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4 O TERMO DE AJUSTAMENTO DE GESTÃO (TAG) COMO NOVA FORMA DE

4.4 O TAG COMO INSTRUMENTO DO ATIVISMO DE CONTAS

O êxito do controle está relacionado à legalidade e à legitimidade, pois são cernes da ética, da justiça e do socialmente útil para a formação de um ambiente de paz entre os cidadãos, com o fito de servir aos outros e de atingir fins públicos. Sem que se deixe de lado a questão moral e da verdade material, onde Habermas (2004, p. 59) afirma não se dispor de uma fórmula pronta para o problema da ação moralmente autorreferente, mas um deslocamento para “[...] as zonas entre ordens nacionais e i4,3nternacionais, de legalidade incerta, cujas constituições democráticas existem mais ou menos apenas no papel”. O concreto é uma estrutura social que

ocorre plenamente em meio à diversidade de deveres. O reconhecimento social se mostra, portanto, na obediência à Norma Jurídica vez que, todo o conjunto procedimental, quer de ordem administrativa, judicial, legislativa, e mais outras, se relacionam e ajustam na direção de satisfazer interesses comuns, assegurando-lhes respeito e dignidade às solicitações que começam pequenas no dia a dia.

Há toda uma questão circundante quanto à legitimidade do ativismo. Por exemplo, Koerner (2016, p. 233) mergulhou na concepção de ativismo judicial nos Estados Unidos, comparando-o a um problema intelectual e jurídico. O conceito que o estudioso apresenta é o de que ativismo judicial “[...] é um termo utilizado para apreciar as instituições e agentes judiciais nas democracias contemporâneas, com o qual se coloca o problema do papel apropriado do Poder Judiciário, o modelo de decisão judicial e o comportamento dos juízes”. Menciona que mais críticas se voltaram para o cerne da “[...] questão da autonomia do juiz, a análise demasiadamente simplificadora dos processos de decisão judicial e a colagem dos agentes a suas identidades institucionais” (KOERNER, 2016, p. 234) e que os termos da problemática estão atrelados à questão normativa quando se tem que discernir o papel adequado do Judiciário na democracia. Ora, isto parece significar que há um ativismo impróprio sobre o qual não se pondera, algo como uma imposição inquestionável do poder judiciário.

Mas, lembrando o que ocorre nos EUA, é relevante a afirmação de que o ativismo judicial outra coisa não seria que “[...] a atuação da Corte em decisões fundadas em princípios e regras constitucionais, de defesa da Constituição contra as invasões, omissões e excessos dos outros poderes” (KOERNER, 2016, p. 242). O ativismo ocorre quando um poder adentra na esfera do outro de forma excepcional para fazer valer, por exemplo um direito fundamental de um cidadão. A título de ilustração: quando o poder executivo nega uma cirurgia bariátrica imprescindível para a vida de um indivíduo e este aciona o poder judiciário que força o poder executivo a fazê-la sob pena de multa diária.

A extensa análise de Koerner (2016, p.236) menciona o Brasil apenas duas vezes, na primeira retorna ao tempo do Império, quando vinham ocorrendo conflitos “[...] desde o Segundo Reinado até a Primeira República, em particular o confronto entre as prerrogativas do presidente da república e a proteção dos direitos civis e políticos”; e a segunda, ao comentar que nos moldes de Tate e Vallinder (1995, s/n), o ativismo “[...] é uma das condições para a judicialização da política”, tema prioritário no debate acerca de “[...] política comparada, ciência política e direito constitucional em outras partes do mundo, incluindo o Brasil” (TATE; VALLINDER, 1995, s/n).

Numa abordagem que mais se aproxima da realidade brasileira, a questão do ativismo judicial, segundo Negrelly (2010, p. 1419) “[...] vem se mostrando cada vez mais presente no cotidiano do Poder Judiciário” destacando-se “[...] a inobservância das instituições majoritárias e o ferimento à separação de poderes” como “[...] fatores prima facie, estremecedores da democracia”, o que é visível no desenrolar do momento atual da política no Brasil, onde se evidencia uma ruptura e um desentendimento difíceis de serem resolvidos entre os três Poderes. O Poder Judiciário brasileiro tem aumentado gradativamente a sua ação, assumindo uma função significativa quando se trata de discussões políticas, ainda que os integrantes desse Poder não sejam agentes públicos escolhidos em votação popular, o que não lhes confere a representatividade do povo.

