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A descapitalização da sociedade e os casos de responsabilidade pela

5. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A

5.3. A descapitalização da sociedade e os casos de responsabilidade pela

Quando uma sociedade se encontra em situação de insolvência, é muito clara a constatação de sua crise patrimonial (não há liquidez suficiente para cobrir / satisfazer as suas dívidas ou de solvê-las previsivelmente num curto espaço de tempo). Contudo, a situação de insolvência pode ser provocada por atuação de seus administradores 247:

per riassumere – insostituibile, anzi, in questa sua funzione semantica – una complessa disciplina normativa di raporti intercorrenti tra persone fisiche. L’interprete si avvarrà – in conformità, del resto, con il linguaggio legislativo – del concetto di persona giuridica; ma egli potrà, ogni qual volta lo valuterà opportuno, risalire alle norme giuridiche che di questo strumento linguistico sono le “condizioni d’uso”: la persona giuridica gli apparirà, allora, come la speciale disciplina che, in deroga al diritto comune, la legge ha previsto per i membri di determinati gruppi; egli si ritroverà di fronte ad una “somma di privilegi” che, ricorrendo specifici presupposti, il legislatore ha concesso ai membri». Cfr. GALGANO, Francesco. Diritto Civile e Commerciale, volume primo – le categorie generali, le persone, la proprietà, 4.ª ed., CEDAM: Padova, 2004, p. 203.

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Cfr. GALGANO, Francesco. Ob. cit., p. 194: «Questo era stato, in particolare, il presupposto dal quale aveva preso le mosse la teoria cosidetta della finzione, la prima delle teorie che, in epoca moderna, hanno tentato di spiegare perché il diritto regoli, a somiglianza dell’uomo, anche entità non umane. Il fenómeno si era presentato, agli occhi di Savigny, nei termini di un contrasto fra i dati dell’esperienza e i postulati accolti dal legislatore: persona o soggetto è, secondo i dati dellèsperienza, soltanto l’uomo; e tuttavia il legislatore formula i propri precetti come se esistessero altre persone oltre l’uomo. Saviny ritenne, allora, d’essere in presenza di una fictio iuris: il legislatore finge, per soddisfare esigenze proprie Del commercio giuridico, Che entità diverse dall’uomo abbiano, al pari dell’uomo, l’attributo di persona; egli estende, fittiziamente, la categoria degli esseri umani, dà vita ad una sorta di uomini artificiali. E per questi «soggetti creati artificialmente» Savigny suggerí il nome, poi divenuto d’uso comune, di persona giuridica: «giuridica» - egli preciso – perché «persona Che è ammessa solamente per uno scopo giuridico»; e pur tuttavia «persona», in quanto «novo soggetto di rapporti giuridici oltre l’uomo singolo»».

246 Cfr. B

OLDÓ RODA, Carmen. Ob., cit., p. 51. A Autora menciona a seguinte ideia: Se SAVIGNY

considerava que o Direito podia fingir que o ente personificado era um sujeito distinto de seus componentes, a “desconsideração” implica que o Juiz pode fingir que a sociedade personificada não é, em certos momentos, um sujeito distinto de seus acionistas. (N.T.)

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Assinalamos a distinção entre responsabilidade dos administradores e responsabilidade dos sócios: neste comentário reportamo-nos à responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade, não a dos seus sócios. Como observa MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO: «É certo que, frequentemente os sócios serão membros desse órgão (sobretudo nas sociedades por quotas e nas

