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CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÃO MORAL DA FAUNA: EVOLUÇÃO

2.1. A crise ambiental

A crise ecológica237 que enfrentamos hoje tem sua origem na intervenção do ser

humano na Natureza. Vários são os fatores que a desencadearam. Édis Milaré acredita que a razão da crise é “a verdadeira guerra que se trava em torno da apropriação dos recursos naturais limitados para a satisfação de necessidades e caprichos ilimitados”238. De um lado se tem bens

finitos e de outro, necessidades infinitas. Fritjof Capra argumenta que:

A meta central da teoria e da prática econômicas atuais - a busca de um crescimento econômico contínuo e indiferenciado - é claramente insustentável, pois a expansão ilimitada num planeta finito só pode levar à catástrofe239.

Eis a nossa crise: destruição sistemática das espécies animais causada pela relação da sociedade com a natureza240. Junques afirma o paradigma ecológico surgiu para fazer frente

a ela, “não bastam soluções cosméticas; impõe-se uma mutação da percepção da realidade, especialmente na relação com a natureza e na construção do entorno de si”241. Para isso, será

237 Segundo o Relatório Planeta Vivo 2010, produzido pela WWF, a humanidade consome 30% além da capacidade

de suporte e reposição dos recursos naturais da Terra.

238 MILARÉ. Édis. Direito do Ambiente. 9 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 230.

239 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2002,

p. 157.

240 OST, François. A natureza à margem da lei, p. 8. 241 JUNGUES, José Roque. (Bio)Ética ambiental, p. 74.

83 necessário uma nova compreensão do próprio ser humano e um modo diferente de construir o discurso ético.

François Ost242 acredita que a crise da nossa relação com a natureza é simultaneamente

uma crise de vínculo, porque não conseguimos compreender o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; e de limite, porque não conseguimos discernir o que deles nos distingue. Para ele243a modernidade ocidental transformou a natureza em “ambiente”, simples cenário no

centro do qual reina o homem, que se auto proclamou dono e senhor.

A preocupação com o meio ambiente e com os animais surgiu como reação a uma mentalidade predatória da natureza. A partir do momento em que o homem se depara com desastres naturais ameaçadores de sua sobrevivência na terra, e com a degradação dos recursos naturais é que surgem questionamentos acerca da relação envolvendo o ser humano e a natureza, o que fez emergir os valores ecológicos. “A ideologia do progresso parte do mito da superabundância da natureza; da crença do caráter ilimitado dos recursos naturais” e o fato do ser humano concebe-se como dono absoluto da natureza só agrava a situação244.

A igreja Católica também passou a se preocupar com o meio ambiente. O Papa Bento XVI, na celebração do Dia Mundial da Paz, escreveu uma mensagem com o seguinte tema: “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação”. Na mensagem o Papa afirmou que:

O respeito pela criação reveste-se de grande importância, designadamente porque a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus e a sua salvaguarda torna-se hoje essencial para a convivência pacífica da humanidade. [...] Por isso, é indispensável que a humanidade renove e reforce aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho. [...] Há vinte anos, ao dedicar a Mensagem do Dia Mundial da Paz ao tema Paz com Deus criador, paz com toda a criação, o Papa João Paulo II chamava a atenção para a relação que nós, enquanto criaturas de Deus, temos com o universo que nos circunda. Observa-se nos nossos dias – escrevia ele – uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada (…) também pela falta do respeito devido à natureza. E acrescentava que esta consciência ecológica não deve ser reprimida mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em

242 OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do Direito. Tradução de Joana Chaves.

Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 9.

243 OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do Direito, p. 10. 244 JUNGUES, José Roque. (Bio)Ética ambiental, p. 18.

84 programas e iniciativas concretas. [...] Pode-se porventura ficar indiferente perante as problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climáticas, a desertificação, o deterioramento e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, o desflorestamento das áreas equatoriais e tropicais?245

Verifica-se por meio desta passagem que há décadas a igreja busca conscientizar a população da necessidade de um desenvolvimento sustentável. Também se ressaltam as constantes agressões sofridas pela Natureza, gerando o desequilíbrio ambiental que temos hoje, e diante de tais calamidades procura-se renovar a aliança entre o ser humano e o ambiente, através de uma convivência pacifica, como ressalta o ex-Ministro da Marinha Mario Cesar Flores:

Criamos nos dois últimos séculos, principalmente nos últimos cem anos, costumes e necessidades (por vezes menos necessário ao homem e mais ao modelo econômico) que, hierarquizados acima da saúde do sistema da Terra, põem em risco o equilíbrio entre o potencial sustentável desse sistema e a pressão sobre ele exercida autistamente pela humanidade, hipnotizada no sonho de consumo. Emerge aí o papel da política, que precisará administrar a compatibilização entre população imensa, seus costumes e necessidades (reais ou criadas pelo modelo) e a limitação do sistema Terra – uma equação que provavelmente vai exigir a imposição de constrições convenientes ao equilíbrio.246

O aumento do poder aquisitivo da população, principalmente nos países emergentes, permite a ampliação da aquisição de bens de consumo, no entanto esse consumismo desenfreado tem um custo ambiental enorme. O que se quer provar é que o Planeta já atingiu o seu limite e a humanidade irá sofrer as consequências por não conseguir conviver de forma harmônica com a Natureza. “O homem é parte integrante e insuprimível da natureza e a continuidade da vida humana depende cada vez mais da preservação da qualidade do solo, ar e águas”247. A nova cultura ambientalista, baseada em um humanismo ecológico, “representa

245Papa Bento XVI, 8 Dez. 2009. Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/peace/documents/hf_ben-xvi_mes_20091208_xliii- world-day-peace_po.html>. Data de acesso: 12 de jan. 2015.

