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CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÃO MORAL DA FAUNA: EVOLUÇÃO

CAPÍTULO 3: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS ANIMAIS

4.1. A teoria do direito animal

Será a vida do animal tão insignificante e subordinada à vontade humana para que se justifique a classificação dos mesmos como meras coisas? Seria a natureza jurídica do animal algo intermediário entre as pessoas e as coisas? Mas quem é sujeito de direito? No entender de Fábio Ulhoa Coelho:

(...) sujeito de direito é o centro de imputações de direitos e obrigações referido em normas jurídicas com a finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente, homens e mulheres. Nem todo sujeito de direito é pessoa e nem todas as pessoas, para o direito, são seres humanos441.

440 Nair v. Union of India, Corte Superior de Kerala, junho de 2000, apud NUSSBAUM, Martha C. para além da

compaixão e humanidade: justiça para animais não humanos, p. 86

154 Ou seja, a ordem jurídica admite duas espécies de pessoas: as naturais, também chamadas de pessoas físicas, que são os seres humanos, e as pessoas jurídicas, que são pessoas de existência visível e de existência ideal. Muito embora toda pessoa natural seja considerada sujeito de direito, nem todo sujeito de direito é pessoa física, haja vista que a lei reconhece direitos a determinados agregados patrimoniais, como a massa falida, o espólio, condomínio edilício, conta de participação e sociedade comum442.

De acordo com as informações de Umberto Vincenti443, no direito romano os

conceitos de “homem” e de “pessoa” não coincidiam totalmente. Enquanto o primeiro designava uma realidade naturalística, o segundo se colocava em uma dimensão mais artificial ou “institucional”. Desta maneira, “pessoa” não designava o homem como tal, mas o homem considerado pelo Direito, o homem pelo ângulo dos poderes jurídicos que podia exercitar. Quem possuía a condição de homem livre e pater familias estava em uma situação privilegiada, acima dos demais seres humanos, exercendo poderes exclusivos garantidos normativamente. Essa repartição normativa tornava um homem plenamente pessoa.

Vem daí a origem da palavra latina “persona” que designava a máscara teatral envergada pelos atores444. O Direito, ao atribuir ao pater essa condição de pessoa plena, não

sujeita a outrem (diferentemente das mulheres, dos filhos não emancipados e dos escravos), distribuía papéis sociais distintos. A artificialidade do conceito deriva do fato de que a pessoa em sua plenitude não é aquela que é um Ser específico, ou que vale um valor igual, mas aquela que tem ou possui capacidade de ter. Essa capacidade de ser proprietário, de poder dispor do seu patrimônio é o que conferia ao pater a personalidade plena. Por isso se pode dizer, com Yan

442 “São sujeitos, entre outros, as pessoas naturais (homens e mulheres nascidos com vida), os nascituros (homens

e mulheres em gestação no útero), as pessoas jurídicas (sociedades empresárias, cooperativas, fundações, etc.), o condomínio edilício, a massa falida e outros. Todos eles são aptos a titularizar direitos e obrigações em variadas medidas e se cumpridas diferentes formalidades.” COELHO, FábioUlhoa. Curso de direito civil, p. 138 – 139.

443 VINCENTI, Umberto. ‘Persona’ e diritto: trasformazioni della categoria giuridica fondamentale. In:

BONIOLO, G.; DE ANNA, G.; VINCENTI, U. Individuo e persona. Tre saggi su chi siamo. Milano: Bompiani, 2007, p.139-209.

444 A palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antiguidade romana.

Primitivamente, significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara provida de disposição especial, destinada a dar eco às suas palavras. Personare queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz da pessoa. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil (Parte Geral). São Paulo: Saraiva, 1994, p. 55.

155 Thomas, que no Direito romano a unidade da pessoa designava originalmente “a unidade de um patrimônio”445.

Para Washington de Barros Monteiro, pessoa tem três sentidos diferentes: o vulgar, como sinônimo de ente humano; o filosófico, em que a pessoa “realiza seu fim moral e emprega sua atividade de forma consciente” e o jurídico, em que “pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica.”446

Para o Direito Civil brasileiro os animais, porém, não possuem personalidade jurídica. Para a grande maioria dos civilistas, eles não entram na categoria de pessoas, mas na de coisas. São definidos como bens móveis, conforme o art. 82 do Código Civil: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia (...)”. Por isso, os animais podem ser vendidos, locados, trocados ou mortos.

Com efeito, o animal, na esfera dos entes naturais, jamais poderia ser sujeito de direito, porque não é indivíduo, não é livre ou não possui existência autônoma; é elemento da espécie, compõe-na, e o dano que se lhe causa é dano à espécie. Se tem proteção, é em razão da consciência do homem, em razão do homem, por ser este racional. Proteção, contudo, não se confunde com direito447.

