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2. A CLÁUSULA DE ABERTURA A NOVOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA

2.2. Os princípios constitucionais

2.2.1. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana

2.2.1.2. As principais dimensões da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana, em face da complexidade do gênero humano em si mesmo, sobretudo do desenvolvimento e das manifestações da personalidade humana, possui diversas dimensões de cunho jurídico e filosófico.386 No direito, o reconhecimento dessas dimensões faz-se de extrema relevância na eterna luta de proteção e promoção da pessoa humana.

Neste trabalho, em face de nossas limitações, sobretudo por não ser o objeto principal de nossa pesquisa, trabalhar-se-á apenas algumas das principais dimensões da dignidade da pessoa humana, sendo elas: i) dimensão ontológica; ii) dimensão comunicativa e

relacional; iii) dimensão histórico-cultural; iv) dimensão negativa e positiva (protetiva e prestacional); v) dignidade da vida; vi) a fórmula do homem-objeto.

A começarmos pela dimensão ontológica, mas não necessariamente (ou, ao menos,

não exclusivamente) biológica da dignidade da pessoa humana, há de se dizer que, nessa

perspectiva, a dignidade é tida como qualidade intrínseca da pessoa (de toda e qualquer pessoa humana, ou ainda, na concepção kantiana, de todo e qualquer ser racional), dele não podendo ser destacada, sendo, portanto, irrenunciável e inalienável.387 Nessa perspectiva, a dignidade, ontologicamente, está abarcada como qualidade integrante da própria condição humana,388 podendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, mas jamais criada,

386 Sobre as dimensões da dignidade da pessoa humana, afirma Ingo Sarlet: “a dignidade, acima de tudo, diz com a condição humana do ser humano e, portanto, guarda relação com as complexas, e, de modo geral, imprevisíveis e praticamente incalculáveis manifestações da personalidade humana [...] quando aqui se fala em dimensões da dignidade da pessoa humana, está-se a referir – num primeiro momento – a complexidade da própria pessoa humana e do meio no qual desenvolve sua personalidade [...]a noção de dignidade da pessoa humana (especialmente no âmbito do Direito), para que possa dar conta da heterogeneidade e da riqueza da vida, integra um conjunto de fundamentos e uma série de manifestações. Estas, ainda que diferenciadas entre si, guardam um elo comum, especialmente pelo fato de comporem o núcleo essencial da compreensão e, portanto, do próprio conceito de dignidade da pessoa humana”. SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 15-17.

387 Há quem diga, inclusive, que a dignidade consiste no “valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível”. LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. O direito à identidade genética do ser humano. In: Portugal-Brasil, Ano 2000, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 280. Nada obstante, como salienta Ingo Sarlet, isso, “por si só, não afasta necessariamente a possibilidade de uma abordagem de cunho crítico e não inviabiliza, ao menos não por si só, eventual relativização da dignidade, notadamente na sua condição jurídico-normativa (ou seja, na condição de princípio jurídico) e em alguma de suas facetas” 387 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 21.

388 Nesse sentido, dentre outros: STERN, Klaus. Das Staatrecht der Bundesrepublik Deutschland. München: C.H. Beck, 1988. v.3, p. 6.

122 concedida ou retirada, conquanto possa ser violada em face dos atos e fatos da vida humana.389

Assim, não faz qualquer sentido uma pessoa (digna por natureza, ou digna pelo simples fato de ser pessoa humana) ser titular de uma pretensão à qual lhe seja concedida a dignidade, pois a dignidade ela já possui, por ser pessoa humana. Por óbvio, a dignidade pode ser violada (por atos comissivos ou omissivos), caso em que a pessoa poderá ser titular de uma pretensão que vise por fim a essa violação, mas não de uma pretensão de concessão de dignidade, pois dignidade ela já possui. Mais ainda, a pessoa será titular de direitos e garantias que visem proteger e promover sua dignidade da forma mais ampla e profunda possível, como, por exemplo, os direitos fundamentais da pessoa humana consagrados na Constituição de 1988 ou os direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.390

Na esteira dos desenvolvimentos de Ingo Sarlet, há de se destacar que a dignidade “não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece,391 que – pelo menos em certo sentido – constitui dado prévio, no sentido de preexistente e anterior a toda experiência especulativa”.392 Se existe independentemente de reconhecida pelo Direito, também existe independentemente das circunstancias fáticas, vez que inerente a qualquer pessoa, pois todos são igualmente dignos, independentemente de portarem-se de forma digna em suas relações com seus semelhantes ou consigo mesmos.393 Assim, mesmo o maior dos criminosos possui dignidade.394

A dimensão ontológica retoma a ideia kantiana de dignidade, consagrando-se nos documentos jurídicos nacionais e internacionais de proteção aos direitos da pessoa humana, sobretudo após o fim da barbárie e do horror vivenciados durante a Segunda Guerra Mundial, como bem se percebe, v.g., da redação do art. 1º, da Declaração Universal dos Direitos

389 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 20-21. 390 Ibidem. p. 20 e passim.

