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CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÃO MORAL DA FAUNA: EVOLUÇÃO

1.6. Direito moral para os animais

A tentativa de atribuir consideração moral a outros seres vivos acontece há décadas. No ano de 1972, por exemplo, a Suprema Corte dos EUA julgou o famoso caso Sierra Club vs Morton, em que a Associação Sierra Club, que era muito ativa na região na defesa da natureza,

68 aciona o US Forest Service pedindo a anulação da licença administrativa que autorizava a construção de uma estação para esportes de inverno no Mineral King Valley, vale localizado na Califórnia bastante conhecido por abrigar várias espécies de sequóias205.

O Tribunal de Apelação da Califórnia indeferiu o pedido, por considerar que nenhum membro da associação havia sofrido prejuízo. Quando o caso estava para ser julgado pelo Tribunal Supremo dos Estado Unidos, Christopher Stone foi solicitado para escrever um ensaio seminal denominado Should trees have standing? Toward legal rights for natural objects, o qual foi anexado ao processo.

Nesse artigo, Stone apresenta o argumento da continuidade histórica, afirmando que o direito vem ampliando cada vez mais sua esfera de proteção, das crianças às mulheres, dos escravos aos negros, até as sociedades comerciais, associações e coletividades públicas, de modo que não havia nenhuma razão para recusar a titularidade de direitos para os animais e as plantas, que estariam ali representados pela Associação Sierra Club. A tese requeria o reconhecimento do direito de pleitear às árvores do Mineral King Valley: a vítima realmente não era o Sierra Club, mas as próprias árvores.

Mas como saber o que quer a natureza? Simples, quando as folhas se tornam amarelas adivinhamos facilmente que elas querem água, é mais fácil então saber o que quer a árvore, do que quer o Estado. Quanto a sua representação, ela não é um problema maior do que a representação das crianças, dos loucos ou das pessoas morais. A associação seria então uma tutora, uma guardiã que valerá pelos interesses do meio. Assim, será reconhecido o direito de agirem em nome e por conta as árvores, dos lagos, e dos animais que representam206.

Contrariando todas as expectativas, três dos sete juízes da Suprema Corte americana se declararam favoráveis aos argumentos apresentados por Stone, e embora a sua tese tenha

205 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

p.199. No direito processual civil norte-americano o direito de ação exige que o autor demonstre (1) a existência de um dano efetivo; líquido e certo, atual ou iminente; (2) o nexo de causalidade entre esse dano e a conduta em questão; e (3) que dano alegado pode ser reparado ou compensado por remédio judicial adotado em, KELCH, Thomas G. Toward a non-property status for animals. New York University Environmental Law Journal, New York, p. 535, 1998.

206 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 200.

69 sido derrotada, o voto do juiz Marshall se tornou antológico, ao afirmar que se naquele país os navios e as corporações podiam ser titulares de direitos, então, não existia nenhuma razão para se negar a extensão desses direitos aos animais e às plantas.

Em 1972, por um voto, a história do direito dos animais quase foi mudada radicalmente, e hoje, possivelmente, não haveria um grande alvoroço ao se questionar o motivo de os animais não serem titulares de direitos.

Antes de adentrar no estudo do direito moral convém distinguir direito e moral. Segundo Eduardo Bittar e Guilherme de Almeida “a moral, geralmente, se constitui por um processo acumulativo de experiências individuais, que vão ganhando assentimento geral, até se tornarem regras e normas abstratas (não matarás)”207.

Frequentemente, não notamos a origem cultural dos valores morais, do senso moral e da consciência moral porque somos educados neles e para eles, como se fossem naturais, existentes por si mesmo. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo, a sociedade tende a naturalizar esses direitos. Basta entendermos a própria palavra moral, ela vem do latim mos, moris, que quer dizer o costume, portanto hábitos instituídos por uma sociedade em condições históricas determinadas208.

