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4 O TERMO DE AJUSTAMENTO DE GESTÃO (TAG) COMO NOVA FORMA DE

4.5 PREVISÃO LEGAL

A solução de conflitos, como já mencionado em outro viés, é também compreendida como justiça alternativa, justiça amigável, consensual, convencional e até privada, que exige uma solução igualitária, sem formalismos e, consequentemente, menos custosa e mais célere. Surgindo também a necessidade da substituição do modelo de controle sancionatório pelo controle consensual.

Seria impensável, diante da nova estrutura administrativa pautada em resultado, obstar a implementação de mecanismos de controle perante as crescentes demandas econômico-sociais. Por tal razão, as Cortes de Contas possuem prerrogativas de rever e realinhar um ato administrativo em consonância com os fundamentos da lei, desde que isto implique na não concretização dos anseios sociais.

Outrossim, não se pode atrelar o controle externo das Cortes de Contas ao dualismo de fiscalização-punição, buscando reafirmar estruturas atuais de Estado caminhando em linha direta à evolução. Logo, o Termo de Ajustamento de Gestão fundamenta-se, inicialmente, do quanto extraído do Preâmbulo da Constituição da República, ou seja, para a resolução pacífica dos conflitos68.

Oportuno debater, neste passo, se o mecanismo de solução de conflitos viola os ditames previstos na Carta Magna, analisando-o sob a ótica do princípio da juridicidade administrativa e dos demais princípios contidos na Constituição. A juridicidade administrativa define-se como um aprofundamento da compreensão acerca do princípio primordial da legalidade, disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2010a), no qual estabelece o denominado “bloco da legalidade” através do sistema principiológico-valorativo e de seus

68 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 2010a)

direitos fundamentais, o que condiciona atuação da função administrativa, obrigando-a estritamente ao seu fiel cumprimento.

Contudo, é inegável que o Estado não pode fugir da sua função essencial de promover a justiça social, conforme premissa suprema estabelecida pela Constituição da República Federativa de 1988. Sendo assim, não há de se falar da inconstitucionalidade do TAG, pois sendo ele uma espécie de consenso entre administrados e fiscalizados, otimiza a solução de conflitos, que é facultada pelo Preâmbulo da Carta federal, evitando processo longo, demorado que, por si só, fragiliza o controle externo da Pública Administração.

A Constituição Federal de 1988 não traz expressamente em seu texto o Termo de Ajustamento de Gestão, daí o caráter imprescindível dos TAGs produzidos pelos Tribunais de Contas em decorrência dos poderes implícitos que lhes são concedidos no art. 71da Lei Maior (BRASIL, 2010a). Deste modo, se torna possível a sua aplicação, como facilitador da concretização do ideal social, através do consenso nas decisões das Cortes de Contas, visto que na execução do controle externo, o Tribunal de Contas é responsável por determinar prazo para que órgão ou entidade sob seu controle adote providências necessárias ao cumprimento da lei, como se vê no art. 71, IX da Lei Maior (BRASIL, 2010a), pois trata de uma aceitação, via transversa, entre o Tribunal e o gestor, evitando, assim, num primeiro momento a imputação da sanção, que só será aplicada, se não forem cumpridas as determinações ali previstas.

Quanto a efetiva aplicabilidade jurídica-constitucional do TAG, é de se evocar da máxima que quem pode o mais, pode o menos (oriunda do latim cui licet quod est plus, licet utique quod est mi nus). Dessa forma, se a Corte de Contas possui competência constitucional para, por iniciativa própria, realizar inspeções e auditorias (art. 71, IV), também, lhe compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público (art. 71, II), e pode ainda aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei (art. 71, VIII), fica claro e robustecido o argumento da possibilidade de se celebrar TAG com fulcro no art. 71, IX, da Carta Magna.

Inegável que os Tribunais de Contas, diante da inexistência de amparo regulatório, através da prática ativista, buscam, de forma eficiente, sanar impropriedades de gestores públicos e minimizar eventuais danos à sociedade, utilizando-se do Termo de Ajustamento de Gestão, como meio preventivo, de modo a reparar práticas irregulares.

Para tanto, o atual Código de Processo Civil (CPC)69 brasileiro, em seu art. 174, inciso III, estabelece o termo de ajustamento de conduta, que simetricamente reforça as competências dos Tribunas de Contas quanto a utilização dos TAGs.

Mais recentemente, a juridicidade dos TAGs foi consolidada com a interpretação sobre o ativismo de contas, com a Teoria dos Poderes Implícitos conferidos aos TCs, com o CPC, norma de cunho geral e, por último, com a edição da Lei nº 13.655/201870 que incorporou na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro novos dispositivos de princípios gerais que devem ser seguidos em decisões advindas de órgãos públicos, como as do judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, avigorando a atribuição de controle dos Tribunais de Contas, efetivando a segurança jurídica e a eficiência na elaboração e na aplicação do direito público, minimizando, assim, o grau de indeterminação das normas públicas e a instabilidade de atos jurídicos e administrativos, especialmente, através da regulação sobre a celebração de compromisso, com o objetivo de prevenir e/ou eliminar irregularidades.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, autônoma e independente, abrange princípios determinativos da aplicabilidade das normas, casos de hermenêutica jurídica sobre direito privado e direito público, além de possuir normas de direito internacional privado.

