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3 FORMAÇÃO DE PROFESSOR DIALOGANDO COM A LITERATURA

3.3 A (DES)PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES

Para Núñez e Ramalho (2004), o processo da profissionalização docente tem sido bastante longo e intrincado. Esse processo iniciou-se no Ocidente no século XVII, em um momento de muitas transformações a nível educacional, em virtude de fatores de ordem política, econômica e social. Os autores afirmam que, ao longo da história, têm-se deparado com três modelos de professor: o professor leigo,

o professor técnico e o professor profissional. Esses correspondem aos estágios do processo histórico de construção da docência.

Ao falar de profissionalização, não se pretende entrar no amplo debate sobre as profissões e suas particularidades, e nem tampouco no aprofundamento de seus princípios. As discussões e as ideias, disseminadas através de pesquisas sobre a profissionalização de professores, constituem um dos assuntos mais polêmicos no campo da formação de professores, e muitos autores as consideram como problemática chave nas reformas educacionais.

A profissionalização dos professores, pela sua complexidade, e porque se trata de (des)construção de identidades, não pode ser feita por exclusão ou determinações legais. Entende-se que os professores devem trabalhar no sentido de construir uma nova representação, um redimensionamento da docência como atividade profissional; entretanto, cabe ressaltar que isso ganha mais força quando esse processo faz parte de projetos pessoais e, consequentemente, coletivos.

A profissionalização é um movimento ideológico, na medida em que repousa em novas representações da educação e do ser do professor no interior do sistema educativo. É um processo de socialização, de comunicação, de reconhecimento, de decisão, de negociação entre os projetos individuais e os dos grupos profissionais. Mas é também um processo político e econômico, porque no plano das práticas e das organizações induz novos modos de gestão do trabalho docente e de relações de poder entre os grupos, no seio da instituição escolar e fora dela. (NÚÑEZ; RAMALHO, 2008, p. 4).

Para Veiga (1998, p. 76),

a profissionalidade não é um processo que se produz de forma endógena. O processo de profissionalização envolve um esforço da categoria para efetivar uma mudança tanto no trabalho pedagógico que desenvolve, quanto na sua posição da sociedade. Isso porque o trabalho pedagógico é ligado as finalidades e aos objetivos e, portanto, carregado de intencionalidade política […] o processo de profissionalização não é movimento linear e hierárquico. Não se trata de uma questão meramente técnica. O que se espera e se deseja é que a profissionalização do magistério seja um movimento de conjugação de esforços, no sentido de se construir uma identidade profissional unitária, alicerçada na articulação entre a formação inicial e continuada e exercício profissional regulado por um estatuto social e econômico, tendo como fundamento a relação entre teoria e prática, ensino e pesquisa, conteúdo especifico e conteúdo pedagógico.

Quanto à polêmica que envolve a temática, Contreras (2002) explica que existem duas razões porque o assunto é polêmico: que, apesar da palavra profissional primeiramente parecer aludir às características e habilidades práticas do professor, possui no seu âmago aspectos que normalmente são entendidos como positivos e desejáveis; mas que, entretanto, faz-se necessário descortiná-los, no sentido de fazer uma análise mais profícua. Ainda o mesmo autor assegura que como toda a temática em educação, essa está longe de ser ingênua ou neutra.

De acordo com Imbernón (2006), o aceitar a docência como uma profissão não será para assumir privilégios em relação aos outros, mas para que, mediante o exercício, o conhecimento específico do professor e professora se ponha a serviço da mudança e da dignificação de outros seres inteligentes. Assim, “ser profissional da educação significará participar da emancipação das pessoas”. (p. 27).

Tal emancipação define-se no contexto das relações capitalistas de produção. No sentido de garantir o controle do processo produtivo, o trabalho era subdividido em especialidades cada vez mais simples. Assim, mesmo que os operários ficassem mais bem preparados, em atividades mais específicas na cadeia produtiva, eles se distanciavam do trabalho menos especializado; deixando as habilidades que antes eram requeridas para desempenharem suas funções. Esta prática, como é sabida, teve o seu ponto alto no taylorismo, em que se percebe a nítida subtração da qualidade dos operários, substituindo o trabalho em tarefas mínimas, isoladas; o que os afastavam e os privavam de compreensão do significado de todo o processo produtivo e de tomada de decisões. Sendo assim, toda a mão-de-obra terá que depender do controle da gestão administrativa da empresa e, principalmente, do conhecimento cientifico e tecnológico dos abalizados. Apple (1995) caracteriza a estratégia taylorísta como uma tecnologia gerencial para desqualificar os trabalhadores e separar a concepção da execução. Ainda afirma que, apesar de o taylorismo não ter sido bem sucedido como técnica, o objetivo último dele foi atingido, pois legitimou uma ideologia de controle e gerência, válida tanto para público como para empregadores. Desse modo, teve a aceitação de um corpo mais amplo de práticas ideológicas de desqualificação dos trabalhadores.