391 Nesse sentido, dentre outros: MARTÍNEZ, Miguel Angel Alegre. La dignidad de la persona como

fundamento del ordenamiento constitucional espanõl. León: Universidad de León, 1996.

392 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 21. 393 Nesse sentido, dentre outros: PÉREZ, Jesús Gonzáles. La dignidade de la persona. Madrid: Civitas, 1986, p. 25, para quem a dignidade da pessoa não desaparece ou diminui por mais baixa que seja a conduta do ser humano.

394 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 21-22.

123 Humanos da ONU de 1948, segundo o qual “todos os seres humanos nascem livres e iguais

em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.395

Assim, a dignidade da pessoa humana, na dimensão ontológica, liga-se à autodeterminação humana, que reside na vontade livre de fazer as próprias escolhas existenciais (ao menos potencialmente), que só os seres racionais possuem. Aqui, fala-se na dignidade como qualidade intrínseca à pessoa humana, sendo todo homem digno por natureza, em face de sua ratio que o diferencia dos demais seres, tornando-o único e insubstituível.396 É digno porque é racional, é digno porque é pessoa humana.397

Nesse sentido, Günter Frankberg afirma que foi a partir da filosofia kantiana que a autonomia ética do ser humano passou a ser o ponto central da compreensão da dignidade da pessoa, em face da capacidade do homem de ditar as suas próprias leis.398 Isso é perceptível na doutrina jurídica contemporânea de um modo geral, como já demonstramos quando tratamos especificamente da dignidade da pessoa humana em Kant, contudo, de modo especial, vale lembrar a clássica definição de Günter Durig, para quem a dignidade da pessoa humana reside no fato de que “cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como da formatar a sua existência e o meio que o circunda”.399 No mesmo sentido, além da doutrina, está sedimentada a jurisprudência constitucional, como bem demonstra Ingo Sarlet exemplificando que Tribunal Constitucional da Espanha já “manifestou-se no sentido de que a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na

395 Ibidem, p. 21-23.

396 Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2009.

397 Aqui recorremos também às lições de Béatrice Maurer, segundo quem, “a inteligência a liberdade e a capacidade de amar é o que coloca a pessoa radicalmente acima do mundo animal e lhe revela a sua dignidade eminente. É isso o que faz com que lhe devamos um respeito absoluto. A experiência do que é o homem nos permite descobrir que a pessoa é irredutível aos condicionamentos psicológicos e sociológicos, isto é, que é livre e autônoma. A dignidade da pessoa humana é a primeira ‘qualidade da pessoa humana’”. MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade da pessoa humana... ou pequena fuga incompleta em torno de um tema central. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 142.

398 FRANKENBERG, Günter. Autorität und Integration: Zur Gramatik von Recht und Verfassung. Frankfurt: Suhrkamp, 2003, p. 270.

399 DÜRIG, Günter. Der Grundsatz der Menschenwürde. Entwurf eines praktikablen Wertsystems der Grundrechte aus Art. 1 Abs. I in Verbindung mit Art. 19 Abs. II des Grundgesetzes. In: AÖR, nº 81, 1956, p. 125.

124 autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais”.400

Passando-se à análise da dimensão comunicativa e relacional da dignidade da

pessoa humana, na esteira das lições de Ingo Sarlet, pode-se sustentar que a dignidade da

pessoa humana, além de ligar-se à condição humana de cada um (dimensão ontológica), liga- se, numa dimensão comunitária (também chamada de social), à “dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos reconhecidos como iguais em dignidade e direitos (na iluminada fórmula da Declaração Universal de 1948) e pela circunstância de nesta condição conviverem em determinada comunidade”.401 Em sentido semelhante, Ulfried Neumann afirma que “o princípio da dignidade humana tem, por isso, não apenas uma dimensão jurídico-estatal, mas também uma dimensão sócio-estatal”.402

