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4. A PERCEPÇÃO DE ESCRITURÁRIOS SOBRE O EMPREGO BANCÁRIO E

4.5 As Relações no trabalho

As mudanças ocorridas em termos de como as pessoas se relacionam no trabalho mostraram-se bastante presentes nos depoimentos. A maioria dos entrevistados afirmou ter havido mudanças significativas nesse sentido.

Interessante destacar que, de acordo com o moderno discurso organizacional, esperava-se encontrar um ambiente bastante propício à cooperação entre os funcionários, devido à necessidade de promover o trabalho em equipe. Em princípio, parece que a percepção dos entrevistados não segue nessa direção. Nesse sentido, Marta enfatiza a diferença entre o discurso e a prática: “Que é diferente de quando falam lá na área onde estou, ah, isso tem que ser um trabalho em equipe. Ah, dá vontade de falar assim, vai

tomar banho! [risos] Porque não é, entendeu? Isso daí é da boca pra fora. São aquelas frases feitas. Ah, tem que ser um trabalho em equipe...”.

De modo geral, a principal mudança percebida foi o aumento do individualismo, o qual, geralmente, é acompanhado da percepção de deterioração na qualidade da relação entre os colegas de trabalho. Conforme destaca Maria:

Antes, existia, assim, uma maior preocupação com o outro. Eu acho que cada vez mais o ser humano – e na relação de trabalho a gente também vê isso – muito individualismo. Hoje eu vejo muito individualismo. Antes existia mais amizade até nas relações de trabalho. E até, eu acho, eu vejo a integração da equipe... existia mais... um se preocupava até com o outro, com o trabalho. (...) Eu acho que hoje piorou. É cada vez mais essa competição, um ambiente de trabalho muito ruim, de muita competição.

Rosa, que trabalha na mesma unidade de Maria, apresenta um ponto de vista semelhante em relação a essa questão:

Olha eu não sei se sou eu que sou meio tapada. Eu não tenho muita noção, mas, eu acho que antigamente tinha mais coleguismo do que hoje em dia. Parece que antigamente um não queria comer o fígado do outro para tentar subir. Eu não vou querer explicar tudo que eu sei para o meu colega que está entrando agora porque ele pode querer puxar meu tapete, pode querer me ferrar no futuro ou alguma coisa assim. Antigamente, eu tenho essa sensação, lógico, a gente era mais novo, hoje eu sou 20 anos mais velha, mas quando a gente entrou, aquela garotada na faixa dos vinte, acabando a faculdade, acho que o coleguismo era maior. A gente podia confiar em todo mundo. A gente saía de lá e conversava assunto de trabalho na mesa de bar, lógico, não coisa sigilosa, mas conversava. Era uma relação mais amigável. Hoje em dia, parece que o negócio é mais assim: “eu não vou comentar isso com o Fulano, senão ele vai comentar para o chefe e vai ferrar o esquema”. Você tem, você tem que medir com quem você vai falar, que tipo de coisa você vai falar. (...) Eu não sei se é também porque o mundo está mais moderno, as crianças de hoje nem se comparam com as crianças de vinte anos atrás, mas a relação de trabalho, essa mudou bastante. Eu sinto isso.

Pedro defende que as greves são um importante exemplo de como os empregados antigamente eram mais unidos. Segundo esse entrevistado, “por exemplo, as greves daquele período eram fervorosas! Até as pessoas com funções, elas entravam em greve, o pessoal era mais unido.”. Nessa mesma direção, Érika, ao descrever como era o movimento sindical no início de sua carreira bancária e ratificando a opinião de Pedro, afirma que: “a

gente ia com o objetivo de lutar pela classe. (...) eu sentia isso, que o pessoal era mais unido, todo mundo com aquela cabeça”.

A existência de um sentimento de maior solidariedade nas relações de trabalho também foi evidenciada por Machado (2002, p. 55) ao analisar as narrativas de funcionários do Banco do Brasil. Postula esse autor que, nesse período,

Os pensamentos e sentimentos funcionais acerca das relações interpessoais no espaço de trabalho revelam a existência de situações marcadas pela solidariedade e por uma convivência afetiva que extrapola o trabalho.

Marta, novamente, ao tocar na questão do individualismo, confessa como até mesmo ela acabou aderindo à lógica individualista e utilitária própria do que parece ser o atual ambiente de trabalho no banco:

A diferença que existia antes e agora, de relacionamento das pessoas, eu não sei se é esse setor que eu estou ou se é a cidade, quer dizer, a região. Porque é interior de São Paulo. De repente, se eu estivesse em São Paulo a coisa perdurasse mais. Mas nesse setor que eu estou, eu acho que as pessoas são extremamente individualistas. Então, as pessoas têm uma necessidade enorme, assim, de bens. Elas se sentem com esse direito. Até eu entrei na história. Eu sou [Analista] Júnior, quando tem uma vaga de pleno, por que que não é para mim? Por que que é para outra pessoa? Você se inscreve, qualquer cidadão do Brasil, e, quer dizer, fica mais uma loteria. E eu acho que deve ser assim mesmo. Tanto é que eu já me inscrevi em dois: um em Brasília e outro em São Paulo que eu acabei largando no meio do caminho.

