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O Advento das Transmissões em Cores

2. A TELEVISÃO: DO ANALÓGICO AO DIGITAL

2.1 A INVENÇÃO DA TV

2.1.4 Elementos em torno da evolução da TV

2.1.4.1 O Advento das Transmissões em Cores

“– O que é isso, senhor Sarnoff? Que bruxaria é essa? Não pense que só porque venho de um país atrasado o senhor vai me vender equipamento obsoleto, senhor Sarnoff!” (MORAIS, 1996, p. 497)

De acordo com Morais, foi com este espanto que, em meados de 1949, Assis Chateaubriand reagiu ao assistir a uma exibição experimental em cores para um grupo seleto promovida por David Sarnoff, na ocasião em que visitara

os Estados Unidos para fechar a compra dos aparelhos que usaria na montagem da TV Tupi. Ainda segundo o autor, Chateaubriand, aos berros, rasgou os contratos que seriam assinados, insistindo em trazer para o Brasil um sistema mais moderno que possibilitasse as transmissões em cores. O empresário brasileiro custou a entender que a “bruxaria” a qual acabava de ter sido apresentado era resultados de experimentos ainda em andamento e que, mesmo nos EUA, as transmissões televisivas em cores com regularidade só se iniciariam 16 anos mais tarde, em 1966.

No Brasil, claro, a TV colorida custaria mais um pouco para chegar. Principalmente porque os EUA e a maioria dos países das Américas haviam adotado o sistema NTSC como padrão para transmissão em cores e o Brasil optou pelo formato PAL-M65, incompatível com o NTSC e que necessitava de televisores com tecnologia específica para receber o sinal de TV em cores. Desta forma, o sistema PAL-M gerou desinteresse do mercado brasileiro na importação de aparelhos receptores. Foi por isso que grande parte dos 25 milhões de telespectadores que aguardava ansiosamente para assistir à Copa de 1970, infelizmente, não pode ver, naquela ocasião, as cores do uniforme da seleção brasileira usado por Pelé e Garrincha.

A transmissão da Copa do Mundo de 1970 foi gerada do México no sistema NTSC (National Television System Committee). No Brasil o sinal chegou na Embratel nesse sistema e ela monitorava em cores, montando até um auditório para uma seleta plateia. A TV Cultura de São Paulo possuía um videoteipe no sistema NTSC e pôde gravar as imagens em cores. Como não havia aparelhos, tanto para transmissão quanto para recepção, o público assistiu em preto e branco.66

De 1971 a 1973, a Rede Globo se preparou para a transmissão em cores. Passou por adaptação de equipamentos e treinamento dos profissionais. “Foi mesmo uma imposição militar que resultou no envolvimento da Globo neste processo.” (CRUZ, 2008, p. 36). Isso porque as emissoras enfrentavam

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PAL é a abreviatura do inglês Phase Alternating Line (Linha de Fase Alternante). É o formato mais comum na Europa. O PAL-M é uma variação, criada para fazer face à corrente usada no Brasil, de 60 Hz.

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Disponível em: http://www.tudosobretv.com.br/histortv/historbr.htm#. Acessado em 10/03/2010.

custos altos na transição para a transmissão em cores, e consideravam que não era interessante tamanho investimento mesmo quando, finalmente, os lucros começavam a surgir.

Em 19 de fevereiro de 1972, com imagens geradas pela TV Difusora, ocorreu a primeira transmissão em cores via Embratel. Foi a cobertura da festa da Uva, de Caxias, no Rio Grande do Sul. Na empreitada, houve a colaboração do caminhão de externas e de técnicos da TV Rio, com apoio da TV Gaúcha, TV Piratini e TV Caxias. Como estava à frente da organização, a “Rede Globo é a grande atração do evento”.67

A cobertura da Festa da Uva foi uma exigência do ministro das Comunicações, Hygino Corsetti, gaúcho de Caxias do Sul. Antes, já haviam sido feitas transmissões experimentais em cores. Durante a Copa do Mundo de 1970, eram transmitidos boletins em cores do México para o Brasil. Ainda na década anterior, a Tupi havia realizado alguns testes, transmitindo o seriado Bonanza em cores, no padrão NTSC, adotado pelos Estados Unidos e Japão. A própria Globo importou três câmeras coloridas em 1970, para transmitir o Festival Internacional da Canção (FIC), via satélite, para o Exterior. (CRUZ, 2008, p. 36).

Mas foi a Bandeirantes que, em 1972, se tornou a primeira TV no país a levar ao ar uma programação em cores. O Teatro Bandeirantes foi inaugurado, já com transmissão totalmente em cores, por Chico Buarque, Elis Regina, Tim Maia e Rita Lee. O receio de perder audiência fez com que a Globo, logo depois, passasse a transmitir oito, das dezesseis horas de programação diária, em cores.

O Jornal Nacional iniciou a realização de reportagens em filme colorido em 1973. A equipe teve que descobrir no dia a dia como lidar com as novas condições técnicas.

No início, foi árduo aprender a trabalhar com cor, pois muitos eram os problemas técnicos a enfrentar. Um deles foi o uso do chromakey. No Jornal Nacional, várias vezes o azul do chroma passou para os cabelos grisalhos do apresentador Cid Moreira. Para tentar solucionar

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dificuldades desse tipo, a empresa Colortran fez uma série de seminários para os técnicos e iluminadores da TV Globo. Foi sugerido que se mudasse o tom de azul do chroma e que os apresentadores não usassem camisas brancas e ternos de cores que pudessem se misturar com o azul. Como Cid Moreira estava normalmente queimado de sol – pois jogava tênis com frequência –, teve que passar a usar roupas em tom pastel, para compensar a luz e permitir uma iluminação equilibrada.68

Régis Cardoso, diretor de O Bem Amado, primeira novela colorida brasileira, compartilha das dificuldades iniciais: “[...] eu não tinha a mínima noção do que era fazer TV em cores. [...] Desconhecia, por exemplo, que havia necessidade de dar uma luz especial ao escuro. [...] Ah, nós fomos cobaias desse processo” (SILVA JÚNIOR, 2001, p. 303-304). Em meio ao saudosismo, Cardoso orgulha-se de ter acompanhado tão de perto a evolução da TV e os avanços técnicos que foram implementados ao longo do tempo.

Foi preciso quase uma década para a nova tecnologia da tevê em cores se tornar acessível à população. Até o final dos anos 1970, antes, portanto, de o uso de cores nas transmissões televisivas começar a se popularizar, era comum se ter em casa uma telinha plástica transparente, vendida em tons variados, que era usada para cobrir a tela da TV em branco e preto. Em uma tentativa de aproximar o que assistia das tonalidades da vida real, telespectadores acabavam por acompanhar programas completos em variações de azul, ou amarelo, ou vermelho.

O fato de finalmente poder ver paisagens e pessoas bem próximas do real provocou fascínio nas pessoas. Parece ter servido para intensificar a preponderância da televisão sobre o público. Talvez tenha sido a indústria da moda que mais tirou proveito da novidade. Afinal, qual seria a graça ver em preto e branco as roupas de cetim e meias soquetes de lurex usadas por Júlia, personagem da atriz Sônia Braga, na novela Dacin’Days?

E não foram só as meias que viraram febre entre as mulheres daquela geração. Ainda hoje a TV dita moda, seja por meio de telenovelas ou de

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Fonte: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-239077,00.html Acessado em 13/04/2010.

apresentadores de telejornais e programas. Corte e cor de cabelos, estilos de roupas, óculos... Enfim! A cor se torna, assim, um elemento evolutivo no desenvolvimento da televisão, por, de fato, interferir nas relações das pessoas.