Ao que se pode observar, há, novamente, dois pontos equidistantes que mostram uma situação cidadã na qual o mesmo povo que elege seus representantes também espera da justiça a espada “vingadora”. Ao lado estão as margens da corrupção a sugerir a compra e a conivência de juízes, tudo isto enforcando qualquer possibilidade da concretização do Estado de Direito e do exercício pleno da Democracia-Cidadã, quando a Carta Maior vem sendo desprezada, perdendo sua aura de divindade legal.

De qualquer forma, Negrelly (2010, p. 1425) consegue divisar em toda esta situação, a atualidade do protagonismo do Judiciário como um fator positivo no íntimo da constitucionalidade, o que ocorre a partir do alargamento de suas atribuições sem prejuízo da violação do equilíbrio político “[...] conjugado ao pleno respeito aos dois pilares do sistema democrático constitucional: do poder político e garantia à soberania popular, e; garantia aos direitos dos cidadãos”. Ousa-se sugerir o lado negativo, este que se tem acompanhado fartamente no ambiente midiático, quando antes inalcançáveis personalidades do mundo jurídico-político agora se expõem com suas mazelas, preferências e atitudes vistas pelo povo como injustas, corruptas, contraditórias e que perigosamente ferem os direitos constitucionais da democracia-cidadã.

A legalidade e o procedimento legal convivem em nossa sociedade num clima de insatisfação que gera o clamor por senso de justiça. Não obstante, a teoria do Direito não é considerada uma teoria da justiça, ela é uma teoria da prestação jurisdicional e do discurso jurídico. O Direito é intimado por conteúdos éticos e morais com origem nas lutas sociais e política, porém a vontade de substituir o direito pela Ética beneficia os poderosos, o que vem a alterar a instituição Estado de Direito. Esclareça-se o ponto em que, de acordo com Grau (2017, p. 134-141), os juízes decidem aplicando o Direito (de forma não subjetiva, mas aplicando a Constituição e as leis), todavia não fazem justiça e, ainda, que, nos cursos de Direito, aprende-

se essa ciência, mas não a Justiça, além do que, a ética adotada pelo Direito moderno (Direito Positivo) é a da legalidade, ignorando, muitas vezes, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

O povo, por sua vez, tem seus próprios critérios de decisão e de julgamento, por sinal, muito complexos, porém lúcidos, quando, e.g., nota a rigidez de sentenças condenatórias para os pobres, para os negros; a benevolência e a parcialidade; a tornozeleira eletrônica; a prisão domiciliar e até o perdão para os brancos e ricos, mostrando a desigualdade de tratamento, fazendo-se necessária a existência de práticas ativistas visando minimizar distorções de tratamento.

De outra parte, Grau (2017, p. 22) defende a legalidade e o Direito Positivo, que, para ele é o último instrumento em favor das classes oprimidas, pelo qual a sociedade e o seu enorme contingente de humildes estarão seguros, protegidos e terão garantidos os seus direitos no que se refere o modelo de produção social dominante.

São vertentes que cuidam do ativismo: a que se contrapõe a ele alegando que há de haver supremacia da lei e aqueles que entendem que a lei pode ser amparada pela aplicação de princípios que assegurem a efetividade dos direitos do cidadão.

Feitas estas considerações, passa-se a examinar o ativismo de Contas diante da democracia e do Estado de direito, observados os seus limites.

Recentes levantamentos estatísticos do TCU (Tribunal de Contas da União), disponíveis on-line, como também do TCE/SE (Tribunal de Contas do Estado de Sergipe) mantêm dados atualizados, apontando contas irregulares e créditos bloqueados de prefeituras em face de obras ou serviços reprovados em seus orçamentos, desobedientes à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e toda uma ebulição de escândalos de malversação do erário, justo em meio à ação da Lava Jato, comandada na parte investigativa pela Polícia Federal. E se isto ocorre desta forma, que pode a população pensar o que estaria acontecendo se fosse mantido silêncio sobre tais fatos?

