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5. O EMPREGO NO BANCO PÚBLICO FEDERAL NA PERCEPÇÃO DOS

5.6 Cada um por si: A nova questão sindical

Dentre os dez entrevistados, seis são sindicalizados (André, Tomé, Caio, Paulo, Teresa e Abel), ao passo que quatro não o são (Aparecida, Roberta, Joana e Simão). Todos os entrevistados consideraram como relevante o papel do sindicato local e também avaliaram que este tem levado as reivindicações da categoria perante os banqueiros, muito embora tenham

afirmado também que, de modo geral, o sindicato não tem obtido sucesso em relação a estas reivindicações. Conforme Teresa, os membros do sindicato local “levam as reivindicações, mas não sei se eles são ouvidos [pelos banqueiros e pelos outros sindicatos]”. Nesse sentido, Caio apresenta-nos uma interessante metáfora quando afirma que o sindicato local, embora combativo, é como “o camundongo num canto tentando lutar contra a vassoura”. Joana, a exemplo de Caio, alude ao dito popular “uma andorinha só não faz verão” ao tocar nessa questão.

Vale destacar que essa limitação apontada pelos entrevistados deve-se, em grande medida, ao fato de o sindicato local não se vincular à base majoritária, representada pela CUT. Nesse sentido, Abel, que declara participar das greves, lamenta o fato de a base nacional estar nas mãos da CUT, a qual, no atual contexto, representa mais a “classe patronal do que dos empregados propriamente ditos.” André, que também se declarou atuante em termos sindicais, acredita que o sindicato local é um sindicato diferenciado e reconhecido na região justamente por estar vinculado à Conlutas e não à CUT, fato esse que o faz “apresentar sempre mais brigas, mais resultados para os empregados do X e para os bancários em geral”.

Dos quatro entrevistados não sindicalizados, três declararam o seu não envolvimento com o movimento sindical, a saber: Joana, Roberta e Simão. Entre estes, Joana alega que, embora reconheça o papel do sindicato local, optou pela não sindicalização por uma questão ideológica e por não acompanhar de perto os fatos que ocorrem no sindicato. Entretanto, destaca que:

Eu acompanho o que acontece nas assembleias, eu sempre ligo, pergunto para um, para outro, mas eu acho meio complicado isso daí. Eu particularmente não gosto. (...) Como eu não estou disposta de ir lá e dar a cara para bater, tem essas pessoas [os que participam do enfrentamento com os banqueiros via sindicato] que têm essa visão e então elas vão lá representando a categoria. Essa é a função. E é por isso que eu vejo que o sindicato ele está lá para isso.

Nessa mesma direção, Roberta considera-se “alienada” em relação à questão sindical. Tal alienação mostra-se no discurso dessa entrevistada como causador de um dilema moral expresso, por exemplo, ao afirmar: “É uma coisa [o sindicato e a participação sindical] que não me

interessa muito, apesar de que eu deveria”. Como forma de solucionar esse “dilema”, a entrevistada conclui que “eu também não penso em morrer no X, então eu nem ...”. Destacamos que essa afirmação reticente é reveladora de uma possível relação entre a percepção do emprego bancário mais como uma fase passageira do que como uma carreira propriamente dita e o seu não envolvimento nos movimentos formais de reivindicação no setor.

Simão, que é gerente, afirma em relação ao movimento sindical: “eu não participo muito não. É complicado, assim, você como gestor, você é meio que mais identificado com a empresa do que com... [risos]”. Mesmo assim, esse entrevistado confessa reconhecer o papel do sindicato quando este realiza trabalhos de “conscientização da população em relação às demissões”. De outro lado, Simão critica o sindicato quando este apresenta uma postura de “defesa intransigente do funcionário”, afirmando que:

A gente vai ver também aquilo que eu falei, da meritocracia. Quando ele vai defender funcionário, ele vai defender a classe como um todo. Às vezes, a gente tá aqui, não digo tanto um gerente, mas um colega ali, a gente pensa: por que é que eles tão defendendo tanto aquele colega, que não coopera com o trabalho do outro. Mas eu acho que dos males o menor. Se for pra defender, acho que é isso aí mesmo.

Outro fator que parece influenciar na participação ou não nesse movimento parece ser a perspectiva de crescimento dentro da empresa. Considerando, como acima destacado, o contexto no qual as condições para prosperar dentro do ambiente bancário são limitadas e a existência de uma política salarial bastante desfavorável para aqueles que se encontram nos níveis mais baixos da hierarquia, a possibilidade de crescimento agindo como uma força sedutora parece influenciar na decisão de envolvimento ou não envolvimento com o sindicato, e, com isso, direcionando, em última análise, uma tensão que se dava antes em sentido vertical (entre trabalho e capital), para uma tensão horizontal (entre funcionários em igual nível hierárquico) (BURAWOY, 1979), como pode ser inferido a partir dos discursos de Aparecida:

Olha, se você for pegar, por exemplo, essa unidade que eu estou agora não interferiria em nada. Em outras unidades sim, até porque há a pressão, a orientação dos gerentes para a não participação. Tem a comparação sim, entre quem está fazendo greve e quem não

está fazendo greve. Quem fica para trabalhar, quem não faz greve acaba tendo que fazer o serviço de quem está fazendo greve, então gera até aquela inimizade entre os colegas da própria unidade. Então, é complicado.

Quando eu entrei no X, na área em que eu entrei, de 28 funcionários, dois ou três participavam da greve. Havia, assim, uma pressão da gerência, da gerência de filial, da gerência de serviço. Havia a nossa expectativa de crescimento. Mas o tempo vai passando, as fichas vão caindo. Faz dois anos já que eu participo de novo. Eu acho que se quando eu entrei no X eu tivesse a mesma consciência de hoje de participação, de luta, talvez eu já tivesse desde o início participado das manifestações. Como eu já participava na Nossa Caixa. Talvez eu até tivesse ajudado a fortalecer mais.