As normas morais distinguem-se das normas jurídicas, fundamentalmente em função da cogência e da imperatividade que as caracterizam. As normas morais possuem autonomia em relação ao Direito, o que não significa que não o influenciam, já que possuem imbricações recíprocas. A relação entre Direito, ética e moral é estreita. “A pesquisa jurídica deve ser uma pesquisa conjugada com a ética; deve-se perceber que os entrelaçamentos entre Direito e a temática ética são inegáveis”209.

Consequentemente, se uma pessoa reconhece em sua própria consciência que um determinado preceito moral está em contradição com uma lei vigente, surge à chamada “objeção de consciência”, por exemplo: embora o governo da Alemanha nazista condenasse legalmente à morte milhões de pessoas por pertencerem a determinadas etnias e crenças, a ação foi

207 BITTAR; ALMEIDA. Curso de filosofia do direito, p. 556.

208 CHAUI, Marilena de Souza. Iniciação à filosofia: ensino médio, volume único, p. 265. 209 BITTAR; ALMEIDA. Curso de filosofia do direito, p.558.

70 claramente imoral, pois a consciência moral alcançada pela humanidade em seu conjunto não pode, no mínimo, deixar de considerar desumano esse modo de agir210.

Portanto, legalidade não é garantia de moralidade. Uma lei escrita num código pode ser injusta. Dessa maneira, a obediência a leis não esgota a responsabilidade ética. Tanto é que o trabalho infantil e a escravidão já foram legalmente permitidos em certa época no nosso país, hoje são considerados antiéticos e também crimes. No mesmo sentido, se os animais merecem respeito ético, e se o nosso sistema jurídico não reconhece isso, então é esse sistema que deve mudar211.

Não é fácil notar quando uma norma é injusta porque o hábito de segui-la faz com que poucos parem para refletir se aquelas ações realmente estão corretas. Conforme ensina Noberto Bobbio:

Nossa vida desenvolve-se em um mundo de normas. Acreditamos ser livres, mas na verdade estamos envoltos numa densa rede de regras de conduta, que desde o nascimento até a morte dirigem nossas ações nesta ou naquela direção. A maior parte dessas regras já se tornou tão habitual que não percebemos mais a sua presença212.

Estabelecido o contraste entre direito e moral surge uma dúvida. Qual a diferença entre direitos legais e direitos morais? Um direito moral existe supostamente antes de uma lei o criar. Um direito legal é um direito reconhecido pelos governantes de uma sociedade e escrito na sua legislação. Entretanto, supõe-se que direitos legais tenham uma autoridade moral, o que significa que direitos morais constituem a base pelo qual os direitos legais podem ser criticados juridicamente. Aplicando-se essa distinção ao tema aqui tratado, um animal pode não ter um direito legal à vida (posto que, como propriedade humana, não pode ter tais direitos) e ainda ter um direito moral a ela. Isso significaria que acreditamos que esse animal deveria viver, e que deveria haver uma lei civil que garantisse isso. Outro exemplo: não temos leis civis contra o

210 NACONECY, Carlos Michelon. Ética & animais: um guia de argumentação filosófica, p. 37. 211 NACONECY, Carlos Michelon. Ética & animais: um guia de argumentação filosófica, p. 37. 212 BOBBIO, Noberto. Teoria Geral do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 15.

71 uso de casacos de pele, mas os animais podem ter direitos morais de não serem forçados à morte dolorosa e sofrimento a bem de uma causa fútil213.

O professor de Harvard, Steven Wise, ensina que:

Há cerca de quatro mil anos, uma densa e impenetrável muralha legal foi edificada para separar humanos dos animais não-humanos. De um lado, até mesmo os interesses mais triviais de uma espécie – a nossa – são cuidadosamente assegurados. Nos autoproclamamos, dentre as milhões de espécies animais, “sujeitos de direito”. Do outro lado dessa muralha encontra- se a indiferença legal para um reino inteiro, não somente chimpanzés e bonobos, mas gorilas, orangotangos, macacos, cães, elefantes, golfinhos entre outros seres vivos. Eles são meros “objetos de direito”. Os seus interesses mais básicos e fundamentais – a sua integridade, a sua vida, a sua liberdade – são intencionalmente ignorados, frequentemente maliciosamente esmagados, e rotineiramente abusados. Antigos filósofos afirmaram que estes animais não- humanos foram criados e colocados na terra para o único propósito de servir aos homens. Juristas de outrora, por sua vez, declararam que as leis foram criadas unicamente para os seres humanos. Muito embora a filosofia e a ciência há muito tenham abandonado essa concepção, o mesmo não se pode dizer do Direito214.