Essa entrevistada complementa seu depoimento afirmando que a questão do individualismo se trata de um problema geracional, próprio do que chama de “geração empregada”, isto é, a geração em que as mães, por terem que trabalhar fora, deixam seus filhos serem educados pelas empregadas. Aqui, o conflito entre Escriturários e Técnicos Bancários explicita-se.

Esse conflito geracional, ao que parece, relaciona-se de um modo dialético com o processo de re-significação do trabalho bancário. Ambos os grupos reconhecem a existência de um processo de mudança em relação ao que foi e o que é o trabalho no banco. No entanto, muitas vezes, esse processo envolve um juízo de valor em favor ou contra um dos grupos de agentes envolvidos, ou seja, Escriturários ou Técnicos Bancários.

Adão, dessa forma, chama-nos a atenção para a mudança na percepção acerca do emprego, que, para o novo empregado, dá-se numa “mentalidade neoliberal”, conforme abaixo:

Porque antes quando você entrava numa empresa você pensava em seguir carreira nela, você acreditava na empresa. A formação das pessoas era diferente. Esse pessoal mais novo que vem aí tem uma mentalidade neoliberal. Não vou generalizar, mas boa parte quer crescer a qualquer custo dentro da empresa, esquecendo muito da ética, muito do respeito com os colegas e com os clientes. Alguns deles chegam honestamente, a exemplo de vários colegas que estiveram aqui e que hoje não estão mais. Mas boa parte, infelizmente, está aqui para ganhar um tempo, fazer um dinheiro, sem a mínima intenção ... não se dedicam como deveriam e logo saem. Esse Neoliberalismo é assim mesmo. (...) Antigamente, o empregado entrava no X, gostava do X, ele queria trabalhar no X. Então, ele vislumbrava crescer, como todo mundo vislumbra. Mas, salvo uma ou outra pessoa, seguia os caminhos normais para progredir dentro da empresa.

Subjaz no discurso acima a ideia do emprego como um projeto de vida; da existência de uma relação salutar entre o trabalhador e o seu trabalho, muito diferente da relação que passa a vigorar a partir da entrada de novos empregados com uma “mentalidade neoliberal”. O contraponto desse discurso, vale destacar, é encontrado, por exemplo, quando Oliveira (2009) explora a visão de Técnicos Bancários. Na visão de alguns destes, o “emprego para vida” do pré-reestruturação, condiz com as ideias de estagnação, acomodação, ineficiência e regalias próprias ao funcionalismo público.

Aparte a questão geracional, Adão ainda aventa uma terceira hipótese para o aumento do individualismo, segundo a qual esse deriva das mudanças na direção da empresa e na pressão imposta por esta ao corpo funcional. Dessa forma, essas mudanças ocorrem de modo diretamente proporcional à pressão colocada sobre os trabalhadores, podendo, no limite, até mesmo impactar nas relações horizontais, isto é, entre colegas do mesmo nível hierárquico. Nas palavras de Adão:

Se ela [a direção] joga uma maior responsabilidade, as pessoas vão se relacionar de uma maneira assim, o de cima vai cobrar mais o de baixo, que vai querer progredir e vai acabar atingindo o colega do lado. Então, tem muito a ver com a direção da empresa e com o governo. Na época do governo Collor, foi terrível. Nem tanto o Collor, mas FHC. Na época de FHC, era terrível.

Outro fator revelado no depoimento desse entrevistado, e que parece também estar relacionado às mudanças nas relações de trabalho, refere-se à política de cargos da empresa. Assim como destacou Rosa, Adão afirma ter havido uma expansão no organograma da empresa. Nesse sentido, afirma que antigamente “você conseguia montar praticamente um gráfico, onde eu vou mostrar para você: gerente geral, gerente de núcleo, escreventes e um técnico. Hoje você tem mil carguinhos por aí que vira um bacuá38 que você não

sabe mais quem é quem”. Vale lembrar que essas afirmações parecem alinhar- se com as constatações do tabela 5, que sugere a diminuição proporcional do número de escriturários, auxiliares e chefias intermediárias e o aumento proporcional das seguintes funções comissionadas: direção/gerência; analistas e programadores; assessores econômicos e jurídicos; outros assessores; operadores de máquinas de processamento; caixas; secretárias, entre outros39.