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2. A TELEVISÃO: DO ANALÓGICO AO DIGITAL

2.1 A INVENÇÃO DA TV

2.1.4 Elementos em torno da evolução da TV

2.1.4.6 Formação de Redes

Crise. Esta parece ter sido a palavra mais pronunciada nos bastidores das emissoras brasileiras de 1967 a 1973. Apesar da resistência inicial de algumas, ou da inabilidade administrativa de outras, a criação de redes de TV parecia a saída. Em vez de emissoras com programações independentes, reduzir custos com um conteúdo único. Mas isso ainda carecia de investimentos – e nem todas as empresas tinham cacife para isso. Montar uma rede,

Implicava a criação de centros de produção, que gerassem uma programação única para as emissoras que fossem sendo incorporadas. Além disso, as possibilidades técnicas para uma integração simultânea e efetiva só viriam com a inauguração do sistema de transmissão via satélite em 1969. A ideia fazia parte dos planos da TV Excelsior, que acabou falindo nesse mesmo ano. A Tupi teve muitas dificuldades em executá-la, pois não impunha às suas afiliadas a obrigação de transmitir a programação que gerava, além de sofrer internamente com a disputa entre a emissora paulista e a carioca pela geração da programação. (MIRA, [19-], 47

Foi quando os militares, os donos do poder neste período, perceberam que o controle do país passava pela via da comunicação.

O governo militar, interessado em implementar o seu projeto de modernização e integração nacional, investe nas telecomunicações, concedendo-lhes grande incentivo. Seus beneficiários diretos, os empresários do setor, vão encampar o projeto por razões mercadológicas: a integração do país significa para eles a constituição de um mercado consumidor de bens materiais e culturais de nível nacional. (MIRA, [19-], 45).

A malha de micro-ondas criada pelo governo militar possibilitou transmitir telefonia, telex, sinais de rádio e de TV. Esta ação fazia parte do Programa Nacional de Telecomunicações (PRONTEL), que, em 1972, regulamentou a formação de redes. Com um sistema de comunicação que ligasse o país – de dimensões geográficas gigantescas – de norte a sul, era possível maior fiscalização, controle, domínio.

Esta mesma rede de cabos e antenas, que proporcionava o envio de dados militares, pôde ser utilizada pelos veículos de comunicação para que suas programações cobrissem o país em maior escala. Em 1974, começam a funcionar as estações rastreadoras de satélite em Tanguá, Manaus e Cuiabá, o que possibilitou a distribuição do sinal de TV. Em apenas sete anos de existência, a Rede Globo já havia se tornado a maior rede de emissoras do país. Somavam mais de 36 afiliadas e centenas de retransmissoras.

Mais uma vez a Globo foi a que melhor e mais eficientemente se organizou. Contando com apenas três emissoras em 1966, quando criava sua “Teleproduções”, torna-se em 1973 a segunda rede do país, com 18, perdendo para a Tupi, que tinha então 21 afiliadas. A terceira rede, a REI – Rede de Emissoras Independentes, uma associação sem existência legal como rede – era formada por nove estações. Havia sido criada por iniciativa da TV Record, em 1968, quando era líder de audiência em São Paulo. Mas, com seu declínio, passou o comando para a TV Rio em 1973. (MIRA, [19-], 47).

Interessante é que a Globo havia iniciado a montagem de “sua rede antes da infra-estrutura de repetidores de microondas da Embratel, ainda em 1968.” (CRUZ, 2008, p. 30) Desde sua criação, contava com uma equipe em estado de alerta para o mercado. Com a possibilidade de ampliação do negócio, adquiriu a TV Belo Horizonte e providenciou a ligação por micro-ondas entre São Paulo, Rio de Janeiro e a nova emissora.

Para dar conta do que pretendia, comprou aparelhos usados, de empresas americanas. Com isso, conseguiu conectar a emissora de São Paulo e outra de Barueri. Porém, após um incêndio na emissora de São Paulo, precisou utilizar os serviços da Embratel. Esta decisão foi em julho de 1969 e custou à Globo cinco vezes mais do que gastava com a rede que havia implantado. (BUCCI, 1997, p. 16).