O Código Civil acompanhou a doutrina romana dispondo que: “Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.” No entanto, observa-se que o segmento da doutrina romana que afirma que os animais silvestres seriam propriedade do primeiro que se assenhorasse deles causou um problema jurídico para fundamentar a proibição da caça em terras de domínio privado448.

Essa visão tinha inspiração romana que classificava os animais de acordo com os seus interesses econômicos, sendo classificados como res mancipi e res nec mancipi, ou seja, coisas que exigiam ou não o emprego da mancipatio, espécie de processo mais solene.

445 THOMAS, Yan. Le sujet de droit, la personne et la nature: sur la critiquecontemporaine du sujet de droit. Le

Débat, v. 100, 1998, p.85-107, p. 100.

446 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil (Parte Geral). São Paulo: Saraiva, 1994, p. 58. 447 SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça no mundo contemporâneo. Fundamentação e aplicação do

Direito como maximum ético. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 70-71.

156 Salientando-se que o animal poderia ainda ser considerado uma res nullius como é o caso dos animais silvestres, que seriam aqueles animais sem um “proprietário”449.

Para solucionar a questão, a doutrina nacional estabeleceu que a conservação da fauna é de utilidade pública e que a Administração Pública exerce sobre a mesma uma jurisdição inerente. A União reservou para si o domínio eminente da fauna silvestre. Logo, esta não é mais coisa sem dono, e nem propriedade do Estado. A fauna é vista hoje como bem público, mas não como uma propriedade privada, mas sim no sentido de que é protegida pelo Estado no interesse coletivo450.

O que se percebe é que o direito civil têm leis com conteúdo filosófico antropocêntrico, no entanto a filosofia moderna apresenta uma forte vertente biocêntrica. Também ficou claro que o modelo dicotômico entre sujeito e objeto já começou a ruir, e não consegue conter o movimento que postula direitos em favor dos animais.

Sirvinkas acredita que a fauna é um bem difuso, apesar de não afirmar que a fauna é sujeito de direitos, o autor se afastou do visão antropocêntrica ao esclarecer que os animais pertencem ao meio ambiente equilibrado:

A fauna é um bem ambiental e integra o meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no artigo 225 da CF. Trata-se de um bem difuso. Esse bem não é público nem é privado. É de uso comum do povo. A fauna pertence á coletividade. É bem que deve ser protegido para as presentes e futuras gerações451.

Muitos civilistas acreditam que a proteção dos animais existe no ordenamento jurídico apenas como forma de impedir que o ser humano se torne cruel, e não porque os animais merecem respeito e consideração moral, como afirma Caio Mário:

Se a todo homem, e aos entes morais por ele criados, a ordem jurídica concede personalidade, não a confere, porém, a outros seres vivos. É certo que a lei protege as coisas inanimadas, porém em atenção ao homem que delas desfruta. Certo, também, que os animais são defendidos de maus tratos, que a lei proíbe, como interdiz também a caça na época da cria. Mas não são, por isso,

449MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22 ed. rev. amp. atual. São Paulo: Malheiros,

2014, p. 940.

450 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p. 942. 451 SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental, p.464.

157 portadores de personalidade, nem têm um direito a tal ou qual tratamento, o qual lhes é dispensado em razão de sua utilidade para o homem, e ainda com o propósito de amenizar os costumes e impedir brutalidades inúteis452.

Esse pensamento antropocentrista tem raiz no pós-Revolução Francesa, que listava a natureza e seus componentes na categoria de coisa ou bem453. Como afirma o Ministro

Benjamin a natureza era vista como “Coisa a serviço direto da pessoa – individualmente considerada -, sem outro atributo que não fosse o de se prestar a satisfazer os desejos humanos, mesmo os mais mesquinhos e egoístas”454.

Se a todo homem, e aos entes morais por ele criados, a ordem jurídica concede personalidade, não a confere, porém, a outros seres vivos. É certo que a lei protege as coisas inanimadas, porém em atenção ao homem que delas desfruta. Certo, também, que os animais são defendidos de maus-tratos, que a lei proíbe, como interdiz a caça na época da cria. Mas não são, por isso, portadores de personalidade, nem tem um direito a tal ou qual tratamento, o qual lhes é dispensado em razão de sua utilidade para o homem.455

Mas nunca ninguém imaginou que o direito de propriedade seria limitado a favor da própria coisa. O animal protegido contra maus tratamentos praticados por seu dono, por exemplo, faz com que seja juridicamente difícil continuar a defini-lo como coisa e apresentado ao direito como propriedade. Há uma aparente incompatibilidade entre o direito de propriedade e a limitação no interesse da própria coisa.

Reconhecer que os animais possuem direitos obrigaria os civilistas a repensar os conceitos da sua disciplina. É uma aventura da qual nem todos gostariam de participar, pois essa nova percepção trará novos paradigmas a serem levados em conta.