Partindo da concepção de que o homem não é um ser isolado, mas sim um ser relacional que convive e se relaciona com seus semelhantes, Pérez Luño, na esteira de Werner Maihofer e inspirado, também, na ideia kantiana de dignidade, demonstra haver uma dimensão intersubjetiva da dignidade humana, na qual o ser humano é considerado para além da sua esfera individual, como membro de uma comunidade humana, sem que com isto esteja-se a defender ou justificar sacrifícios da dignidade individual em prol da sociedade.403 Como bem destaca Ingo Sarlet, a dignidade da pessoa humana (bem como a própria existência e condição humana, de acordo com Hannah Arendt404), “sem prejuízo de sua dimensão ontológica e, de certa forma, justamente em razão de se tratar do valor próprio de cada uma e de todas as pessoas, apenas faz sentido no âmbito da intersubjetividade e da pluralidade”.405

Resumindo-se: a dimensão comunicativa e relacional da dignidade da pessoa humana liga-se à dignidade que cada ser humano possui em relação ao seu próximo, vez que todos os homens são iguais em dignidade, devendo gozar do mesmo respeito e consideração. Ademais,

400 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 22. 401 Ibidem, p. 24.

402 NEUMANN, Ulfried. A dignidade humana como fardo – ou como utilizar um direito contra o respectivo titular. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 240.

403 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5.ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 318 e ss.

404 ARENDT. Hannah. A condição humana. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 8 e ss. 405 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 25.

125 trata-se da dimensão intersubjetiva, ou relacional (relação do homem com os outros homens) da pessoa, constituindo uma categoria de co-humanidade de cada indivíduo.406

Assim, em conformidade com os ensinamentos de Ingo Sarlet e para fins de delimitação acadêmica, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana consiste na dignidade individualizada de cada pessoa e comporta diversas dimensões, inclusive uma comunicativa e relacional, não se confundindo, entretanto, com a dignidade humana coletivizada, aquela que resulta da somatória da dignidade de todas as pessoas humanas, essa chamada de dignidade humana.407

Já numa perspectiva dimensional histórico-cultural, isto é, enquanto um construído histórico-cultural das sociedades humanas, tem-se que a dignidade da pessoa humana consiste, como já afirmado, num conceito que não pode ser fixado, ou mesmo totalmente delimitado, pois encontra-se em constante evolução, sendo densamente plural em face das diversas experiências da humanidade.408

Nesse sentido, já se manifestou o Tribunal Constitucional de Portugal, no Acórdão nº, 90-105-2, de 29 de março de 1990, afirmando que “a ideia de dignidade da pessoa humana, no seu conteúdo concreto – nas exigências ou corolários em que se desmultiplica – não é algo puramente apriorístico, mas que necessariamente tem de concretizar-se histórico- culturalmente”. Nessa decisão fica claro o reconhecimento, pela Corte Constitucional portuguesa, de que a dignidade não é um conceito pré-fixado, rigidamente estabelecido, e que varia de acordo com as condicionantes histórico-culturais da sociedade humana envolvida. Analisando-se a dignidade a partir da dupla dimensão negativa (protetiva) e positiva

(prestacional), pode-se dizer, de início, que a dimensão negativa reside na autonomia da

pessoa, na sua capacidade de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência, reside numa não interferência em tal autodeterminação, sob pena de violá-la. Por outro lado, a dimensão positiva reside na necessidade de proteção (assistência, prestação) por parte da comunidade e do Estado, sobretudo quando fragilizada ou inexistente a capacidade de autodeterminação.409

406 Expressão cunhada por Hasso Hofmann (Mitmenschlichkeit des Individuums). HOFMANN, Hasso. Die versprochene Menschenwürde. In: AÖR, 118, 1993.

407 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 93 e ss.

408 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 27. 409 Nesse sentido, segundo Ingo Sarlet, “de acordo com Martin Koppernock, a dignidade, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá, dadas as circunstâncias, prevalecer em face da dimensão autonômica, de tal sorte que, todo aquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável

126 Assim, a dignidade da pessoa humana consiste simultaneamente em limite e tarefa dos poderes estatais e mesmo da sociedade de um modo geral, estando, esta condição dúplice, paralelamente conexa às dimensões constitucionais defensivas e prestacionais da dignidade. Como limite, a dignidade implica na vedação jurídica de reduzir-se a pessoa a mero objeto da vontade ou da realização dos fins alheios (reificação) gerando direitos fundamentais, de cunho negativo, que visam impedir atos que a violem ou a ameacem violar. Como tarefa, a dignidade impõe deveres fundamentais (implícitos ou explícitos) ao Estado de proteção e promoção da própria dignidade de todos, bem como dos direitos fundamentais a ela inerentes.410