Como visto anteriormente, na interpretação de Francione215 do atual cenário,

animais são propriedade humana. Eles são coisas possuídas pelos seres humanos que somente apresentam valor instrumental ou condicional, enquanto meros meios para certos fins. Mas quais foram os critérios utilizados para os não-humanos serem condicionados ao estatuto de simples recursos econômicos humanos e, consequentemente, excluídos do grupo de seres que possuem interesses eticamente relevantes? De acordo com Francione216 existem três grandes

grupos de argumentos que intentam justificar a não inserção dos membros de outras espécies à esfera da moralidade.

O primeiro deles tem origem no pensamento de Descartes e sustenta que animais não podem ser alvo de quaisquer obrigações ou deveres morais, pois os não-humanos são como

213 NACONECY, Carlos Michelon. Ética & animais: um guia de argumentação filosófica, p. 38. 214 WISE, Steven. Rattling the Cage. Cambridge: Perseus Books, 2000, p. 4.

215 FRANCIONE, Gray. Animals as persons: essays on the abolition of animal exploitation. New York: Columbia

University Press, 2008, p. 67.

216 FRANCIONE, G. L. Introduction to animal rights: your child or the dog? Philadelphia: Temple University

72 coisas, objetos inanimados que não possuem uma fisiologia que comporte a possibilidade de experienciar de sensações.

O segundo grupo de argumentos está baseado na ideia de que animais são espiritualmente inferiores aos seres humanos devido à vontade divina, pois que não foram criados à semelhança do Criador. Essa perspectiva encontra respaldo especialmente nos escritos de Aquino. Todavia, da mesma maneira que um indivíduo pode encontrar versículos que enfatizam uma superioridade humana frente aos animais, ele também pode encontrar outras passagens que denotam obrigações morais humanas para os não-humanos217.

O terceiro grupo de argumentos usados para justificar um tratamento diferenciado aos interesses de humanos e não-humanos baseia-se na ideia de que, supostamente, os animais não possuem certas características naturais exibidas pelos seres humanos, as quais são fundamentais à moralidade.Em outras palavras, os humanos exibem certas capacidades mentais de natureza psicológica ou cognitiva que os não-humanos não apresentam (ou, se as apresentam, o fazem apenas em nível muito inferior ao humano).

Este argumento se refere à inferioridade dos não-humanos, logo não poderiam ser agente morais: animais não são membros da comunidade moral porque não são agentes morais. Um agente moral, refere-se a um indivíduo capaz de exercer e/ou responder a reivindicações morais (ou de direito). Esse argumento está diretamente relacionado à adoção de algum de reciprocidade moral. Animais não podem responder reivindicações morais, portanto os seres humanos não possuem obrigações ou deveres morais diretos para com eles.

Diante de todos esses obstáculos a serem ultrapassados para considerar os animais como sujeitos de direitos, alguns autores buscaram similaridades entre os humanos e os animais para que assim, pelo menos algum grupo de animais pudesse ser protegido. De maneira que diversos pesquisadores iniciaram um esforço para abarcar os primatas à comunidade moral. Ou

217 Alguns exemplos de passagens bíblicas: Gênesis (1:26) “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,

conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. Isaías (66:3) “Quem mata um boi é como o que tira a vida a um homem; quem sacrifica um cordeiro é como o que degola um cão; quem oferece uma oblação é como o que oferece sangue de porco; quem queima incenso em memorial é como o que bendiz a um ídolo; também estes escolhem os seus próprios caminhos, e sua alma se deleita nas suas abominações ”. Disponível em : <http://www.bibliaonline.com.br/>.

