• Nenhum resultado encontrado

TELEVISÃO, CULTURA E MUNDO DIGITAL

4. A CULTURA DE PARTICIPAÇÃO E A TELEVISÃO NA WEB

4.1 TELEVISÃO, CULTURA E MUNDO DIGITAL

Depois das inovações trazidas pela TV, foi o advento das tecnologias digitais que provocou uma grande revolução nos modos de comunicação, produção e criação humanos. O surgimento destas tecnologias deu origem a um movimento de âmbito mundial que refletiu na economia, na educação, na cultura. A tecnologia digital alterou, de forma profunda, os hábitos dos indivíduos, as relações, as formas de interação. Estas mudanças repercutiram de maneira direta na cultura, uma vez que podemos considerá-la como a parte do ambiente construído pelo homem – que inclui o legado humano maduro adquirido por meio do seu grupo pela aprendizagem consciente, ou por processos de condicionamento, entendidos aqui como técnicas, sociais ou institucionais, modos de crença e conduta (SANTAELLA, 2004). Fonseca e Couto (2005) ressaltam que esse crescimento exponencial das formas de comunicação ocorreu principalmente via computadores em rede.

Essa expansão ocorre sem delimitação de fronteiras, por diversos espaços, o que propicia trocas de informações e a emergência de diferentes relações sociais, que interligam realidades reais em virtuais. Isso altera significativamente o meio e favorece o surgimento de relações antes não estabelecidas que irão tecer uma complexa rede de possibilidades. O endereço dessa complexa rede é nomeado ciberespaço, que proporciona uma reconfiguração da noção de tempo, tornando-o instantâneo, e uma desmaterialização do espaço. No ciberespaço, as pessoas edificam interfaces imersas numa outra realidade, para se comunicar, relacionar e produzir saber, vindo a constituir o chamado mundo virtual (FONSECA; COUTO, 2005, p. 55).

No entanto, é importante esclarecer que um movimento anterior à digitalização já vinha abrindo espaço para as alterações que seriam implantadas pela cultura binária, baseada na combinação de zeros e uns. Este movimento – determinado pela explosão dos meios de reprodução técnico- industriais e que apresentou ao público o potencial do jornal, da fotografia e do cinema – foi responsável pelo surgimento da cultura de massa, que rompeu, de maneira drástica, a divisão entre cultura erudita e cultura popular. Para surgir e se firmar, a cultura de massa contou com a preponderância dos meios de difusão (rádio e TV), que misturou o que, antes, era restrito ao consumo de segmentos específicos, aproximando o que era de acesso à multidão ao que pertencia exclusivamente a uma elite.

Nos anos 1980, um reforço definitivo para este rompimento entre cultura erudita e popular seria trazido pelo advento de instrumentos como videocassetes, videojogos, controle remoto, CDs, TV a cabo, fotocopiadoras – precipitando, assim, o fim desta divisão. Além disso, o crescimento do trânsito e dos hibridismos entre os meios de comunicação proporcionou a composição da chamada cultura das mídias125, que dava início à possibilidade do consumidor escolher produtos simbólicos alternativos (SANTAELLA, 2004). Desta maneira, impulsionou um posicionamento de criação e difusão paralelo a um mercado dominante e estabelecido, que determinava – e ainda o faz, entretanto com cada vez menos preponderância – modas, comportamentos, costumes.

125 Santaella (2004) chama de cultura das mídias a cultura que emergiu no período de transição entre a cultura de massas e a cultura digital/cibercultura, em que surgiram processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais que, gradativamente, favoreceram o surgimento da cultura digital.

A digitalização dos processos de criação e distribuição de produtos levou o público ao primeiro plano dos debates sociais, uma vez que tornou possível a existência de um fluxo de informações paralelo, independente. Couto et al. (2008) lembram que as infinitas possibilidades de cultura e de mixagem entre culturas, a interatividade das mídias e destas com outros fatores viabilizados pelo digital tendem a tornar a cultura de massa uma entre outras, não deixando de existir, mas dividindo espaço com outras culturas. Contaminadas pelas novas mídias digitais, reforçam os autores, estes meios de comunicação social adquirem outros formatos, oferecem novas possibilidades, principalmente com a expansão da Web 2.0, das redes sociais interativas.

As tecnologias digitais tendem e devem converter a cultura de massa em cultura interativa, colaborativa, promovendo ampliações infinitas na circulação e criação de informações e conhecimentos. Um novo Ethos126, o Ethos da mediatização infocomunicacional na era digital, acelera as mudanças sociais promovidas pela globalização da cultura digital e realiza criativamente novos modos de ser e viver (COUTO et al., 2008).

Nas mãos de quem antes apenas consumia o que os meios de comunicação ofereciam, as produções culturais, com o advento das tecnologias digitais, adquirem novas facetas, em um processo contínuo de transformação, que depende dos interesses e necessidades de cada um. Os anos 1990 trouxeram, desta forma, a popularização do computador, a digitalização das informações (texto, imagem e áudio), a compressão de dados e a convergência de mídias. Um terreno que fez nascer e florescer a cultura digital.