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referimo-nos aos casos de descapitalização provocada 248 (Existenzvernichtung). Estes casos são caracterizados pelos típicos desvios de património social aquando do deslocamento de produtos / insumos / matérias-primas / serviços / património, etc., de uma sociedade para uma sociedade nova (com objeto idêntico ou similar) constituída

sociedades anónimas de pequena dimensão), o que contribui bastante para que possa existir alguma confusão na análise destas questões, a par da habitual referência ao “sócio-gerente”: existe nesta expressão uma sugestão de “fungibilidade” entre as figuras do sócio e do gerente que acaba por esbater a nitidez necessária no discurso jurídico. Mas numa sociedade comercial o órgão que detém as funções de gestão e de representação é o órgão de administração, pelo que a prática de qualquer dos actos característicos da “descapitalização”, em nome da sociedade, pressupõe a sua actuação (precedida, naturalmente, da correspondente tomada de decisão)» Cfr. RIBEIRO, Maria de Fátima. “Desconsideração

da personalidade jurídica e a ‘descapitalização’ da sociedade”, in: Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano LII, n.º 3-4, julho-dezembro, 2011, Almedina: Coimbra, pp. 176-77):. Contudo, COUTINHO DE ABREU

cerceia a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica aos sócios, ou sócios-gerentes, quando diz: «pela desconsideração da personalidade jurídica, somente sócios (enquanto tais) são atingidos, não gerentes; o sócio-gerente é responsabilizado por ser sócio, não por ser gerente. Estando em causa comportamentos dos gerentes (-sócios) que entrem no campo de aplicação do art. 78.º, 1 [CSC], há que ir por aqui, não pela desconsideração da personalidade jurídica. Estando em causa certos comportamentos dos sócios (-gerentes) – enquanto sócios –, poderá ir-se pela desconsideração colectiva», vide ABREU. J. M. Coutinho de. “Diálogos...” ob. cit. p. 52-53. Posicionamo-nos com a primeira Autora: os administradores (sejam sócios ou não) podem sofrer os efeitos da desconsideração, a depender da responsabilidade direta ou indireta.

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A descapitalização provacada é resultado da teoria de COUTINHO DE ABREU sobre a concretização sistêmica do método da desconsideração da personalidade jurídica, assente na divisão de “dois grupos”: o grupo de casos de imputação (Zurechnungsdurchgriff) – cujo determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice-versa – e o grupo dos casos de responsabilidade (Haftungsdurchgriff) – a regra da responsabilidade limitada (ou da não responsabilidade por dívidas sociais) que beneficia certos sócios (de sociedades por quotas e anónimas, nomeadamente) é quebrada. O autor considera importante para o estudo no caso português, o segundo grupo. No que concerne ao segundo grupo – casos de responsabilidade – apresenta quatro “casos”, a saber: mistura de esferas de atividade e patrimónios; subcapitalização (material); domínio qualificado de uma sociedade sobre a outra, e por fim, a descapitalização provocada. Vide ABREU, J. M. Coutinho de. “Diálogos com a

jurisprudência, II – responsabilidade dos administradores para com credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica”, in: Direito das Sociedades em Revista, ano 2, vol. 4, Almedina: Coimbra, março 2010, p. 55-56, e Curso de Direito Comercial – vol. II, ob. cit., p. 180-182. Já na conceituação de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, «na “descapitalização”, foram colocados ao dispor da sociedade meios suficientes

para o exercício da actividade que constitui o objecto social, mas, por razões de mercado e em virtude do funcionamento da empresa, o valor do património da sociedade desceu perigosamente abaixo do nível desses meios considerados suficientes. No fundo, a diferença reside no carácter dos factos que deram origem à falta de adequação dos meios necessários à exploração da empresa: se os sócios tomam decisões que podem determinar a necessidade de mais meios, como a alteração do objecto, fala-se de subcapitalização superveniente; se os sócios dotaram a sociedade de meios suficientes, mas a sociedade veio a perdê-los, fala-se de descapitalização. No primeiro caso, assiste-se a uma transferência voluntária, operada pelos sócios, do risco da exploração empresarial para terceiros. No segundo caso, a situação vai naturalmente ser prejudicial para os credores sociais, ma não é conscientemente causada pelos sócios, que vêem também os seus interesses ameaçados» RIBEIRO, Maria de Fátima, A tutela dos credores da

sociedade por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”.Almedina: Coimbra, 2009, p.