A lógica da racionalização foi além do âmbito das empresas e penetra na esfera do ensino.

No caso do ensino, a atenção a essas necessidades realizou historicamente mediante a introdução do mesmo espírito de “gestão científica”, tanto no que se refere ao conteúdo da prática educativa como ao modo de organização e controle do trabalho do professor. Assim, o currículo começou a conceber também uma espécie de processo de produção, organizado sobre os mesmo parâmetros de decomposição com elementos mínimos de realização, (CONTRERAS, 2002, p.35).

Neste contexto aparece a hierarquização das funções nas instituições educacionais, através da figura do gestor, coordenador, supervisores, favorecendo a racionalização do ensino mediante a progressiva dependência do professor das decisões dos especialistas e administradores. Com isso, os docentes perdem também a sua missão de intervenção na decisão no planejamento do ensino, ficando como meros executores dos programas pensados por outros.

A determinação cada vez detalhado do currículo a ser adotada pelas escolas, a extensão de todo tipo de técnicas de diagnóstico e avaliação dos alunos, a transformação dos processos de ensino em microtécnicas dirigidas à consecução de aprendizagens concretas perfeitamente estipuladas e definidas de antemão, as técnicas de modificação de comportamento, dirigidas fundamentalmente ao controle disciplinar dos alunos, toda a tecnologia de determinação de objetivos operativos ou finais, (CONTRERAS 2002, p.36).

O Estado, para desenvolver o processo de racionalização, trabalha no sentido de definir e aumentar as formas burocráticas de controle sobre o trabalhador e de suas tarefas. Aumentando as ocupações, de certo modo impede o exercício reflexivo do professor, o diálogo com os colegas, a troca de percepções, proporcionando o afastamento, o que leva ao individualismo. Em síntese, todo esse quadro leva à perda de autonomia dos professores na realização do seu trabalho profissional.

O processo de desqualificação profissional não anda só, ele é acompanhado por aquilo que pode ser chamado requalificação. Tecendo uma análise sobre esse processo, no sentido de esclarecer como acontece, Apple(1989, p.158) assim expressa:

Esse processo de desqualificação e requalificação está geralmente distribuído por toda a economia, de modo que fica difícil traçar suas relações. Não é muito comum que possamos vê-lo funcionando num nível de especificidade tal que se torne visível, uma vez que enquanto um grupo está sendo desqualificado, outro grupo, muitas vezes separado pelo tempo

e pela geografia, está sendo requalificado. Uma instituição particular – a escola – fornece um microcosmo excepcional para ver esse tipo de mecanismo em funcionamento (APPLE, 1989, p. 158)

Deste modo, verifica-se que o processo de desqualificação dos professores vem acompanhado de novas formas de requalificação, na media em que tiveram de desenvolver novas habilidades de acordo com esse processo de racionalização, isto é, as habilidades que eram tidas como essenciais para o trabalho dos professores como: planejamento e a elaboração do currículo e o planejamento de estratégias curriculares não são mais necessárias, porque existe um grande fluxo de matérias empacotadas que devem ser utilizadas pelos professores, separando, assim, o planejamento da execução.

Enquanto a desqualificação a perda da “arte”, a atrofia gradual das habilidades pedagógicas, a requalificação envolve substituição pelas habilidades e visões ideológicas capitalista. O crescimento das técnicas de modificação de comportamento e das estratégias de manejo de classe e sua incorporação tanto aos materiais curriculares quanto ao repertório dos professores são uma indicação desse tipo de modificação. (Apple, 1989, p.1 61)

“Se tudo está pré-determinado, não há mais nenhuma necessidade urgente de que haja interação entre os professores. Os professores tornam indivíduos sem vínculos, divorciados tanto dos seus colegas, quanto da matéria real do seu trabalho”. (APPLE, 1989, p. 162). Isso, de certo modo, contribui para o despreparo profissional do professor e, consequentemente, a perda do capacidade de intervenção, quer na esfera escolar, quer em outras esferas sociais.