez, continuaria, por algum tempo ainda, a usar o filme de 16 mm, das produções cinematográficas, pois não havia equipamentos desta natureza com dimensões mais compactas que atendessem à agilidade necessária ao repórter cinematográfico durante a realização de reportagens de rua. A Sony, multinacional japonesa do setor de eletrônicos, em 1970, criou o U-Matic – um formato de fita com bitola reduzida em relação a que vinha sendo fabricada e um sistema de gravação mais rápido, apesar de qualidade de imagem um pouco inferior. Em 197479, o novo videoteipe ganhou escala comercial. Mas, no Brasil, foi em 1976 a inauguração do Eletronic News Gathering (ENG), unidades portáteis de VT para a realização de reportagens. “O equipamento eletrônico permitia ao cinegrafista constatar na hora, olhando no monitor, se havia cometido algum erro e, assim, lhe dava tempo e recursos para refazer uma tomada ou, se necessário, gravar tudo novamente.”80

Em uma reflexão sobre os 50 anos de TV no Brasil, a jornalista Leila Cordeiro recorda como bastante “rudimentar e quase sem recursos humanos e tecnológicos” seu início de carreira, quando foi contratada pela TV Aratu, antes mesmo de concluir o curso de Jornalismo.

Naquela época [1979], o VT ainda não havia chegado ao jornalismo da Bahia e as equipes trabalhavam com as velhas máquinas de filmar. Na minha equipe, além de mim, saíam um cinegrafista e um assistente, com direito a usar a medida padrão de 400 pés de filme (equivalente a dez minutos de gravação numa fita de VT) e equipamento era uma 13 CP, uma máquina preta, grande e pesada. Foi uma experiência quase 79 http://www.acasadoator.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=113&Itemid= 68 Acessado em 17/06/11. 80 Fonte: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-239077,00.html Acesso em 13/04/2010.

paleolítica que tive naquele início de carreira, mas que obrigou-me a aprender a editar em moviola as imagens do filme que levava quase duas horas para ser revelado e gravar o texto da reportagem em cima das imagens. (CORDEIRO, 2004).

Pouco tempo depois, a jornalista foi trabalhar na TV Globo, no Rio de Janeiro.

Quando cheguei no jornalismo da Globo no Rio, um ano depois, fui apresentada ao videotape. Foi como se um mundo novo se abrisse. Tudo muito mais fácil e rápido. Nunca mais o filme, onde você não podia errar porque a máquina não voltava atrás. Nunca mais ter que voltar para a redação duas horas mais cedo do que o normal para ter tempo de revelar o filme e editar a reportagem. Enfim, um avanço tecnológico de infinitas possibilidades que facilitaram a vida da repórter e melhoraram sua performance como profissional. (CORDEIRO, 2004).

A repórter se beneficiou por entrar para uma emissora que, desde o seu início, contava com o VT para gravação e edição de programas. “Em 1968, ela foi a primeira no Brasil a contar com o Editec, equipamento que facilitava a utilização do videoteipe. Até então, a edição das fitas era feita manualmente, com lupas e estiletes.” (CRUZ, 2008, p. 33)

O videoteipe, hoje, é um dos principais elementos que compõem a televisão. Seu advento foi diretamente responsável pela melhoria da qualidade das produções – a partir dele tornou-se possível refazer o que não dava certo, testar, burilar – e ainda permitiu à TV criar uma linguagem própria, com movimentos de câmera alternados, enquadramentos diversificados, com uma edição cada vez mais ágil, tanto nas produções de programas e telenovelas, quanto no jornalismo diário – sem contar que a tendência com o passar do tempo foi – e é – a redução em tamanho e peso destes equipamentos.

Ao mesmo tempo em que proporcionou a revolução do trabalho diário dos profissionais da televisão, o uso do VT também acostumou o telespectador a um estilo de programação que acabou por alterar, da mesma forma, o seu modo de recepção. Ao perceber os avanços possíveis, as novas técnicas, os enquadramentos inéditos – resultado do trabalho de equipes de produção empenhadas em realizar produtos cada vez com mais esmero, explorando ao

máximo o que os equipamentos oferecem – o telespectador foi ficando cada vez mais exigente. Então, quando quem assiste à TV não se satisfaz com o que vê, ou percebe que as sequências de imagens na tela não lhe agradam, ele troca de canal em busca de programação mais de acordo com o que deseja, e faz isso de forma rápida e eficiente, usando o controle remoto.

Portanto, enquanto o videoteipe impôs dinâmica, proporcionou diversidade e tornou viável a melhoria da qualidade das criações televisivas, o controle remoto facilitou e acelerou o processo de escolha por parte do telespectador, provocando, desta maneira, a interação entre dois dispositivos que levaram ao avanço técnico da televisão. A evolução técnica da TV nos mostra que, ao lado das mudanças referentes às produções, ocorre também a imposição de novos comportamentos.