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A Democracia Representativa em tempos de democracia participativa e deliberativa

1 PLURALISMO POLÍTICO, REPUBLICANISMO E MAXIMALISMO

1.2 MODELOS CONTEMPORÂNEOS DE DEMOCRACIA

1.2.4 A Democracia Representativa em tempos de democracia participativa e deliberativa

A representação está presente nas relações de poder de toda sociedade. Tal poder sobrevive através de uma harmonia instável que exige um governo organizado para manter um equilibrado convívio social. Dessa forma, a representação promove um novo espaço de compreensão por meio da inserção de atores que politicamente realizem os papeis dos polos sociais conflitantes.

Elabora-se, por conseguinte, um local de poder, não limitado por forças difusas da sociedade, e sim, um espaço politicamente organizado sobre a sociedade. O governo, nesse interim, não pode criar um espaço uno, mas meios para a implementação dos objetivos dele esperados, e deve concretizar suas finalidades de promoção do sistema de qualidade do indivíduo que constitui a sociedade na qual exercerá o seu poder (MILL, 2006, p. 35).

Compreendida como o meio de transformar em caminho consonante o conflito racional de interesses e opiniões axiológicas, a representação viabiliza a concretização do bem comum de uma sociedade. Não obstante, a representação não substitui a soberania popular, nem pode ser usada como instrumento de dominação de uma classe social sobre outra. Deve, sim, compatibilizar a participação democrática de todos no exercício do poder, respeitados os direitos da minoria. Mill (2006, p. 54), cristalizando a compreensão acima, ensina que um

“governo totalmente popular” é a única forma de reivindicar a concretização do exercício imaginativo do seu construtivismo, promovendo em grande quantidade as qualidades e condições indispensáveis ao melhoramento da vida comum

O governo representativo é, pois, aquele no qual “[...] o povo inteiro ou uma parte numerosa dele exerce através dos deputados periodicamente eleitos pelo povo, o extremo poder controlador que, em qualquer constituição, deve residir em alguma parte” (Ibidem, p. 78).

A crise e restrições da democracia representativa, baseada em procedimentos, foram incapazes de sanar a questão do acesso dos diversos atores sociais ao debate público e, também, não logrou êxito em dispor meios alternativos ao problema da exclusão e da desigualdade social. Em decorrência disso, a democracia participativa aparece como um modelo de democracia alternativo em substituição ao representativo, destacando a participação como forma de sanar a exclusão social, sendo provedora da efetiva da cidadania (CUNNINGHAM, 2009, p. 11).

O termo “participação” integrou-se ao vocabulário político popular mediante as manifestações da sociedade, principalmente, àquelas implantadas pelos estudantes (nível superior), pela abertura de novos campos de participação e, também, por diversos grupos que almejavam a implementação de direitos que eles entendiam lhes pertencer, questões estas que se intensificaram na década de 60 do século passado. Tais fatos influenciaram para a configuração do modelo democrático atual, como uma consequência intelectual do século XX, na evolução da sociologia política e na redução de Estados considerados totalitários (PATERMAN, 1992, p. 09-10).

Sem embargo, a participação deve ser limitada, com o intuito de manter o governo democrático, ou melhor, a máquina eleitoral em adequado funcionamento, devendo haver um nível de coerência “[...] entre a estrutura de autoridade do governo e as estruturas não- governamentais” (ibidem, p. 25).

É preciso pontuar que a participação da sociedade civil nas decisões políticas é garantida dentro dos principais aspectos da democracia representativa. Porém, inexiste a ruptura com o modelo de representação político-eleitoral tradicional, donde o processo de democratização atual se consubstancia na passagem da democracia representativa para a democracia direta, ampliando o poder ascendente (de baixo para cima), da esfera da sociedade política para a esfera da sociedade civil, onde ocorre a abertura de novos campos para a democracia representativa (MONTEIRO; MOURA; LACERDA: 2015, p. 164-165).

Os moldes participativos das instituições provocam resultados diversos no contexto democrático brasileiro. Por certo, os modelos democráticos apresentados até aqui não só

demonstraram o conhecimento acerca do quanto um governo é democrático, ou mais representativo na esfera eleitoral, mas de até onde se ampliam os locais de representação não- eleitoral na comunidade do país.

Nesse intuito, os padrões institucionais de cada espaço participativo se tornam insuficientes diante dos anseios sociais para a concretude da deliberação. Seria inegável a necessidade de um desenvolvimento analítico para examinar o nível das inovações institucionais já realizadas em prol da efetividade dos ideais democráticos de participação e deliberação (MONTEIRO; MOURA; LACERDA, 2015, p. 181-182).

É indiscutível que a sociedade civil possui essencial função na teoria democrática deliberativa. A teoria, com início nos séculos XVIII e XIX, está ligada à sociedade burguesa, que define a democracia como fórum, local de debates. Dessa forma, questões de cunho normativo são inseridas no processo argumentativo que antecede ao momento decisório e são utilizadas como meio de pressão (HABERMAS, 1997a, p. 91).

Nesta quadra, uma genuína opinião pública democrática se materializa quando as vozes dos cidadãos forem ouvidas concretamente, através de “mecanismos de representação, bem como da ampliação de instituições diretamente participativas”. (SILVA LG; SILVA LAMG; CERQUEIRA, 2015, p. 274).

Ocorre que, com o desenvolvimento das estruturas sociais e da inovação na política, a sociedade civil ganhou um novo rumo. Dessa forma, as associações e as organizações livres, com caráter não estatal e não econômico, alicerçam as estruturas de comunicação da esfera pública no centro institucional da sociedade civil o que, consequentemente, a torna responsável pelo agir comunicativo. Tal agir comunicativo resgata as questões controversas da esfera privada e transfere-as à esfera pública, por meio de debates, para resultar na deliberação decorrente da pressão do mundo sistêmico. Claro está que se busca assegurar formas de consciência e de bem-estar para salvaguardar as unidades da esfera pública e da sociedade civil. O agir comunicativo precisa dessas garantias para a concretude de um processo debatedor livre de mutações (HABERMAS, 1997a, p. 418-419).

Para ilustrar os apontamentos desse novo modelo de democracia, segue abaixo:

Quadro 1: Principais aspectos da Democracia Representativa e da Democracia Deliberativa

Democracia

Representativa Deliberativa

Participação direta dos indivíduos na regulação de sua comunidade local e do seu ambiente de trabalho.

Fóruns públicos abertos

para fundamentos

contrários e a novos dados e informações.

Sistema político aberto ao autogoverno da

população, com

experimentos sem a

mediação da

representação.

Grupos elaborados para a proposta de políticas públicas, com a abertura para transformação de opinião.

Partidos políticos com prestação de contas realizadas de forma direta com seus filiados.

Experiências com cidadãos escolhidos especificamente

por amostragem

representativa da

população.

Fonte: Adaptação de Monteiro, Moura e Lacerda (2015, p.183).

O que se extrai do quadro acima é a distinção entre os dois modelos democráticos. Apesar de ambos visarem intermediar os déficits das democracias liberais, ocorre uma lacuna, no âmbito participativo, de participação e incentivo político. De logo, percebe-se a necessidade de um modelo democrático que se harmonize entre os ideais representativos e os participativos, cujo escopo não é criar novos modelos teóricos analíticos e, sim, buscar uma análise apta a integrar as questões que versem sobre a inclusão e a representação social, com atenção especial ao debate e ao desenvolvimento social e político nos campos participativos.