Essa sedução exercida pela hierarquia funcional e salarial no banco parece também impactar a própria ideia/ percepção de categoria, na medida em que concorre para sua cisão, podendo estar, em alguma medida, relacionada à questão do individualismo apontada pelos entrevistados da primeira etapa.

Nessa direção, Paulo defende que “a categoria é cada um por si. Quem tem cargo não está nem aí; não faz greve, que eu veja... Não participa, porque ganha cinco, seis vezes mais do que o funcionário em início de carreira. Eles não reivindicam”. Conclui esse entrevistado que “quem precisa reivindicar é quem ganha pouco”.

Tomé, por sua parte, afirma que, atualmente, o bancário “é mais individualista”. Sustenta essa afirmação baseado em três pilares:

• o fato de os trabalhadores bancários estarem mais centrados na própria sobrevivência do que na mobilização coletiva;

• a crise do movimento operário;

• o crescimento do “caráter pequeno burguês” na categoria dos bancários, resumido da seguinte maneira: “ele [o bancário] anda com carro novo hoje, e tal; mas, para ele, isso é fruto apenas do trabalho dele, não é uma coisa coletiva, fruto de uma mobilização coletiva.”

Em linhas gerais, Tomé avalia que o bancário médio pensa da seguinte maneira: “o sindicato não vai fazer nada por mim. Então eu tenho que puxar o saco aqui, fazer minhas coisas”; ou então: “o sindicato não vai resolver minha vida”.

Como visto, a questão do individualismo, presente nas falas dos Escriturários, ressurge no discurso dos Técnicos Bancários. Embora essa questão seja mais clara nos dois últimos depoimentos, acreditamos que, em alguma medida, ela se faz presente no discurso dos entrevistados, ainda que indiretamente, na confessa omissão/afastamento em relação aos movimentos reivindicatórios coletivos da categoria, seja em função do lugar hierárquico ocupado, seja pelo receio de ser preterido em uma futura promoção, seja como uma alienação deliberada.

Se, por um lado, temos que as próprias mudanças estruturais internas ao banco como: rebaixamento do piso salarial e criação de uma estrutura hierárquica descrita como confusa (“um bacuá”) e que remete à ideia de “castas”; existência de uma gritante diferença salarial entre empregados comissionados e não comissionados; e restritas possibilidades de crescimento interno, etc.; fatos esses que, por si só, aguçam e reforçam o individualismo, por outro lado, não podemos esquecer que as trajetórias e ideologias da nova geração de trabalhadores bancários foram construídas dentro de um contexto de “grandes desengajamentos”, caracterizado como:

Tempos de grande velocidade e aceleração, do encolhimento dos termos de compromisso, da “flexibilização”, da “redução”, da procura de “fontes alternativas”. Os tempos da união “até segunda ordem”, enquanto (e só enquanto) “durar a satisfação” (BAUMAN, 2003, p. 41)

Assim, num mundo no qual “não há mais longo prazo” e as narrativas de vida são tudo menos contínuas, do “tempo desconjuntado”, da reinvenção descontínua de instituições e da especialização flexível (SENNET, 2008), a ação a longo prazo desorienta-se, os laços de confiança e de compromisso afrouxam-se, o individualismo, o curto prazo e o cálculo meio-fim passam a ocupar mais e mais o lugar antes ocupado pelas ideias de classe/ categoria, do longo prazo e da racionalidade substantiva que dava base para estes. Nesse contexto, “a competição entre os indivíduos é mais importante do que unir-se a ‘outros em condições semelhantes’” (BAUMAN, 2003, p. 77). A noção de categoria se enfraquece, sobrando pouco de sua “outrora poderosa capacidade de geração de comunidade”, posto que:

A percepção da injustiça e das queixas que ela faz surgir, como tantas outras coisas nestes tempos de desengajamento que definem o estágio “líquido” da modernidade, passou por um processo de individualização. Supõe-se que os problemas sejam sofridos e enfrentados solitariamente e são especialmente inadequados à agregação numa comunidade de interesses à procura de soluções coletivas para problemas individuais. Uma vez perdido o caráter coletivo das queixas, podemos também esperar o desaparecimento dos “grupos de referência” que, ao longo dos tempos modernos, serviram como padrão de medida da privação relativa. Isso, de fato, está acontecendo. A experiência da vida como procura inteiramente individual redunda numa percepção das fortunas e infortúnios de outras pessoas como resultado, principalmente, de seu próprio esforço ou indolência, com a adição de um toque pessoal de boa sorte ou um golpe individualmente desferido de má sorte. (BAUMAN, 2003, p. 79)

As percepções dos Técnicos Bancários sobre a reestruturação da década de 1990 e sobre a questão sindical parecem caminhar justamente nessa direção. A hesitação dos entrevistados diante do questionamento sobre o processo de reestruturação e o conhecimento genérico e pouco aprofundado que têm sobre esse período (ex: “Eu não sei exatamente o que foi a reestruturação. Só sei que mudou”) revelam a pouca importância dada à história da categoria. Tal história parece de pouco relevância em um quadro, segundo nossos Escriturários, de individualismo exacerbado em lugar das greves fervorosas de outrora. Nesse sentido, a percepção da injustiça parece alicerçar-se em bases individuais e sincrônicas (em relação à condição de outras categorias de pessoas) e não mais em bases diacrônicas (em relação a uma condição passada) e coletivas (BAUMAN, 2003).