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A Segunda Guerra Mundial e as atrocidades contra os seres humanos

1. A CLÁUSULA DE ABERTURA E A INESGOTABILIDADE DOS DIREITOS

1.1. A constante evolução dos direitos fundamentais e a necessária abertura material da

1.1.2. Os direitos humanos internacionais e os direitos fundamentais constitucionais

1.1.2.1. A Segunda Guerra Mundial e as atrocidades contra os seres humanos

Alemanha, 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler se torna chanceler alemão. 02 de agosto de 1934, Hitler assume a presidência da Alemanha e se torna Führer. 15 de setembro de 1935, a Alemanha publica as leis antissemitas de Nuremberg. 14 de março de 1938, Hitler assume o comando do Exército Alemão. 1º de setembro de 1939, depois de nos últimos cinco anos ter reincorporado territórios perdidos durante a Primeira Guerra e ter incorporado e ocupado o território da Renânia, a Áustria e a Tchecoslováquia, a Alemanha nazista invade a Polônia. No dia 03 de setembro de 1939, dois dias após a Polônia ser invadida, Reino Unido, França, Austrália e Nova Zelândia declaram guerra à Alemanha. Está instaurado aquele que foi o maior conflito bélico vivenciado pela humanidade, com cerca de 50 milhões de mortos ao todo.

Essa brevíssima síntese de fatos que conduziram a instauração da guerra, omite muitos dos acontecimentos importantes, contudo, o objetivo aqui é meramente ilustrar a chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha e demonstrar alguns dos passos dados por ele até conseguir a guerra que tanto almejou. Discutir as causas da guerra, o plano de fundo e seus meandros, seria impossível neste trabalho. Até hoje se escrevem teses e teses sobre o conflito e ainda assim, sempre há o que se discutir.

Para a consecução dos objetivos do nosso trabalho, muito mais proveitosa é uma breve abordagem sobre o nazismo, o holocausto e a práticas de crueldades exercidas por este regime que acreditava na existência de uma raça pura e superior – a raça pura ariana – contra aqueles que fugiam ao “padrão da superioridade”, nesse grupo inclusos negros, deficientes físicos e mentais, homossexuais, judeus, latinos, ciganos, comunistas etc.

O número de mortos pelo holocausto é impreciso, os mais otimistas falam em cerca de 15 milhões de execuções, os mais pessimistas chegam a falar em 25 milhões de mortos por

36 Nesse sentido, Ferdinand Lassalle advogava que a Constituição residia essencialmente nos fatores reais de poder (o que, ao nosso ver, denota um sentido autoritarista, denominando de Constituição aquilo ou aquele que detinha determinado poder de fato), não passando a Constituição escrita de uma “folha de papel”, pois, segundo Lassalle, “as constituições escritas não têm valor”. LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 9.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 47.

29 execuções. Existe certa concordância de que o número de judeus mortos foi de cerca de 6 milhões. Além dos judeus, foram executados muitos soviéticos e poloneses, assim como alemães (ou porque eram contra o regime ou porque estavam, por algum motivo, nos grupos da raça não superior, como os deficientes e os homossexuais). As mortes ocorriam das maneiras mais cruéis e degradantes possíveis, com a utilização de câmaras de gás, fuzilamento, muitas vezes vítimas de experiências químicas ou médicas. Mais ainda, antes de chegar o momento da morte, os prisioneiros dos campos de concentração eram submetidos a um tratamento odioso e cruel, ficavam sem comer, eram submetidos a trabalhos forçados, eram agredidos, eram forçados a caminhar quilômetros na neve, eram usados como cobaias para testes químicos e medicinais etc.

Até esse momento o Homem já havia vivenciado muitos atentados à pessoa humana, mas nenhum com tanta crueldade e com tanta intensidade. Foram violados todos os direitos possíveis do homem, seja no âmbito internacional, seja no âmbito estatal. Foram literalmente eliminadas milhões de vida, por se acreditar que um ser humano pode ser melhor do que o outro, por se acreditar que a opção existencial do próximo, por ser diferente, é ruim e precisa ser combatida, se preciso for, com a sua morte.