É verdade que não se pode convencer aquele que já está convencido, mas a mente do jurista, aberta e acostumada à torrente de opiniões, críticas e pensamentos antagônicos, pode

452 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.

181.

453 Para mais informações consultar: BENJAMIN, Antonio Herman. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. Disponível em:

<http://mdf.secrel.com.br/dmdocuments/antonio.pdf>. Data de acesso: 06 out. 2014.

454 BENJAMIN, Antonio Herman. A natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso, p. 81.

455 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. I. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.

158 renovar sua crença, conforme exige a realidade social e cultural, bem como os interesses que a sociedade quer proteger e pretende salvaguardar.

O conceito de direitos foi inventado pelos seres humanos e não é empregado por nenhum outro ser vivo. Por que se fala, então, em direito dos animais? A resposta é simples: os direitos dos animais existem para definir limites aos seres humanos. Podemos chamar direitos dos animais aos direitos que estabelecem os limites das relações dos seres humanos com os animais. O direito dos animais desponta como um novo e fundamental direito, protegendo estes seres vivos, seus direitos fundamentais como a vida, liberdade e o respeito, coibindo atos de violência, crueldade e maus tratos. Os animais não precisam ter personalidade jurídica para serem considerados sujeitos de direitos.

O movimento dos direitos dos animais propõe uma modificação do atual significado jurídico e mudança do pensamento de que o direito é uma instituição social destinada exclusivamente para o homem. Sim o direito foi feito pelo homem e para o homem. Mas, e os animais? Também não têm interesse em ter tutelado o seu direito a vida e a liberdade? Por qual motivo somente os seres humanos seriam titulares de direitos? Por que uma leoa, um cachorro, um golfinho ou chimpanzé não seriam sujeitos de direito? Enfim: qual a fundamentação que explica admitir que o ser humano é sujeito de direito e negar o mesmo para cada animal não- humano?

De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, não se pode aprisionar a personalidade jurídica no conceito de sujeito de direito, por ser mais do que isso. Mesmo que não seja disposto personalidade jurídicas à alguns entes, como: ao condomínio edilício e à massa falida, estes entes despersonalizados poderão ser sujeitos de direito, titularizando no polo ativo ou passivo de uma demanda. Manifestam no sentido de que, “titularizar a personalidade jurídica significa, em concreto, ter uma tutela jurídica especial, consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescritíveis ao exercício de uma vida digna.” Apesar de se manifestarem no sentido de que os entes despersonalizados podem ser sujeitos de

159 direito, em nenhum momento citam os animais. O que fica claro é que a ideia de personalidade jurídica é própria do ser humano, advinda do princípio da dignidade da pessoa humana456.

De acordo com Pablo Stolze, a personalidade jurídica “é a aptidão para se titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito.”457

Rigorosamente, somente as pessoas seriam sujeitos de direito, pois somente as pessoas possuem personalidade, sendo o nascimento de um ser humano elemento do fato jurídico. Todavia, existem direitos que surgem a partir de outros fatos jurídicos, sendo também sujeitos de direito.

Em princípio, toda pessoa possui direitos, independentemente de ser capaz de entender o que significa ter direitos. Isso não quer dizer que os indígenas, as crianças e os deficientes mentais possuam, integralmente, todos os direitos que a maioria dos cidadãos possui, dado que não podem votar, possuem liberdade de movimento limitada, e a maioria dos direitos civis e políticos não fazem sentido para eles458.

Nos dizeres de Pontes de Miranda: “a personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito.”. Assim, tanto o ente humano quanto as outras entidades têm personalidade jurídica. Essas outras entidades são chamadas de pessoas jurídicas, morais, fictícias ou fingidas. Clóvis Beviláqua explica que:

A personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem essa última não se poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se confundem. Certamente o indivíduo vê na sua personalidade jurídica a projeção de sua personalidade psíquica, ou, antes, um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se ou adquirindo novas qualidades. Todavia, na personalidade jurídica intervém um elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende essencialmente, do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a

456 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria geral. 8. ed. Rio de Janeiro:

Lumem Júris, 2010, p. 132.

457GAGLIANO, Pablo Stolze. Personalidade jurídica. Nascituro. Pessoa física ou natural. Disponível em:

<http://www.novodireitocivil.com.br/>. Acesso em: 22 mar. 2011.

160 força ativa. Assim, a personalidade jurídica é mais do que um processo superior da atividade psíquica; é uma criação social, exigida pela necessidade de por em movimento o aparelho jurídico, e que, portanto, é modelada pela ordem jurídica459.

