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INDICADORES SÓCIO-EDUCACIONAIS RESULTANTES DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E COLOCAÇÃO DOS PROFESSORES EM C

4 POLÍTICAS PÚBLICAS, NEOLIBERALISMO E FORMAÇÃO DE PROFESSOR

5 POLITICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO

5.6 INDICADORES SÓCIO-EDUCACIONAIS RESULTANTES DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E COLOCAÇÃO DOS PROFESSORES EM C

Para abordar este aspecto, também foram analisados documentos, particularmente, os Relatórios de Atividades da Direção dos Recursos Humanos (DRH) do Ministério da Educação. Assim, no que concerne à contratação de professores para o ano letivo 2008/2009, segundo os dados da DRH, no universo da contratação de professores para aquele ano letivo, mais de sete centenas apresentaram a candidatura para o Ensino Básico e Secundário; e foram contratados 333 professores, sendo 248 para o Ensino Secundário e 85 para o Ensino Básico. Então, percebe-se que menos da metade dos professores formados são contratados pelo Ministério da Educação. Sendo o ensino privado algo ainda inexpressivo em Cabo Verde, esse setor tem pouca capacidade contratual de

professores. O relatório de atividades da DRH apresenta uma das razões da pouca absorção de professores, afirmando que

Nesse nível de ensino continuamos com a tendência decrescente da população estudantil comparativamente ao ano anterior registrou-se uma diminuição de 116 alunos, pois no ano anterior iniciamos com um total de 1329 alunos e no presente ano letivo iniciamos com um total de 1213 alunos, e para o próximo ano as previsões apontam para um numero ainda inferior a volta dos 1.130 alunos, o que significa que não teremos necessidade de recrutamento de novos professores para esse nível de ensino, a menos que haja alguma mobilidade em termos de transferência para outros concelhos abrindo vagas para dois jovens recém formados que aguardam uma oportunidade. (DRH)

Questionado acerca da existência de muitos jovens formados pelo IP que estão desempregados, o S3 responde que tem sido um grave problema, e relatou que muitos daqueles formados têm procurado a direção da escola para questionar sobre a finalidade da formação, pois, mesmo preparados para exercerem o magistério, não têm emprego. Contudo, e estranhamente, mostrando incompatibilização entre a agência estatal de formação de quadros qualificados (o IP) e a necessidade real de absorção (colocação) de seus egressos na função pública ou privada, este entrevistado (S3) acrescenta que eles não são empregadores e sim formadores.

Sobre o mesmo questionamento o S1 afirmou: “nos formamos para atender ao mercado e o mercado e é que vai regular […]” e acrescenta: “isso também tem a ver com a lógica da própria formação e orientação dos estudantes; muitas vezes existem pessoas que fazem formação por fazer, sem pensar na lógica da orientação e nem na lógica do próprio mercado, deve-se levar em conta o mercado. Fazer uma formação numa área que está, digamos, esgotada não faz sentido: é formar para o desemprego”.

S1 acrescenta ainda que “uma pessoa que tenha feito uma formação de

qualidade entra no mercado concorrencial, não fica desempregado. Não vejo um bom engenheiro que fez uma formação, quer dentro ou fora de Cabo Verde, ficar desempregado”.

Deixar esse processo para a lógica do mercado, sem dúvida, irá provocar o processo de competição, fato que é imposto ideologicamente pelo fenômeno da globalização, no qual o trabalhador, para conseguir o emprego, terá de ser mais capacitado e competitivo, além de ter que se adaptar com facilidade às demandas

das empresas. “A essa nova tentativa de reorganizar o padrão de exploração da classe trabalhadora chama-se de neotecnicismo” (SILVA, 2002, p. 8)

Pela sentença em destaque na afirmação de S1, entende-se que o mesmo passa a responsabilidade do desemprego aos jovens formados, por causa da “infeliz” escolha deles. Sobre este assunto, Enguita (1995) afirma que, ao falar no tema de adequação entre a educação e emprego, entre o que o sistema produz e o que de fato o mundo empresarial requer, está-se deixando transparecer que o desemprego existe por causa dos indivíduos, que não se formaram na área adequada para serem empregados; ou por causa dos poderes públicos que não souberam oferecê-la.

Ainda sobre este mesmo assunto S2, afirma:

Eu não sou apologista de que tem de ser o Estado a empregar o cabo- verdiano tem de ser empreendedor. Nós não temos um ensino privado desenvolvido existe uma ou outra escola aqui na Praia, e outra em São Vicente, mas não existem mais; de fato o ensino privado é desenvolvido pelas pessoas, pelos cidadãos, então pensamos que, nós não temos de diminuir ou deixar de diminuir a formação. Poderemos sim introduzir uma

valência forte no sentido de dentro do nosso plano curricular introduzir algo que conduza ao professor ao jovem empreendedor que seja capaz de sair do curso de criar sua própria escola privada. Porque se você tem capacidade financeira e você tem uma boa escola privada não deverá por seu filho numa escola pública embora eu tenha trabalhado no ensino público eu defendo que o público deve exercer cada vez com maior qualidade, não temos de fechar as nossas portas se

as pessoas quiserem vir, não seria uma estratégia boa. (Depoimento de

S2).