246 FLORES, Mario Cesar. Estado-nação versus mundo-humanidade. O Estado de São Paulo, 15.01.2011. p. A2. 247 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição Aberta e os Direitos Fundamentais: Ensaios sobre o

85 a insurgência da crítica radical ao produtivismo e ao consumismo desenfreado gerado nas engrenagens da revolução industrial”248.

Carlo Roberto Siqueira Castro249 ensina que devemos buscar o desenvolvimento

sustentável, como uma postura realista e responsável. Pois se levarmos em conta que em três séculos de industrialização, que representam cem vezes menos tempo que a era da civilização agrícola, chegamos ao atual estágio de flagelo do meio ambiente, o que dizer dos anos que se seguirão, caso mantido um ritmo crescente de degradação da natureza.

A carta do Cacique americano, Seathl, grande chefe da nação Duwamish, escrita há mais de 150 anos para o presidente dos Estados Unidos Franklin Pierce, em resposta às propostas do governo americano para compra das terras de sua tribo, ilustra de forma clara a diferença cultural existente entre a sociedade ocidental capitalista e os povos nativos da época:

“Como podes comprar ou vender o céu – o calor da Terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar e do brilho da água. Como podes então compra-los de nós? Decidimos apenas sobre coisas de nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo. Sabemos que o homem branco não compreende nosso modo de viver. Para ele, um pedaço de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã; é sua inimiga, e depois de se esgotar, ele vai embora. Deixa para trás a cova do seu pai, sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás só desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho. Talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende... se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro passar pode ser mais valioso do que um bisão que nós, os índios, matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, os homens morreria de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também

248 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição Aberta e os Direitos Fundamentais: Ensaios sobre o

constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 718.

249 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição Aberta e os Direitos Fundamentais: Ensaios sobre o

86 afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto fere a terra fere também os filhos da terra250...251

Esse texto escrito há quase dois séculos, não se tornou desatualizado, ao contrário, é de tamanha atualidade que traz reflexões éticas estudadas até hoje. Esse momento de nostalgia com a Natureza não passou, ao contrário, a importância de se respeitar a terra, o ar, as árvores e os animais continua, por que eles não são apenas nossas propriedades, ao contrário, vivem neste planeta, assim como nós. Logo, todos compartilharam do mesmo destino. O que o ser humano precisa fazer é abdicar de seu domínio sobre os animais, já que os animais humanos não são donos do Planeta, mas vivem nele juntamente com os outros animais e plantas.

O direito do ambiente veio mostrar que o novo agir humano significa que devemos levar em consideração mais do que somente o interesse do homem. A vulnerabilidade em que se encontra a natureza tornou necessária a ampliação da responsabilidade humana para não somente com os humanos, mas também com todos os seres vivos da Terra252.

Uma solução seria a reformulação do comportamento da sociedade humana, “através de uma mudança cultural que refreie a civilização do consumo e do desperdício e injete na sociedade uma preocupação maior com a equidade intergeracional”253.

Para Ost, a única maneira de fazer justiça aos seres humanos e a natureza é afirmar sua semelhança e sua diferença. O homem é um ser vivo exclusivo “é gerador de sentidos, sujeito de uma história, autor e destinatário de regras”. E a natureza, no decorrer de sua evolução, produzia a espécie humana, e até hoje assegura diariamente as condições de sua sobrevivência. Não se pode negar o vínculo existente entre ambos.254

A preocupação com o meio ambiente e com os animais surgiu como reação a uma mentalidade predatória da natureza. A partir do momento em que o homem se depara com desastres naturais ameaçadores de sua sobrevivência na terra, e com a degradação dos recursos

250 Este texto está publicado no volume Nosso Futuro Comum, da Comissão das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, organizado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento, Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1998.

251 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A constituição Aberta e os Direitos Fundamentais: Ensaios sobre o

constitucionalismo pós-moderno e comunitário, p. 719.

252 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio para uma ética para a civilização tecnológica.

Tradução Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de janeiro: Contraponto: ED PUC-RIO, 2006, p. 41.

253 MILARÉ. Édis. Direito do Ambiente, p. 230. 254 OST, Fronçois. A natureza à margem da lei, p. 16.

87 naturais é que surgem questionamentos acerca da relação envolvendo o ser humano e a natureza, o que fez emergir os valores ecológicos. “A ideologia do progresso parte do mito da superabundância da natureza; da crença do caráter ilimitado dos recursos naturais” 255 e quando

o ser humano concebe-se como dono absoluto da natureza essa crise apenas se agrava256.

Várias correntes éticas surgiram no decorrer do desenvolvimento da sociedade dando base ao relacionamento que os seres humanos têm com os demais seres vivos do planeta, de um modo que, hoje, estamos diante de um esverdear do direito, notadamente marcado pelo respeito em relação à natureza. Logo se faz necessário observar quais as correntes éticas que tratam da relação homem-natureza até chegar ao direito ambiental que temos hoje.