Assim, a grande responsável por fazer vingar o modelo de televisão em rede no Brasil – que ainda permanece, inclusive até mais aprimorado – foi a Rede Globo. Com isso, há uma programação básica, nacional, transmitida a partir da central (no caso, Rio ou São Paulo) e seguindo para o país inteiro. As

afiliadas, por sua vez, dispõem de horários específicos na grade da programação unificada para a inserção das produções regionais. Dentro de uma grande rede nacional, podem existir outras redes menores, cobrindo estados ou regiões. É o caso da Rede Bahia e da RBS (Rede Brasil Sul), por exemplo. Outras emissoras, como a Rede Record, ainda hoje operam desta forma, com base no modelo Globo, mas com algumas variações.

Em 1974, foi aberta a concorrência para três canais novos, que formariam três novas redes. A TV Bandeirantes, que, desde 1967, tinha um canal em São Paulo, ganhava mais um, agora no Rio de Janeiro. O Jornal do Brasil fazia o percurso contrário. No Rio de Janeiro desde 1973, chegava naquele momento à capital paulista. E o terceiro foi um canal no Acre para a TV Amazonas. Sílvio Santos, que pleiteava um dos canais e foi preterido em favor da Bandeirantes, continuou insistindo com o governo, mostrou resultados positivos das suas empresas e, finalmente, em 1975, conseguiu seu primeiro canal de TV.

A tentativa de criação de uma TV em rede já vinha sendo pensada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, mesmo antes de sua contratação pela Globo. Em 1966, quando ainda trabalhava para João Jorge Saad, da TV Bandeirantes, promoveu um encontro do patrão com Roberto Marinho.

A ideia do futuro criador do “padrão Globo de qualidade” era associar os dois empresários, criando a primeira rede de TV do Brasil. Marinho aceitou, mas Saad não. Daí Boni pediu demissão e tentou formar a rede que sonhava na TV Tupi, onde também não obteve sucesso. Foi naquele ano que a Globo chegou em São Paulo, com a compra da TV Paulista. (CRUZ, 2008, p. 29).

A entrada de Boni na Globo foi em 1967. Pretendia mesmo transformá-la em uma rede de televisão nacional. E foi na Globo que encontrou o parceiro Walter Clark, que nutria o mesmo desejo. “Com as mudanças feitas por profissionais como Boni e Clark, a Globo conseguiu elevar sua audiência de 28% em 1965 para 49% em 1968, no Rio de Janeiro (CRUZ, 2008, p. 29). Em entrevista, Boni diz:

O conceito de rede de televisão no Brasil foi difícil de montar por causa do desafio de recolher o dinheiro para financiar a produção, centralizando suas vendas e permitindo reservar, na fonte, o dinheiro necessário para investir no produto. (SILVA JÚNIOR, 2001, p. 49).

A criação do sistema de redes trouxe dois aspectos que merecem reflexão. Primeiro, a elaboração de um padrão de qualidade técnica – não importa em que estado se esteja, as emissoras buscam seguir protocolos determinados pela chamada cabeça de rede88. Estas regras incluem, entre outros elementos, o uso de enquadramentos, cenários, grade de programação. Além de padronizar cada canal, esta iniciativa sofre críticas por unificar a fala do brasileiro, em detrimento dos sotaques e da diversidade do país. A população brasileira passou a ter como principal referência cultural os costumes, valores e o jeito de falar encontrados no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Com este estudo, pude notar que a existência de um esforço planetário para concretizar o desejo do homem de transmitir imagens de um canto a outro culminou no surgimento de um dos mais potentes e influentes meios de comunicação do século XX. Um misto de atitude visionária, empreendedora e ingênua moveu o jornalista Assis Chateubriand a trazer a televisão para o Brasil tão logo ela começava a ganhar espaço nos Estados Unidos. Entre investimentos que deram certo, negociatas frustradas e apoio (e interesse) militar, a televisão se estendeu pelo território brasileiro.

Ao fazer isso, a tevê se imbricou na cultura popular e influenciou os hábitos da população. Seus aparatos técnicos – como cor, controle remoto e videoteipe – alteraram desde o desenho dos lares até as tendências da moda e de indústrias como a da música (esta última, impulsionada pela propagação das constantes trilhas sonoras). No entanto, talvez a maior transformação técnica pela qual a televisão passou neste início de século XXI tenha sido a digitalização.

88

Emissora central, normalmente situada no Rio de Janeiro ou São Paulo, a quem as emissoras regionais devem obedecer.