Pela fala de S2 percebe-se, nitidamente, que a intenção é promover o ensino privado, firmando assim, a idéia do “menos Estado”. O pensamento de introduzir no plano curricular o empreendedorismo ou algo que conduza a esse explicita a entrada dos princípios neoliberais no plano curricular. Com relação a esse aspecto, Ball (2009, p. 7) demonstra, que atrelada à questão do empreendedorismo, ou educação empreendedora, vem a questão da liderança, e explica que:

Liderança e empreendedorismo também são um meio de introduzir inovações práticas e novas sensibilidades em áreas da política educacional consideradas resistentes à mudança e avessas ao risco. Em termos gerais, eles introduzem e disseminam como 'boas práticas' as condições (estratégicas e discursivas) para um sistema educacional 'pós bem-estar social' no qual o Estado contrata e monitora, mas não presta serviços de educação - criando, por conseguinte novas oportunidades de lucro para o setor privado. Através do mercado e do emprego das tecnologias de desempenho e liderança o Estado age como um 'agente mercantilizador' transformando a educação em uma mercadoria e em partes contratáveis, ou

seja, 'recalibrando as instituições' para torná-las homólogas a empresas e criando dentro do setor público as condições econômicas e extra- econômicas necessárias para as operações do setor privado.

Assim, aparece nesse processo um novo profissional, com uma nova responsabilidade, isto é, a de ser empreendedor. E, sendo um empreendedor, esse profissional tende a agir com prudência e, sobretudo, inovação, com a finalidade de proteger os seus interesses ou da sua organização, a fim de alcançar os seus objetivos, maximizar o seu lucro e criar condições cada vez mais eficientes para competir no mercado.

Outro aspecto significativo surge quando S2 expressa que, se uma pessoa tiver condições financeiras, e existir uma boa escola privada, ela não deverá matricular o filho em uma escola pública. Ou seja, o responsável (ainda que detenha uma posição na promoção do ensino público) colocaria a criança em uma escola privada, demonstrando sua desconfiança quanto à qualidade do ensino público e à capacidade dos professores em oferecer um ensino de qualidade e uma liderança capaz de ajudar no desenvolvimento intelectual e moral das crianças do país.

[...] a educação está cada vez mais sujeita aos processos de mercantilização e privatização. Essas são algumas das principais características da política de educação global no século XXI e representam uma tendência crescente, sob diferentes formas, em países com históricos culturais/políticos e posições econômicas bastante diversos. De fato, o aumento da privatização na educação é isomórfica em relação à forma de capital que representa - as corporações transnacionais. A expansão rápida e massiva da participação do setor privado na educação pública é certamente impulsionada pelos dois lados da relação de troca, o da oferta e o da demanda. A privatização é atrativa para governos e agência multilaterais como 'soluções' para o 'problema' da reforma do setor público (com a promessa de aumento da produtividade, introdução de inovações e redução de custos) e é uma nova (e relativamente segura) oportunidade de lucro para o capital (grande e pequeno), particularmente em um momento em que outras áreas de atividade comercial estão em recessão. (BALL, 2009, p. 1-2).

Em síntese, o que talvez se assista, atualmente, seja a uma intensa alteração epistêmica de um paradigma educacional para outro; ou seja, está a passar-se do paradigma modernista ao pós-modernista, em que se deixa de lado o aprendiz comprometido com o bem-estar comum para projetar um aprendiz superficial, flexível, solitário, responsivo e responsável (coletivamente representado como capital humano), desprovido de sociabilidade. (TUSCHLING E ENGEMANN 2006 apud SILVA, 2002, p. 16).

Assim, depois de um projeto de aligeiramento do processo de formação de professores do Ensino Básico, em Cabo Verde, depara-se com a existência de um grande número de jovens formados com o uso de recursos públicos para nada, porque a tendência é engrossar a fila dos desempregados. Com tudo isso, a culpa por esta situação é atribuída aos próprios jovens formandos que não souberam escolher cursos de acordo com o mercado. Para amenizar a situação, o governo propõe a expansão do ensino privado e a promoção do empreendedorismo, assim projetando a mercantilização da educação no país, transformando-a em um objeto de elevação da dualização e de reprodução das desigualdades sociais.

Cabe perguntar: como foi a evolução de certos indicadores do Ensino Básico, durante os anos de implementação das ações de formação de professores? O quadro a seguir apresenta alguns dados que ajudam a analisar a situação.

Tabela 5 – Dados da evolução da situação do Ensino Básico dos anos letivos 2003/2004 a 2008/2009.

Fonte: Ministério de Educação – Gabinete de Estudos e Planejamento – com adaptação do autor desta dissertação.