Diversos pesquisadores, como Palacios (2009), Santos (2009) e Santaella (2004), já se empenharam no trabalho de definir o que vem a ser a cultura digital. A acepção adotada neste trabalho segue o posicionamento de Manevy (2009), que percebe a cultura digital como um sistema de valores, de símbolos, de práticas e de atitudes, não uma tecnologia. De acordo com este

126 Os autores definem Ethos como sendo o conjunto de valores consagrados pela tradição cultural de um determinado povo.

autor, se considerarmos este sistema efetivamente como cultura e não como suporte, “[...] captamos a essência desta transformação, que é a cultura das redes, do compartilhamento, da criação coletiva, da convergência” (MANEVY, 2009, p. 35-36). Dessa forma, a comunicação deixa de ser exclusivamente no modelo um-todos, típica da cultura de massa, onde um único emissor – normalmente um grande veículo de mídia – propaga o mesmo conteúdo para um amplo público. A característica do processo comunicacional na era digital é o todos-todos, descentralizando o polo emissor e possibilitando que o fluxo de informações seja modelado e remodelado a partir das ações dos mais diversos atores.

Embora autores como Santaella (2004), Lemos (2009) e Silveira (2009) optem por considerar cultura digital e cibercultura como sinônimos, a opção desta pesquisa segue o posicionamento de Sampaio (2010), que ressalta que, embora uma esteja imbricada à outra, a conectividade em rede é condição básica para a existência da cibercultura, uma vez que seu horizonte técnico está fundamentado na comunicação comum a todos. Assim, embora uma esteja imbricada à outra, esta última carece de uma conectividade em rede. Como pontua Lévy (1999), a cibercultura é “[...] o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”(Lévy, 1999, p. 13) – expressão também conceituada pelo autor:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é novo meio de comunicação que surge a partir da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam este universo (LÉVY, 1999, p.13).

Sendo assim, a existência da cibercultura está, sim, atrelada à internet e à proliferação de espaços na web. No entanto, é compreensível a postura de Lemos (2009), que justifica o tratamento de cultura digital e cibercultura como tendo o mesmo sentido, por serem “[...] nomes para a cultura contemporânea,

marcada a partir da década de 70 do século passado, pelo surgimento da microinformática”. De fato, ambas fazem parte do panorama que vem se desenrolando desde aquele momento e que tem ganhado força e importância. No entanto, o desenvolvimento da cultura digital é anterior ao implemento de redes de conexão. Computadores, softwares variados, aparelhos de captação de áudio e vídeo, dispositivos de manipulação e reprodução – independentes do ciberespaço – já faziam proliferar um modo diferente de comunicação. Contudo, como ressalta o próprio autor, o tom planetário destas práticas ganha maior expressão com a estruturação das redes.

Em 1977, quando a dupla Steve Jobs e Steve Wozniak criaram o Apple II127, teve início o processo de popularização do computador pessoal, com um modelo de máquina bem semelhante a que usamos atualmente. Com equipamentos mais próximos dos sujeitos, vem a proliferação do movimento em torno da cultura digital. Era o desenrolar de profunda transformação social. Uma revolução marcada pela presença de jovens na liderança. Steve Jobs e Steve Wozniak (Apple), Bill Gates (Microsoft), Tim Berners-Lee (World Wide

Web), Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e Chris Hughes

(Facebook) são exemplos de apenas alguns dos rapazes que, ainda na universidade, se envolveram em criações que não só foram responsáveis pela independência financeira deles, como foram marcantes para a disseminação da cultura digital e a imersão na cibercultura.

Lévy (1999) destaca que estas tecnologias nasceram do espírito de visionários e que estão impregnadas por seus primeiros usos e pelos projetos de seus criadores. O autor ressalta que é preciso reconhecer dois aspectos fundamentais atrelados a esta efervescência.

Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós

explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano (LÉVY, 1999, pág. 11).

Sobre cibercultura, Castells (2007) diz se tratar de um novo sistema de comunicação, dotado de uma língua universal digital, que, ao mesmo tempo, globaliza a produção e disseminação de palavras, sons e imagens inerentes à nossa cultura e personalizados de acordo com as identidades e humores dos indivíduos. As redes de comunicação, segundo o autor, ao fazer florescer novas formas e canais de comunicação, moldam nossa vida e são moldadas pelos nossos usos e perspectivas. Isso mostra que, mesmo que o acesso à rede mundial de computadores ainda esteja restrito a uma pequena parcela da população, os indivíduos buscam, progressivamente, a exploração e a apropriação dos recursos tecnológicos oriundos da digitalização.

Com base no pressuposto de Castells (1999, p. 25) de que “a tecnologia

é a sociedade e a sociedade não pode ser entendida sem suas ferramentas

tecnológicas”, compreende-se que a evolução dos meios de comunicação interfere tanto na economia, quanto na geopolítica mundial, gerando um novo modo de produzir, de se comunicar, de lidar com gerenciamentos e de viver. Assim, é fundamental que educadores se aproximem de forma crítica dos debates e estruturas das culturas que surgem com a digitalização, para que possam implementar, nas instituições onde atuam, novas maneiras de construir conhecimentos, de acordo com as potencialidades possíveis no panorama contemporâneo e em consonância com os jovens que ingressam em cursos de nível superior.

É imperioso levar em conta que uma parte considerável destes estudantes, embora se diferenciem quanto às suas origens sociais e econômicas, traz como potencial uma familiaridade com a cultura digital capaz de imprimir nos meios de comunicação novos elementos e facetas que os tornam mais condizentes com o momento em que vivemos. Um exemplo é a desenvoltura com que estes jovens transitam entre as redes sociais e o quanto este tipo de site tem crescido devido à participação, principalmente, de jovens de várias partes do globo. Estes sujeitos constituem o que Tapscott (1999)

chamou de Geração Digital. Sobre o diferencial que estes indivíduos trazem e as maneiras como estas habilidades podem influenciar positivamente na constituição de uma TV na web tratarei no final deste capítulo. Vamos antes, discutir sobre o que vem a ser a televisão na web.