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2. AS TRANSFORMAÇÕES NO SETOR BANCÁRIO

2.2 A década de 1990 e a reestruturação BANCÁRIA

Na década de 1990, a racionalização por meio da automação do trabalho bancário, com base na microeletrônica, atinge, em certo sentido, seu limite frente a um novo contexto de competição em âmbito financeiro mundial, exigindo medidas mais drásticas e radicais. Inicia-se, assim, um marcante processo chamado por alguns de reestruturação produtiva do sistema bancário nacional.

No Brasil, mais intensamente desde a segunda metade da década de 90, um processo drástico de reestruturação desencadeia-se no sistema financeiro, para “adaptá-lo” aos movimentos dos mercados mundiais de capitais. Sob a pressão dos organismos financeiros internacionais representantes dos interesses do grande capital transnacional privado, aumenta expressivamente a participação estrangeira no sistema, enquanto se aprofunda a concentração de capital no setor. Simultaneamente, o desenvolvimento de programas de privatização de instituições estatais reduz a presença do Estado e fortalece o capital privado nacional e estrangeiro. Num cenário de acirramento da concorrência internacional e de relativa estabilização da moeda no país, os bancos diversificam produtos e serviços e desenvolvem novas estratégicas mercadológicas e de rentabilidade, ao mesmo tempo em que intensificam seus investimentos em tecnologia, objetivando reduzir custos operacionais e elevar a produtividade do trabalho (JINIKINGS, 2002, p. 38).

A reestruturação do setor bancário situa-se no interior de um processo “de intensificação da internacionalização do capital, acompanhado pela expansão do ideário neoliberal” (SEGNINI, 1999, p. 189). Partilhando dessa ideia, Araújo, Cartoni e Justo (2001) defendem que a reestruturação está diretamente associada à adoção de políticas de cunho neoliberal iniciadas durante o governo Collor de Mello (1990-1992), as quais tiveram como marco os processos de abertura comercial e de internacionalização da economia brasileira, intensificados durante os governos de Fernando Henrique Cardoso.12

12 Importante notar que “o interesse e a pressão por parte da burguesia financeira em relação à adoção das políticas liberais podem ser encontradas já na década de 70. Já em 79, o então presidente da Associação de Bancos do Estado de São Paulo (ASSOBESP) e da Federação Brasileira das Associações de Bancos (FEBRABAN) contrapunha-se com veemência à intervenção do Estado na economia e

Tais ideias também são partilhadas por Jinkings (2002, p. 43), conforme abaixo:

Nos anos 90, o sistema financeiro nacional foi reestruturado para que se ajustasse aos movimentos dos mercados globais de capitais, viabilizados por políticas de liberalização e desregulamentação da economia. Os governos brasileiros adotaram os princípios neoliberais e o programa de reformas e de ajuste econômico global sintetizados no chamado Consenso de Washington13, criando as

condições propícias para o livre fluxo do capital especulativo no país. Tais políticas contemplavam os interesses de importante fração da burguesia financeira local que, desde o final dos anos 70, exigia a adoção de medidas de liberalização da economia.

Segundo Segnini (1999), o processo de reestruturação do sistema financeiro no Brasil, coordenado pelo Banco Central, resultou em três tipos de ajustes. A primeira modalidade ou tipo de ajuste diz respeito ao número de empresas no setor, destacando-se o processo de incorporações, fusões e privatizações de bancos nacionais, que possibilitou a expansão da participação do capital estrangeiro no sistema bancário.

O quadro abaixo retrata a tendência de crescimento no número de bancos no Brasil no período de 1988 a 1994, seguido de um declínio para o período subsequente (1994-2002).

Tabela 3: Número de bancos no Brasil

Fonte: BANCO CENTRAL DO BRASIL (2003 apud BRITO; BATISTELLA; FAMÁ, 2005)

conclamavam o conjunto do empresariado a atuar de modo “compatível com os princípios da livre empresa, da liberdade de iniciativa e da economia de mercado”. (JINKINGS, 2002, p. 55).

13 “O Washington Consensus – termo criado nos EUA em 1989 – sintetiza um conjunto abrangente de princípios, metas e regras a serem aplicados aos diversos países e regiões do mundo capitalista para que se ‘ajustem’ econômica e politicamente ao novo capitalismo global, reordenado sob a égide da doutrina neoliberal e do predomínio norte-americano.” (JINKINGS, 2002, p. 94)

Vale lembrar que é nesse momento que, frente a um contexto de crise de confiança no mercado financeiro, o governo brasileiro lança mão, em novembro de 1995, do PROER – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (SEGNINI, 1999, p. 186):

Tal programa foi apresentado como propiciador de estabilidade financeira, sobretudo no que tange aos grandes bancos privados nacionais, livrando o sistema de “risco sistêmico”, cabendo ao Banco Central do Brasil absorver a “parte ruim” dos bancos (dívidas), sobretudo dos grandes bancos acima citados [Econômico, Bamerindus e Nacional]. Os processos de intervenção nos bancos estatais, também efetivados pelo Banco Central do Brasil, preparou- os, nesse mesmo sentido, para a privatização “da parte boa” dos bancos.