De acordo com a tabela acima, percebe-se que, a despeito da diminuição das taxas de reprovação, repetência, abandono escolar e alunos por sala, essa redução ainda é insignificante. Um dos sujeitos ouvidos (S4) acerca dos principais desafios

Anos letivos Taxa de Reprovação Taxa de Repetência Abandono Escolar Alunos por Sala 2003/2004 13.503 15,9% 11.034 15,1% 2.228 2,6% 47 2004/2005 11.566 13,9% 12.877 13,8% 2.073 2,5% 46 2005/2006 10.165 12,5% 11.432 12,5% 2.281 2,8 45 2006/2007 8.942 11,4% 10.152 11,3% 1.696 2,2% 43 2007/2008 8.027 10.6% 8.846 10,0% 1.532 2,0 42 2008/2009 7.393 10,1% 7.626 - 1.494 2,0 40

do Ensino Básico, apontada a situação da reprovação como uma preocupação, assim expressa:

O desafio da educação básica, em Cabo Verde, neste momento, prende-se com a melhoria global da qualidade. Em termos de eficácia externa, ainda

temos taxas de reprovação altas em alguns Conselhos do País que

precisa ser corrigido, pois a reprovação para além de representar custos adicionais para o sistema tem sempre implicações negativas na vida acadêmica dos alunos, comprometendo o sucesso nos níveis de ensino subseqüente.

Recorrendo aos dados dos anos letivos 2008/2009, disponibilizados pelo Gabinete de Estudos e Planejamento do Ministério de Educação de Cabo Verde, verificou-se que os conselhos que possuem maior taxa de reprovação, como já foi apresentado, no primeiro capitulo, são: Santa Catarina – Ilha do Fogo, 23%; São Filipe – Ilha do Fogo, 13, 9%; São Miguel – Ilha de Santiago, 12,9%; Mosteiros – Ilha do Fogo, 11,9%; Ribeira Grande – Santiago, 12,4%; Santa Catarina Santiago, 12,1%.

O mais curioso é que, dos sete conselhos apresentados, três (Santa Catarina, Mosteiros e São Filipe) pertencem à Ilha do Fogo, que é uma das ilhas, juntamente com a ilha da Brava, que, de 2007 a 2009, tiveram um projeto específico no que concerne à formação de professores; além das formações ocorridas entre os anos 2001 a 2006. Deste modo, vê-se que foi feita uma formação aligeirada, o número de alunos por sala não diminuiu, a taxa de abandono não decresceu, a repetência e a reprovação tiveram um decréscimo insignificante.

Outro aspecto que merece destaque nesta subseção é a situação dos professores do Ensino Básico. Questionado sobre esse aspecto, principalmente no que se diz respeito a colocação, salário, progressão na carreira e condições de trabalho, S4 afirma:

Na década de noventa, os docentes tinham a carreira docente estagnada em resultado do congelamento das progressões e das promoções, daí grande desmotivação para programar inovações no sistema de ensino. A partir de 2001 foi delineado um conjunto de medidas de política, tendentes a inverter a situação da formação dos professores e das respectivas carreiras. As carreiras profissionais (progressões, promoções, “reclassificações”

nomeações no quadro, etc.), foram melhoradas e efetivadas. Todos os pendentes até 2009 foram processados, em articulação com a Base Dados dos Recursos Humanos (importante instrumento de gestão criado

Pegando outros dados, adquiridos através dos arquivos de reportagem da emissora Radio Televisão Cabo-verdiana ( RTC), percebe-se que as informações dadas por S4 não condizem com as reivindicações dos sindicatos dos professores, porque, como acima se destaca, o S4 afirma que o problema do congelamento das progressões e das promoções foi resolvidos, que as carreiras profissionais (progressões, promoções, “reclassificações” nomeações no quadro, etc.), foram melhoradas e efetivadas, e que todos os casos pendentes foram resolvidos.

Neste sentido, questiona-se, então, qual a razão dos dois maiores sindicatos de professores cabo-verdianos apresentarem tantas reivindicações. Por exemplo, no dia 23/04/2010 a RTC apresentou uma reportagem em que Federação Cabo- verdiana dos Professores – FECAP apela ao Governo de Cabo Verde para a criação de condições para o pleno exercício da classe docente, demonstrando a insatisfação dos professores em relação a esse aspecto. Ainda, no mesmo mês e ano, o Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP) ameaçou levar o Ministério de Educação ao Tribunal devido ao não pagamento de retroativo, redução da carga horária, falta de reclassificação, não pagamento de subsídios de carga horária e entrada no quadro e revisão da tabela salarial (situação que afeta muitos professores do Ensino Básico). Cabe destacar que, segundo o sindicato, há cinco anos os professores reclamam por esses direitos, entretanto o Governo não cumpre a sua parte.

5.7 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO ÂMBITO DO PLANO ESTRATÉGICO