Dessa dupla dimensão, em especial da dimensão prestacional, emerge a perspectiva

dimensional da dignidade da vida humana, partindo-se do pressuposto de que toda e qualquer

vida humana merece consideração e respeito, mesmo que o ser humano não possua capacidade de autodeterminação ou ela esteja fragilizada, assim, defende-se que têm dignidade, por exemplo, as pessoas com deficiência mental.411

Aqui, partindo-se das considerações de Jürgen Habermas, pode-se sustentar que a vida humana, ou mesmo a potencial vida humana, possuí uma dignidade em si mesma. Deste modo, merece proteção e respeito, inclusive, o feto humano antes mesmo do nascimento, vez que se trata de uma vida humana em potencial. Isso se dá em face não só da própria humanidade em potencial que nele reside, mas também em face da sua pré-socialização no mundo, como por exemplo, nos discursos e na preparação dos pais e familiares da criança que há de nascer.412

(de modo especial no âmbito da biomedicina e bioética) poderá até mesmo perder – pela nomeação eventual de um curador ou submissão involuntária a tratamento médico e/ou internação – o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, restando-lhe, contudo, o direito a ser tratado com dignidade (protegido e assistido)”. Ibidem, p. 30.

410 Ibidem, p. 32 411 Ibidem, p. 31

412 Nesse sentido, sustenta Habermas: “Ninguém duvida do valor intrínseco da vida humana antes do nascimento – quer a chamemos simplesmente de “sagrada”, quer recusemos tal “sacralização” daquilo que constitui um fim em si mesmo [...] Uma vez que o ser humano nasce “incompleto”, no sentido biológico, e passa a vida dependendo do auxílio, da atenção e do reconhecimento do seu ambiente social, a imperfeição de uma individualização fruto de sequências de DNA tornar-se momentaneamente visível quando tem início o processo de individualização social. A individualização da história de vida realiza-se por meio da socialização. Aquilo que somente pelo nascimento, transforma o organismo numa pessoa, no sentido completo da palavra, é o ato socialmente individualizante de admissão no contexto público de interação de um mundo da vida partilhado intersubjetivamente. Somente a partir do momento em que a simbiose com a mãe é rompida é que a criança entra num mundo de pessoas, que vão ao seu encontro, que lhe dirigem a palavra e podem conversar com ela. O ser geneticamente individualizado no ventre materno, enquanto exemplar de uma comunidade reprodutiva, não é absolutamente uma pessoa “já pronta”. Apenas na esfera pública de uma comunidade linguística é que o ser natural se transforma ao mesmo tempo em indivíduo e em pessoa dotada de razão [...] Na rede simbólica das relações de reconhecimento recíprocas entre pessoas que agem visando à comunicação, o recém-nascido é identificado como “um” ou “um de nós” e aprende aos poucos a identificar totalmente como pessoa como parte

127 Em sentido semelhante encontra-se, também, a doutrina de Ronald Dworkin, para quem, a dignidade possui tanto uma voz ativa quanto uma voz passiva sendo que ambas se encontram conectadas, de modo que mesmo uma pessoa que não possui consciência de sua dignidade merece respeito e consideração por ela (dignidade), em face do valor intrínseco da vida humana.413 Ao justificar o valor transcendental da vida humana, Dworkin afirma que “a razão mais forte que temos para querer que os outros respeitem o valor intrínseco da vida humana, segundo as exigências que (a nosso ver) esse valor impõe, não é de modo algum nossa preocupação com nossos interesses e os de outras pessoas, mas sim nosso respeito pelo valor em si mesmo”.414

Por último, examinando-se a dignidade a partir da dimensão identificada pela

fórmula do homem-objeto – criada por Günter Dürig415 e acolhida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha – tem-se que toda vez que o ser humano for reduzido a objeto, a coisa (processo de reificação da pessoa), a mero instrumento de realização dos fins alheios (aqui, nota-se a forte inspiração kantiana da fórmula de Dürig416), sempre que o ser humano

ou membro de sua(s) comunidade(s) social(is) e como indivíduo único e inconfundível, sendo também moralmente insubstituível. Nessa diferenciação da auto-referência reflete-se a estrutura da comunicação linguística. Somente aqui, no space of reasons [espaço das rezaões] colocado em discussão (Sellars), é que o patrimônio cultural da espécie representado pela razão pode desenvolver sua força unificadora e formadora de consenso, na diferença das múltiplas perspectivas de si próprio e do mundo [...] Antes de ser inserida em contexto públicos de interação, a vida humana, enquanto ponto de referência dos nossos deveres, goza de proteção legal, sem ser, por si só, um sujeito de deveres e um portador de direitos humanos. Disso não devemos tirar conclusões erradas. Os pais não apenas falam sobre a criança que cresce in útero, mas, de certo modo,

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