73 seja, ao menos um grupo de seres apresenta semelhanças tão gritantes com os seres humanos que a sua inclusão à esfera da moralidade deveria ser imediata. Além disso, a partir dessa inserção moral primeira, mais e mais não-humanos seriam, gradualmente, contemplados com o reconhecimento ético de seus interesses mais fundamentais.

No entanto, tal abordagem se mostrou infrutífera. Em outros termos, uma abordagem ética cujos parâmetros básicos para a inclusão ou exclusão de seres da esfera da moralidade, são completamente arbitrários, gera e estabelece, sem surpresa alguma, hierarquias morais nas quais certos grupos de seres ganham primazia sobre outros. E, mesmo assim, não há nada que suporte a ideia de que os animais que alegadamente estiverem nos degraus mais altos dessa nova escala moral realmente deixarão de ser tratados como propriedade. O fato dos grandes primatas serem utilizados diariamente em experimentos biomédicos expõe uma das muitas dificuldades da teoria das mentes similares.

Note que, no que tange à questão animal, não se propõe que humanos e animais tenham os mesmos direitos. Afinal, humanos – mas não cachorros – têm direito ao voto e à educação. De fato, nem mesmo todos os humanos têm os mesmos direitos: uma criança e uma pessoa com retardo mental grave também não têm direito ao voto. O que a Ética Animal sustenta é que humanos e animais compartilham um mesmo direito moral, a saber, o direito de serem tratados com respeito. Esse direito pode ser negativo (de não serem submetidos ao sofrimento ou serem usados apenas como recursos para outros indivíduos) ou positivo (de poderem exercer aspectos próprios de sua natureza animal)218.

Tom Regan também se propõe a trabalhar com a noção de direitos morais. Regan ensina que direitos morais se diferenciam de três formas dos direitos legais: 1) direitos morais são universais, isto é, qualquer indivíduo tem tais direitos e deve merecer o mesmo respeito perante aqueles que o têm; 2) direitos morais propõe uma igualdade entre os indivíduos, ou seja, possuir direitos morais não acontece em degraus, tal como é feito com os direitos legais. Todos que os possuem, os possuem igualmente; 3) direitos morais não surgem através de atos

74 de indivíduos, eles são pertencentes ao indivíduo em si, pelo fato do mesmo possuir valor intrínseco219.

Possuir direitos morais é ter um tipo de proteção que poderíamos imaginar como um sinal visível dizendo: “entrada proibida”. O que esse sinal proíbe? Duas coisas. Primeira: os outros não são moralmente livres para nos causar mal; dizer isto é dizer que os outros não são livres para tirar nossas vidas ou ferir nossos corpos como bem quiserem. Segunda: os outros não são moralmente livres para interferir na nossa livre escolha, dizer isto é dizer que os outros não são livres para limitar nossa livre escolha como bem quiserem. Em ambos os casos, o sinal de “Entrada proibida” visa proteger nossos bens mais importantes (nossas vidas, nossos corpos, nossa liberdade), limitando moralmente a liberdade dos outros.220

Assim, o possuidor de direitos morais deve receber tratamento igual a outros que também os possuem, pois todos possuem valor inerente, e não é possível que uma espécie possua mais valor que outra.

Regan denominará esse valor inerente de respeito, o qual deve ser entendido como tema principal, já que sintetiza a regra de ouro da ética que impõe que todos sejam tratados igualmente, independentemente das muitas diferenças221.

Assim, em decorrência dos animais serem portadores de valor intrínseco lhes devem ser atribuídos direitos, os quais devem ser respeitados. O filósofo criou a categoria de sujeitos de uma vida para determinar todos os indivíduos que possuem direitos, e nessa categoria incluiu os animais. Ele criou essa categoria por acreditar que o conceito de pessoa não eliminaria um tratamento discriminatório em relação aos animais.

Quem delimita os princípios? E para quem os princípios são delimitados? É assim que a racionalidade acabada por ser um critério para a condição de membro da comunidade moral: porque o procedimento imagina que pessoas estejam escolhendo princípios para si próprias. Mas pode-se imaginar as coisas de forma diferente, incluindo-se no grupo para o qual o princípio da justiça são incluídos muitas criaturas que não podem e não puderam tomar parte na sua delimitação222.