Se cada cidadão passar a compreender que o ativismo tem uma única face, a má, não será uma solução boa para o país, pois afastará de vez a possibilidade de um ativismo empenhado em cuidar do que é público, em fazer valer a participação popular e o princípio da transparência. Continua-se engendrando uma argumentação que conduz a um problema já tratado pelo filósofo grego Aristóteles sobre a ambiguidade, o contraditório e a univocidade. Será que esta reflexão se posiciona na contramão dos significados? É precoce alguma afirmação certeira. Para Cumpri (2012, p. 66), a análise desses itens distintivos atravessa lentamente os séculos e se mantém “[...] presente nas discussões acerca da resolução dos problemas da significação, de

interpretação na linguagem e da explicação de fatos ambíguos”. O termo ativismo é, em si mesmo, ambíguo, pelo menos como tem sido utilizado e confundido com manifestações político-partidárias e não com o significado de um movimento natural em que as pessoas agem para conseguir mudar situações injustas e constrangedoras. Quando essa ação se desvirtua, logo aparecem muitos para acusarem os atores de ativistas, isto num ângulo pejorativo. O termo e o significado que lhe é imposto torna-se, pois, um problema para além da própria ação. “No Brasil, por exemplo, toda dubiedade da linguagem ganha destaque, sobretudo, nos códigos penais e constitucionais” dando espaços para uma miríade de interpretações “[...] que são apropriadas por cada partição de acordo com suas conjecturas e interesses”.

É típico das contas públicas ou não, a questão dos interesses, das conjecturas e das subjetividades. O casamento entre a palavra e o número nunca foi visto com bons olhos, o número dito exato, imutável, perfeito, objetivo; a palavra nada disto teria, mas justamente, deve- se às sutilezas, aos refinamentos das línguas e, mais, à característica de “[...] indeterminação da linguagem que podemos apreender valores situacionais criando ora estabilidade, ora instabilidade e apreender valores formativos criando ora contextos contributivos à autorregulação, ora à descentralização” (CUMPRI, 2012, p. 246). Por se falar de linguagem, atualmente não se pode mais pensar em linguagem e novos códigos comunicacionais sem evocar o importante papel e a influência do mundo digital, tudo está na rede mundial de computadores em um monumental ativismo cheio de características muito móveis e surpreendentes.

O Código de Processo Civil de 2015 traz na esfera processual, distintos meios de solução de conflitos que se referem às transformações necessárias, como exemplo a elaboração dos Juizados Especiais Cíveis, a nova lei de arbitragem e o Código de Defesa do Consumidor e o Termo de ajustamento de conduta, este celebrado pelo Ministério Público e pelo princípio da simetria, pode ser empregado o Termo de Ajustamento de Gestão, adotado por Cortes de Contas.

As contas públicas, como se pode observar, estão nos portais do Governo, com acesso livre a todos os cidadãos, formando um novo contexto em relação as esferas ativistas, sejam quais forem os significados que se atribuam ao termo em questão. Logo, considerando o acima exposto, é forçoso reconhecer-se que as Cortes de Contas, igualmente às Judiciárias, podem e devem praticar o ativismo de contas, posto que nem sempre o texto literal da lei conduz à melhor solução, não só para o controle externo da Pública Administração, bem como para o melhor uso dos recursos disponíveis, tornando-os eficazes no seu objetivo final. Para tanto se faz necessário a adoção dos TAGs que propiciam ao controlador as convicções mais viáveis de solução de

conflitos onde não exista dolo ou má-fé, por parte do gestor, para mediante uma análise principiológica da lei se estabelecer ajustes para a correção de rumos das ações irregulares dos gestores públicos, conforme os princípios do direito administrativo. Eis aí o ativismo através dos TAGs, porque estes, na composição com os gestores, não se prendem à letra fria da lei (literal), mas sim aos princípios instituídos na carta republicana e no direito.