Para Pereira, “a personalidade é um atributo do ser humano e o acompanha por toda a sua vida. Como a existência da pessoa natural termina com a morte, somente com esta cessa a sua personalidade.”460 Dizer ser sujeito de direito quer dizer ter a titularidade, mas não quer

dizer que ele mesmo tenha de exercer o direito, a ação ou a pretensão, pois o sistema jurídico permite que outro o exerça. E a personalidade não é em si direito, mas qualidade de ser sujeito de direito em uma relação jurídica461. Assim concordo com os autores que afiram que apesar

dos animais não serem pessoas, podem ser sujeitos de direito, com base na nova ordem constitucional. Pode-se entender então que:

Ser pessoa é a possibilidade de ser sujeito de direito. [...]

Ter personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto a possibilidade de ser sujeito de direito462.

De qualquer modo, o conceito de sujeito de direito tem natureza artificial já que, no primeiro caso, ninguém é originariamente, pessoa por natureza ou por nascimento. Se assim fosse, a escravidão não teria existido463.

Ser pessoa é uma obra de personificação que exclusivamente a ordem jurídica pode perpetrar. Tanto as pessoas naturais ou jurídicas são construções do Direito. O estranho disso é

459 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RED, 1999, p. 81.

460 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. I. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.

221.

461 MIRANDA, Pontes de. Tratados de Direito Privado, p. 215/216.

462 GORDILHO, Heron José de Santana; SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em juízo: Direito,

personalidade jurídica e capacidade processual. Revista de Direito Ambiental. RDA 65, 2012. p. 333-363, p. 345.

463 Pessoa, no mundo jurídico, seria uma criação do direito, uma vez que constitui eficácia imputada a fatos

jurídicos específicos. Não é um atributo natural do ser humano, menos ainda desses outros entes, mas imposição jurídica. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: Plano de eficácia. 1. parte. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 140.

161 que não se admite a discussão a propósito dessa natureza artificial de quaisquer delas. Esse fato basta para se considerar coerente o conceito filosófico-jurídico de pessoa, o qual confirma que ser pessoa ou sujeito de direito é o mesmo como ser fim-de-si-mesmo. Portanto, ser sujeito de direito ou pessoa é ser um ‘ser’ ou ‘ente’ considerado fim dele próprio pelo ordenamento jurídico464.

Paulo Lôbo explica que:

A evolução do direito e as exigências do mundo da vida levaram à necessidade de conferir, a certos entes, partes ou parcelas de capacidades para aquisição, exercício e defesa de direitos, dispensando-lhes a personalidade. São entes não personificados. Para a realização dos fins a que estão destinados, ou para sua tutela jurídica, não precisam ser personalizados nem equiparados a pessoas. Para que possam defender seus interesses em juízo basta que se lhes atribua excepcional capacidade processual. [...]

Quando se deparou com esses fenômenos, a doutrina tendeu a expandir o conceito de pessoa, de modo que pudesse acolhê-los em seu seio. A consequência foi ou a rejeição, como se tais entes não existissem juridicamente, ou a descaracterização da noção de pessoa, que, de tão expandida, desprendia-se de suas funções prestantes, ou a concepção insustentável de direitos sem sujeitos. A jurisprudência dos tribunais restringe-se a admitir esses entes como partes processuais, com capacidade processual, deixando de lado a capacidade material de que são dotados.465

Assim, para que haja uma alteração de status legal dos animais, passando de objetos de direito para sujeitos de direito, seria necessário que eles fossem considerados um fim em si mesmo.

Tanto é que, em Roma, a título exemplificativo, o indivíduo, para ser considerado pessoa, ou melhor, para que lhe fosse ofertado o atributo da personalidade jurídica, tinha que ser livre e ser cidadão romano. “A ascensão legal de entes da categoria dos bens para a de sujeito de direitos opera-se tão episodicamente que os juristas por vezes se esquecem de que esse deslocamento é concretamente possível.”466

464 RODRIGUES, Danielle Tetu. OS ANIMAIS NÃO-HUMANOS COMO SUJEITOS DE DIREITO

SOB ENFOQUE INTERDISCIPLINAR. 119 f. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento)

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007, p. 64.

465 LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 99.

466 EBERLE, Simone. Deixando a sombra dos homens: Uma nova luz sobre o estatuto jurídico dos animais.

2006. 430 f.Tese (livre docência). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006, p. 287.

162 A busca da personificação do animal e a defesa de seus “direitos” são alegadas por vários filósofos e juristas467 como sendo a única forma de garantir uma tutela efetiva destes

seres. Reconhecer os próprios animais por lei como titulares de direitos significaria que eles poderiam demandar em nome próprio e em seu próprio direito. Esses animais teriam o que se chama de legitimidade processual. Guardiões deveriam ser nomeados para falar por esses titulares de direitos que não têm voz468. Em relação ao nascituro, “embora não seja pessoa,

ninguém discute que tenha direito à vida, e não mera expectativa.”469 Portanto embora não seja

pessoa e não tenha personalidade jurídica, o nascituro é sujeito de direito. “É um ente