219 REGAN, Tom. The case of animal rights. 2. Ed. Califórnia: University of California Press, 2004, p. 267-268. 220 REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p. 47.

221 REGAN, Tom. Jaulas Vazias, p. 52-53.

222 NUSSBAUM, Martha C. para além da compaixão e humanidade: justiça para animais não humanos. In:

75 Do exposto pode-se entender que a moralidade não se revela nas escolhas racionais, mas sim nas relativas à perpetuação do prazer e na aversão à dor, como idealiza Bentham. Daí porque, plenamente aptos a essas sensações:

Os animais, entre si, são suscetíveis das mesmas relações que a espécie humana e, portanto, também seriam capazes da mesma moralidade, se a essência da moralidade consistisse nessas relações. O fato de não possuírem um grau suficiente de razão pode impedi-los de perceber os deveres e obrigações da moral, mas nunca poderia impedir esses deveres de existir, uma vez que, para serem percebidos, eles têm de existir previamente223.

Se todo animal é dotado de sentido e vontade, exatamente como nós, seres humanos, e se, em razão disso, eles governam seus corpos com autonomia, perseguindo os próprios interesses vitais, ou, como lembra Bentham, a própria felicidade, não há mesmo sentido em diferençar os tratamentos só porque pertencemos a espécies distintas.

E o que a luta abolicionista e o princípio da igualdade têm com o direito dos animais? A discussão, segundo Peter Singer, é substancialmente a mesma, quando se fala da extensão de direitos aos negros, às mulheres e aos animais, ou quando se discute o princípio da igualdade entre os seres humanos e a igualdade entre todos os animais.

Pergunta o filósofo: “Quando dizemos que todos os seres humanos, sem distinção de raça, credo ou sexo, são iguais, o que é que estamos afirmando?”224. A resposta é intuitiva:

que as diferenças não justificam os direitos; que tais distinções não desqualificam o ser humano como ente digno e moral, e que elas vão além das raças, sexos, nível de inteligência (QI), grau de educação, ou habilidades e aptidões físicas.

FENSTERSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos:

uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 90.

223 HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental do

raciocínio nos assuntos morais. Tradução de Débora Danowski. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora da UNESP,

2009, p. 507-508.

76 A igualdade – como direito a igual consideração pela lei225 existe porque todos nós

sentimos dor, frio e fome; porque somos substancialmente similares em relação aos nossos interesses primordiais e vitais. Não poderá ser por outra razão.

Essa ideologia da libertação animal defendeo fim da escravidão animal; pela repugnância do especismo; o reconhecimento de direitos fundamentais a todos os animais não- humanos, em razão da condição de ser vivo dotado de dignidade e moralidade que todos ostentamos.

A democracia e a justiça não foram pensadas como ideias de igual respeito que devêssemos incluir a todos os seres capazes de sofrer danos, dor e morte, por atos contrários a sua vontade, estranhos aos seus interesses e violadores das condições de sua existência. No modelo atual, apenas aos seres humanos foi resguardado o direito de não sofrer exploração física, abuso emocional e morte intempestiva226.

O Direito, no entender da maioria da doutrina, só pode ser estabelecido para sujeitos que, na busca da realização dos seus interesses pessoais ou da coletividade que representam, se responsabilizam pelas consequências de seus próprios atos. O sujeito de direito deve arcar com os danos que eventualmente cause a terceiros, logo, tudo que é vivo e não pertence a natureza humana é visto apenas como instrumento em benefício da espécie227.

Para Sônia Felipe a condição de sujeitos morais é o único estatuto capaz de nos distinguir dos demais seres vivos dotados de liberdade, mas destituídos de capacidade de abstrair suas ações, incapazes de as projetar como fundadas na própria vontade. E há uma razão óbvia pela qual a defesa pela abolição do especismo aparece na argumentação dos filósofos e juristas: enquanto seres humanos destituídos de autonomia moral, mas minimamente aptos para o exercício da autonomia prática são tratados com consideração, animais não-humanos, dotados