A segunda modalidade de ajustes diz respeito às mudanças ocorridas na composição dos produtos bancários, as quais “se referem às estratégias do setor objetivando a manutenção e a ampliação das carteiras de clientes e de lucratividade, num contexto de intensa concorrência entre os bancos” (SEGNINI, 1999, p.187).

De acordo com dados do DIEESE (2006, p. 4), o Plano Real constitui um ponto de inflexão nesse contexto. Segundo esse órgão:

Em meados daquela década [1980], as diretrizes econômicas do Plano Cruzado fizeram com que os bancos iniciassem novas estratégias de atuação para operar num cenário de baixa inflação. No entanto, só a partir do Plano Real esse cenário foi, finalmente, consolidado. Nesse aspecto, o Plano Real desempenha papel diferenciado em relação aos planos anteriores, na medida em que mantém, a todo custo, a política de estabilidade dos preços. Com isso, os bancos reiniciaram nova fase de adaptação. A queda abrupta dos altos índices de inflação inviabilizou os ganhos com floating14. Ou seja, o ambiente inflacionário garantia, por si só, elevadas receitas aos bancos, na medida em que os recursos captados, praticamente sem remuneração, eram aplicados com taxas de retorno altamente lucrativas. Estima-se que, para os maiores bancos, o ganho proveniente desse tipo de receita representou R$ 9,538 bilhões, em 1994, caindo para R$ 903 milhões no ano seguinte.

Nesse sentido, Jinkings (2002) defende que, no período de implementação do plano real, os bancos foram forçados a adotarem novas estratégias de rentabilidade, devido a mudanças no quadro econômico ocasionadas pelos programas de ajuste financeiro e combate à inflação. Dentre

14 “O floating referia-se aos depósitos feitos pelos clientes que não caíam nas contas de imediato – e assim podiam ser aplicados pelos bancos nos mercados especulativos.” (CANES, 2005).

essas novas estratégias, a autora destaca: 1) a expansão das atividades do setor para atividades que não se restringem ao âmbito financeiro, tais como: serviços de intermediação de negócios e engenharia financeira; 2) a venda de produtos financeiros e a cobrança de tarifas bancárias; 3) redefinição do perfil

operacional, “segmentando a clientela e restringindo os serviços e produtos

mais sofisticados às camadas sociais de renda mais elevada, consideradas ‘clientes preferenciais’.” (JINKINGS, 2002, p. 46).

A venda de produtos financeiros e a cobrança de tarifas bancárias como contrapartida dos serviços prestados surgem como estratégias de grande importância, conforme mostram as análises do DIEESE (2006, 2007)

Com a estabilidade dos preços, as receitas de inflação (floating), outrora apropriadas pelos bancos, são substituídas pela gradativa cobrança de prestação de serviços. Assim, essas instituições mantêm seus lucros mesmo em conjunturas macroeconômicas adversas porque continuam elevados também os ganhos dos bancos através das elevadas taxas de juros e de outras operações. A cobrança pela prestação de serviços exerce um papel fundamental no resultado das instituições financeiras, contribuindo para uma trajetória de lucros recordes (DIEESE, 2006, p. 15).

De acordo com DIEESE (2008, p. 2), esse processo de cobrança de tarifas bancárias de produtos e serviços como forma de repor as receitas que até então eram obtidas com o floating tem início em 1994, sendo que, “desde então, as receitas de prestação de serviços do setor bancário experimentaram um crescimento nominal15 de 848,3% entre 2007 e 1994, saltando de R$ 6,0 bilhões para R$ 56,9 bi.” Vale destacar ainda que, no limite, o processo de reajuste contínuo das tarifas de serviços bancários levou o governo, em 2008, a criar uma regulamentação para essa questão, de sorte que “de agora em diante [2008], a criação de uma nova tarifa será submetida à análise prévia do Banco Central e os reajustes nos preços dos serviços bancários só poderão ocorrer a cada 180 dias.”

Ainda segundo o DIEESE (2006), temos que essa política de imposição de cobrança pelos serviços bancários, somada a uma política de contenção de gastos de pessoal, fez com que, a partir de 2004, a receita de

15 “(...) em valores reais (acima da inflação), o crescimento foi de 249,4% em relação ao INPC-IBGE” (DIEESE, 2008, p. 2).

prestação de serviços superasse a despesa com pessoal, conforme quadro abaixo, e se tornasse a terceira maior fonte de arrecadação dos bancos.

Quadro 1: Evolução Nominal nas Receitas de Prestação de Serviços e as Despesas de Pessoal do Setor Bancário (em R$ bilhões).

Fonte: DIEESE, 2006, p. 4

Quadro 2: Receitas de Prestação de Serviços (RPS) e Despesas de Pessoal (DP) - 2005 (em milhões de R$)

Por fim, a terceira modalidade de ajuste refere-se às mudanças ocorridas no “aparato regulatório do sistema bancário, envolvendo mudanças no sistema de garantia de crédito” 16 (SEGNINI, 1999, p. 187, grifos nossos). Destaca-se que: 1) o total de ativos necessários para a abertura de um banco foi aumentado para 32% em 1996; 2) o Banco Central passou a ter maior poder de intervenção na administração dos bancos.