190; No mesmo sentido, vide ainda a publicação da mesma Autora: “O capital social das sociedades por quotas e o problema da subcapitalização material”, in: Capital Social Livre e Acções sem Valor Nominal (coord. Paulo de Tarso Domingues & Maria Miguel Carvalho), Almedina:2011, p. 57 e ss.

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para o fim de reiniciar uma nova sociedade e livrar-se do cumprimento das obrigações da velha sociedade, consequentemente impossibilitando o cumprimento das obrigações com os credores daquela.

É de referir que neste tipo de atuação por parte dos administradores em provocar a descapitalização voluntária da sociedade, torna-se passível de gerar na órbita jurídica a denominada desconsideração da personalidade jurídica da primeira sociedade, situação em que será derrogada ou não observada a regra da autonomia do património social (princípio da separação patrimonial) - visto que o património social responderia perante os credores da pessoa coletiva - e em virtude de tal atuação, os patrimónios dos administradores responderão (subsidiariamente) perante os credores sociais: por decorrência do denominado abuso de personalidade coletiva 249.

Sendo assim, da constatação de crise económico-financeira de uma sociedade os sócios (em cargo de direção) não têm o dever de a recapitalizar. Podem, se lhes for conveniente, dissolvê-la; Tem pelo contrário, os administradores, o dever de apresentar a sociedade à insolvência quando da ciência deste status (art. 18.º e 186.º, n.º 3, do CIRE). De modo que não é permitido aos administradores (ou aos sócios com poder de direção) agravar a crise da sociedade, descapitalizando-a e diminuindo o património social em detrimento dos credores sociais. Havendo abuso de direito (abuso institucional) 250, há ilícito. De seguida, se houver culpa dos administradores (como no exemplo apresentado) – dolo ou negligência –, dano para com os credores e nexo de causalidade entre o dano e o comportamento ilícito e culposo, tem-se os pressupostos da responsabilidade dos administradores perante os credores sociais, pese ser a sociedade a “devedora” e a regra geral ser o “princípio da separação patrimonial”.

Dentro do terreno da descapitalização provocada, a doutrina também admite a desconsideração da personalidade jurídica nos casos de violação do dever de lealdade. Nesse sentido, COUTINHO DE ABREU 251 explicita que este dever impõe que cada sócio não atue de modo incompatível com o interesse social ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade. Consequentemente, e por via da responsabilidade direta, os sócios desleais podem ter de responder perante a sociedade (responsabilidade interna). Contudo, assinala o A., em casos de responsabilização perante os credores sociais, na modalidade da descapitalização, é preferível o uso do recurso da desconsideração da personalidade jurídica. Pois, utilizando a sociedade de forma

249 Ainda hoje temos certa feição à terminologia da personalidade coletiva segundo os padrões da teoria

de SAVIGNY, para quem, em termos gerais, “a pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas, que,

tecnicamente, não corresponda a uma ‘pessoa natural’, mas seja tratado, como pessoa, através de uma ficção teórica, numa situação que se justifica, para permitir determinado escopo humano”, in SAVIGNY, Friedrich Carl Von. System dês heutigen Römischen Rechts, 2.º vol., 1840, apud CORDEIRO, António Menezes. O levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial, Almedina: Coimbra, 2000, p. 39.

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OUTINHO DE ABREU caracteriza o abuso de direito na esfera empresarial como sendo o “abuso institucional”, cfr. ABREU, J.M. Coutinho de. Curso de Direito Comercial – vol. II, p. 182. Vide também do mesmo Autor: Do Abuso de Direito: ensaios de um critério em Direito Civil e nas deliberações

sociais, Almedina: Coimbra, 1983, repub. 1999.

251 Cfr. A

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abusiva, os sócios (quase sempre dolosamente) causam danos mais relevantemente aos credores sociais. Devem estes, pois, ter a possibilidade de acionar diretamente aqueles.

5.4. A primazia das regras de responsabilização e a subsidiariedade da