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A Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Tratados Internacionais de

1. A CLÁUSULA DE ABERTURA E A INESGOTABILIDADE DOS DIREITOS

1.1. A constante evolução dos direitos fundamentais e a necessária abertura material da

1.1.2. Os direitos humanos internacionais e os direitos fundamentais constitucionais

1.1.2.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Tratados Internacionais de

Em 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial e a divulgação do que ocorria nos campos de concentração nazista do Reich alemão, com a finalidade de evitar novas guerras e novos atentados contra a humanidade, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). Três anos mais tarde, em 10 de dezembro de 1948 foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aquela que foi um divisor de águas na proteção dos direitos do homem no cenário internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos emerge tendo como plano de fundo as atrocidades ocorridas contra a raça humana durante a Segunda Guerra, e consolida a proteção internacional dos direitos do homem (direitos humanos), que, a nosso ver, até então, era meramente “figurativa” e demagoga, isto é, não passava de um discurso isolado, pouquíssimo observado pelos próprios discursantes. Nesse sentido, Thomas Buergenthal afirma que o moderno direito internacional dos direitos humanos “é um fenômeno do pós- guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo

sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse”.40

A partir do momento em que a humanidade se viu vítima de sua ganância, do momento em que o homem foi tratado como objeto descartável, substituível, do momento em que o ser humano foi reduzido a nada, emergiu, então, uma robusta sistemática internacional de proteção dos direitos humanos. No momento em que a desigualdade entre os seres humanos atingiu o ponto mais alto, condicionando a titularidade dos direitos mais básicos e da própria dignidade da pessoa humana ao pertencimento a determinada “raça”,41 a raça pura ariana, a humanidade se viu acuada e impelida a estabelecer um documento internacional comum que resguardasse um mínimo de direitos aos seres humanos e preservasse a dignidade de todos os homens, pois os campos de concentração mostraram ao mundo, da pior forma,

40 BUERGENTHAL, Thomas. International Human Rights. Minnesota: West Publishing, 1988, p.17. (grifo nosso).

41 Acerca da discussão sobre a (in)adequabilidade do uso da palavra raça como referindo-se à determinados grupos de pessoas humanas com determinadas características comuns, reconhecemos que a biologia há muito já superou a discussão, posicionando-se pela não existência de raças humanas, mas somente de uma única raça humana. Contudo, sociologicamente o termo ainda é utilizado e possui grande relevância para muitas discussões, como por exemplo a que traçamos aqui, ou ainda a discussão sobre o racismo etc.

32 que todos são iguais, não importam as condições sociais e econômicas, todos são iguais e padecem todos da falibilidade e da mortalidade.42

É neste cenário que emerge a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, num primeiro momento como recomendação das Nações Unidas aos seus Estados membros.43 Contudo, ao longo dos anos, veio sendo consagrada pela teoria dos direitos internacionais e, sobretudo, pela teoria dos direitos humanos como tendo força vinculante e sendo exigível dos Estados membros da ONU, por diversas razões de direito que passam pelo costume internacional, pela natureza inata (ou transcendental) dos direitos do homem, pelos princípios gerais de direito internacional e de direitos humanos, pela proteção maior da dignidade da pessoa humana, pelas construções da doutrina específica ao redor do mundo e pela construção jurisprudencial da Corte Internacional de Justiça.44 Mais ainda, algumas Constituições fazem remissão direta à Declaração Universal dos Direitos Humanos, como por exemplo, a Constituição Portuguesa de 1976 (art. 16, nº 2). Além disso, a interpretação de muitas das Cortes Superiores dos Estados soberanos vem consolidando o posicionamento de que a declaração de 1948 possui força vinculante no âmbito do direito interno de seus respectivos países.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, sob os auspícios de uma cooperação internacional dos Estados em prol dos direitos essenciais do homem e da

42 Nesse sentido, Flávia Piovesan, com o brilhantismo de sempre: “A internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana [...] o século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio concebido como projeto político e industrial [...] No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos , como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse cenário, o maior direito passa a ser, adotando a terminologia de Hannah Arendt, o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos”. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional

Internacional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 184.

43 Nessa perspectiva, Fábio Konder Comparato: “Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nessas condições, costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante. Foi por essa razão, aliás, que a Comissão de Direitos Humanos concebeu-a, originalmente, como uma etapa preliminar à adoção ulterior de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto...”. COMPARATO, Fábio Konder. A

Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 238-239.

44 Em relação ao posicionamento da Corte Internacional de Justiça, Fábio Konder Comparato nos lembra: “A própria Corte Internacional de Justiça assim tem entendido. Ao julgar, em 24 de maior de 1980, o caso da retenção, como reféns, dos funcionários que trabalhavam na embaixada norte-americana em Teerã, a Corte declarou que ‘privar indevidamente seres humanos de sua liberdade, e sujeitá-los a sofrer constrangimentos

físicos é, em si mesmo, incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os princípios fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos’”. COMPARATO, Fábio Konder. A

33 preservação integral da dignidade da pessoa humana, objetivou a edificação de uma ordem pública mundial capaz de assegurar que os seres humanos não mais fossem submetidos aos horrores que se viu durante a Segunda Guerra Mundial, bem como a qualquer outro tratamento cruel ou degradante da sua dignidade, seja física, mental ou moral.45

É assaz importante ressaltar o caráter universalista atribuído pela Declaração de 1948 aos direitos do homem, ao reconhecer que os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana são inerentes a todas as pessoas, a todo e qualquer ser humano, pelo simples fato de ser humano, como se percebe da leitura de seu preâmbulo. Além disso, também em seu preâmbulo, reconhece a igualdade entre todos os homens e a inalienabilidade dos direitos inerentes à pessoa humana. Mais ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos “introduz a indivisibilidade desses direitos, ao ineditamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais”.46

A Declaração Internacional dos Direitos Humanos foi o ponto de partida, o núcleo matricial, para a construção da atual sistemática de proteção dos direitos humanos. Depois dela, os Estados começaram a se preocupar mais com os direitos humanos no âmbito internacional, vindo a assinar, ao longo das últimas seis décadas, dezenas de Tratados Internacionais que visam proteger e assegurar o exercício dos direitos humanos.

A exemplo, mesmo sob pena de injustas omissões, é de se destacar a importância dos seguintes documentos internacionais de direitos humanos na salvaguarda da dignidade da pessoa humana: Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948; Convenções de Genebra sobre a Proteção das Vítimas de Conflitos Bélicos, de 1949; Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de 1950; Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959; Pactos Internacionais de Direitos Humanos, de 1966; Convenção Americana de Direitos Humanos, “Pacto de San José da Costa Rica”, de 1969; Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972; Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, de 1975; Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, de 1981; Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada durante a ECO 92, no Rio de Janeiro, em 1992; Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998; dentre outros.

45 Nesse sentido, Flávia Piovesan afirma: “A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis”. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 204. 46 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 204.

34 Em síntese, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos carregam em si o espírito maior de proteção da dignidade da pessoa humana, cuja gênese remonta às declarações do final do século XVIII e se vivificam mais intensamente com a declaração de 1948. O mais importante é ressaltar que todos esses documentos, seguem a linha elementar estabelecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, isto é, a proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, em todos os sentidos (físico, moral, psicológico, espiritual etc.).

1.1.2.3. As Constituições do Pós-Guerra e as Declarações de Direitos Fundamentais do

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