A Segunda Guerra foi um campo fértil, no qual floresceram os piores atentados contra a humanidade, o nazismo foi o pior deles, entretanto não se poderia olvidar dos atentados estadunidenses contra o povo japonês, lançando, ao final da guerra (no ano de 1945), sobre Hiroshima (06 de agosto) e Nagasaki (09 de agosto), duas bombas atômicas, condenando à morte milhares de pessoas, em sua maioria civis inocentes, e deixando um rastro de destruição e morte, sem falar nas horríveis sequelas deixadas pela radiação.

Contudo, o nazismo, por diversos fatores, como a perenidade de seus atos, o número de mortos e as torturas físicas e mentais a que eram submetidas as suas vítimas, foi o episódio mais horrível já ocorrido contra a raça humana em toda a história. Não há palavras que possam descrever todo o horror, toda a dor, todo o sofrimento, toda a crueldade, todo o ódio, toda a morte. Assistiu-se ao assassinato não só de vidas, mas também ao assassinato da humanidade das pessoas. Ao final, todos perderam, perderam muito.

No plano de fundo jurídico do nazismo, imperava-se o positivismo jurídico legalista, atrelado à estrita legalidade e desvinculado da Constituição e de sua declaração de direitos, por considerá-la mera norma programática. Mais ainda, muitas das vezes os regimes constitucionais contavam com mecanismos de mudança constitucional que não resguardavam a prevalência dos direitos do homem e que eram facilmente manipuláveis pelos governantes.

30 Pior ainda, as estruturas internacionais de proteção dos direitos do homem eram embrionárias, se é que se pode afirmar que elas de fato existiam. Muitas vezes, pela competição desenfreada e pela ganância dos mercados, os países esqueciam-se das pessoas e adiavam os debates mais fundamentais da humanidade, ou então se negavam a negociar normas de direito internacional que versassem sobre a proteção dos direitos do homem, por considerarem que determinados acordos poderiam prejudicar seu desenvolvimento econômico, por exemplo, por limitarem a quantidade de horas de trabalho do cidadão.

Assim, em face do vazio do direito internacional e da facilidade que o regime jurídico positivista legalista da época dava aos governantes de implementarem como lei aquilo que eles desejassem, muitos dos acusados, nos julgamentos de Nuremberg, alegavam em sua defesa que estavam cumprindo com seu dever legal, isto é, que estavam obedecendo as leis de seu país, tratando-se no caso de estrito cumprimento do dever legal.37 O pior é que isto era uma verdade, pois as leis da Alemanha realmente tutelavam o Holocausto, o que não quer dizer que isto estivesse de acordo com o espírito constitucional do povo alemão e com os direitos inatos do homem que há muito já haviam sido consagrados pela Alemanha e que são irrevogáveis por natureza.38 O problema maior, então, estava em conferir, ou não, força normativa a tais direitos fundamentais.

Assim, a derrota do nazismo, significou também a decadência do positivismo jurídico39 e a superação do constitucionalismo tradicional, que via a Constituição como mero documento organizacional, por um novo constitucionalismo, no qual a força normativa das normas constitucionais e a prevalências dos direitos fundamentais são as principais características. Mais ainda, deu origem a um movimento intenso de internacionalização dos direitos do homem, criando uma estrutura de direito internacional apta a proteger os direitos humanos, bem como estruturas políticas capazes de implementá-los.

37 Sobre a alegação de obediência às leis nazistas, ver: MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 376-380.

38 Aqui, para adiantarmos um pouco do debate, está a relevância de se reconhecer uma dimensão transcendental aos direitos humanos e fundamentais, em que pese eles serem frutos das lutas históricas. Assim, há de se falar, no mínimo, em uma dupla dimensão dos direitos humanos e fundamentais: uma da construção histórica e a outra transcendental ligada à natureza humana, à razão e à moral, tal qual idealizada por Kant há séculos.

39 Nesse sentido, Luís Roberto Barroso afirma que “a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao pode dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Até mesmo a segregação da comunidade judaica, na Alemanha, teve início com as chamada leis raciais, regularmente editadas e publicadas. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer uso, já não tinham aceitação no pensamento esclarecido”. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional

Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.

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1.1.2.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Tratados Internacionais de

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