A nova lei não retira os poderes de agentes públicos, nem limita a possibilidade de sua responsabilização, ao assegurar que o agente responde pessoalmente pela tomada de decisões, caso ocorra dolo ou erro grosseiro em suas ações. Percebe-se que a lei conserva todas as qualidades da máquina pública, especialmente as ferramentas de controle, além de contribuir para reduzir o número de processos em face de gestores.

Enfatize-se que a lei em questão não restringe as atribuições dos Tribunais de Contas, apenas autoriza ao Poder Judiciário declarar a validade de atos jurídicos, cujo intuito não é retirar a titularidade da competência do Tribunal de Contas e, sim, determinar que o órgão motive de forma clara e especifica os efeitos de suas decisões, como meio de reduzir ou dirimir a lentidão da conclusão de processos administrativos ou judiciais e acelerar a aplicabilidade dos efeitos de uma decisão de invalidação.

A nova legislação, por conseguinte, intenciona surtir efeitos nos mecanismos de controle na gestão pública - lei de improbidade administrativa, licitações, entre outros. Ademais, tende

69Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação,

com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: [...]

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta (BRASIL, 2015).

70 Oriunda do Projeto de Lei nº 7448/2017 de autoria do Senador Antônio Anastasia, sancionado em 25/04/2018,

a limitar a luta em face dos maus gestores públicos, na esfera dos Tribunais de Contas e do Judiciário.

Em relação ao Termo de Ajustamento de Gestão, a Lei estabelece a transição para a efetividade de interpretações inovadoras, através da implementação de “compromisso71” para corrigir situações irregulares. Decerto, a democracia exige que a administração atue de forma consensual e, a lei autoriza a solução de possíveis irregularidades por meio dessa linha de atuação, nos moldes do art. 26, parágrafo primeiro e incisos da lei em comento.

O dispositivo acima confere a possibilidade de a autoridade administrativa celebrar um acordo/compromisso com os particulares, em prol da extinção ou prevenção de impropriedades, incertezas jurídicas ou um litígio. Permitindo, deste modo, acordos administrativos diante de eventuais fatos contenciosos. Para o firmamento do compromisso, além dos requisitos estabelecidos pelo §1º, exige-se a manifestação prévia do Órgão jurídico - AGU, PGE, entre outros.

Assim, cumpre pontuar que a Lei 13.655/2018, igualmente, permite o firmamento de ajustes, porém, não insere em seus dispositivos qualquer menção que os compromissos não podem ser pactuados em condutas dolosas, aspecto que obstaculiza a celebração de um TAG.

Conforme demonstrar-se-á na seção seguinte, no âmbito do Estado de Sergipe, o TAG foi adotado pela Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado (Lei Complementar Estadual n.º 205, de 06 de julho de 2011), trazendo em seu art. 52 a menção expressa ao precitado Termo72, como também está no Regimento Interno daquele órgão toda a processualística pertinente, ex vi dos arts. 122 a 130.

Convém suscitar a relevância dos TAGs, visto que foi um dos itens de critérios de avaliação dos Tribunais de Contas do Brasil, em pesquisa do Marco de Medição de desempenho dos Tribunais de Contas73 (MMD/TCs), elaborado pelo Instituto Rui Barbosa. Esta avaliação, a nível nacional, busca promover avanços institucionais nos Tribunais e fomentar o sistema

71 Termo utilizado pela Lei, equivalendo a acordos e ajustes.

72 Art. 52. O Tribunal pode, de forma alternativa ou cumulativa às providências mencionadas nos arts. 50 e 51,

celebrar com a autoridade competente, para o desfazimento e/ou saneamento do ato ou negócio jurídico impugnado, Termo de Ajustamento de Gestão – TAG, conforme disposto neste artigo, no Regimento Interno e na legislação correlata.

§ 1º O Termo de Ajustamento de Gestão deve conter, dentre outras cláusulas pertinentes:

I – a identificação precisa da obrigação ajustada e da autoridade responsável pelo adimplemento da obrigação; II – a estipulação do prazo para o cumprimento da obrigação;

III – a expressa adesão de todos os signatários às suas disposições;

IV – as sanções a serem aplicadas em caso de inadimplemento da obrigação, especificando-se expressamente o valor da multa a ser aplicada em caso do seu descumprimento.

73 Consta como critério de avaliação dos TCs, necessidade de monitoramento do cumprimento do TAG, no item

11.3.6: Os compromissos assumidos nos termos de ajuste de gestão são monitorados regularmente pela unidade responsável.

Tribunal de Contas como fundamental ao controle dos recursos públicos, à cidadania e estímulo à transparência das informações.

Disso extrai-se que os Tribunais de Contas orientarão os Poderes ou órgãos acerca de constatações e de irregularidades na administração respectiva, através da formalização do TAG para apresentar as possibilidades de solução ou de saneamento dos danos relativos à sua gestão, aplicando a função pedagógica de conscientizar e prevenir, dispensando até então a figura da sanção.

4.6 A IDEIA DO CONSENSO E O TERMO DE AJUSTAMENTO DE GESTÃO À LUZ